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A arte e os significados plurais das masculinidades no contemporâneo
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A arte e os significados plurais das masculinidades no contemporâneo

Os significados plurais das masculinidades no contemporâneo e o papel das artes nessas representações são debatidos por artistas e especialistas
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Obra Masculina Intuição (Foto: Beijamim Aragão / divulgação)
Foto: Beijamim Aragão / divulgação Obra Masculina Intuição

Beijamim Aragão é artista visual, técnico em audiovisual e fotógrafo transmasculino nascido e criado em Sobral, município da região Norte do Ceará onde "estão muito arraigadas as masculinidades". Edceu Barboza, auto-reconhecido como homem preto, é artista-produtor-pesquisador do Grupo Ninho de Teatro, da região do Cariri cearense, território que possui um dos mais altos índices de feminicídio no Estado. A partir de processos artísticos e também pessoais, ambos são agentes de movimentos efervescentes que vêm procurando pensar sobre e tensionar as estruturas das masculinidades.

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"É inescapável compreender que a reflexão sobre masculinidades é sempre no plural e sempre mobiliza uma leitura informada por discussões atentas às relações raciais e ao racismo, às desigualdades de classe…", aponta a doutoranda em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas Isabela Venturoza. Se historicamente, mesmo com mulheres empreendendo mudanças estruturais importantes, o lugar dos homens permanecia quase intocado, a discussão sobre interseccionalidades é um marco importante de tensionamento dessa zona de conforto.

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"Ela tem feito com que tanto os campos de estudo quanto os debates públicos em torno das masculinidades comecem a ser tensionados pela reflexão sobre sua relação com outros marcadores sociais de diferença, como raça, classe, escolaridade e regionalidade, complexificando leituras mais apressadas e focadas no privilégio dos homens. Passamos então a pensar 'de que homem estamos falando?' e 'em que situações e em relação a quem o privilégio se manifesta?'", explica Isabela. Um "olhar múltiplo sobre masculinidades", adiciona o psicólogo Maia Neto, "facilita pensar que não se vive 'ser-homem' de um jeito único". "Um homem cis, preto ou não-preto, jovem ou idoso, dentro ou fora da comunidade LGBTQIA experiencia isso diferentemente", ilustra Maia.

"Sempre me coloquei no lugar de questionamento do que era essa masculinidade e como ela me afetava, por eu ser uma pessoa muito sensível, ultra afetiva. Meus trabalhos com ilustração trazem esse meu íntimo e meu querer de naturalizar esse corpo transmasculino, que tem peitos, pelos, barba e também tem um comportamento de afetividade, de carinho", divide Beijamim. As ilustrações do artista, em diferentes níveis, são representações de si e de processos pessoais, inspiradas em sentimentos e vivências.

 
 
 
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Foi a partir dos desenhos, ele conta, que barreiras que tinha com o corpo - as "cisforias", termo que une a partícula "cis", referente à cisgeneridade (em termos didáticos, a condição da pessoa cuja identidade de gênero corresponde ao gênero atribuído no nascimento), à palavra "disforia" - começaram a ser destruídas. "Quando a gente entende e debate as diversas masculinidades - seja nas questões físicas, emocionais, afetivas, políticas -, a gente também se relaciona afetivamente com nosso corpo de forma diferente. Os debates e questionamentos são importantes para gerar outra movimentação e conceber uma naturalização dos corpos transgêneros", elabora Beijamim.

Na experiência artística de Edceu, o Grupo Ninho de Teatro - composto por quatro mulheres e quatro homens - partiu dos números de violência de gênero no Cariri para iniciar um processo ainda em curso de um novo trabalho que tensiona o tema do gênero partindo dos feminismos e das masculinidades. A partir da pesquisa para essa nova obra, que recebe o nome de "Trilogia Fractal Gênero'S" e deve estrear no primeiro semestre de 2021, o grupo percebeu um aflorar de rodas de masculinidades pelo Brasil e, para criar pontes entre o processo artístico e o debate social, passou a realizar uma roda virtual sobre o tema. "Nós, atores, entramos na roda como homens, mas também como esses atores-criadores que vão entendendo a pluralidade e a diversidade do que sejam os masculinos", explica Edceu.

 
 
 
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"Com os questionamentos sobre a 'machulência' (violência masculina) e o impacto disso, acontecem em todo Brasil grupos de homens que se reúnem para poder treinar um movimento inverso: ser vulnerável. Esse exercício permite entender comportamentos e sentimentos para poder se abrir para alguma mudança na vida comum/micro, que vai ser mais significativa quando for para acabar com o esqueleto social do machismo", destaca Maia. "Temos uma agenda de reflexão sobre as masculinidades, a partir da qual pensamos a ampliação das possibilidades do que significa ser homem. Os sentidos, aí, precisam se comprometer com o enfrentamento à violência contra as mulheres e da violência de homens contra outros homens - relacionada aos modelos de masculinidade valorizados em nossa sociedade", complementa Isabela.

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Edceu destaca, nesse contexto, o reconhecimento que os movimentos das masculinidades precisam ter dos feminismos. "Como a gente pode, somando com a luta feminista que já tem décadas e décadas, também repensar os comportamentos?", instiga. A ligação posta é também citada por Isabela, que credita às teorias de interseccionalidade e ao feminismo negro "a desestabilização de leituras apressadas que tenderam a cristalizar e homogeneizar a imagem que criamos sobre os homens". Maia Neto lembra, ainda, que uma das diretrizes para o enfrentamento da violência de gênero desde a criação da Lei Maria da Penha, em 2006, foram os grupo de reflexões para homens. "Esse exemplo destaca a importância dos movimentos sociais de mulheres na construção de proteção àquelas vítimas de violência, assim como na produção de letramento social do que dá base para a objetificação feminina e o poder patriarcal", aponta.

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A ligação das pautas e movimentos sociais com a arte se revela também importante no cenário geral, já que esta pode ser ferramenta disparadora de provocações, afetos e reflexões. “As linguagens artísticas, quanto tocam em questões sócio-políticas, funcionam em alguma medida como disparadores e, após a audiência e o encontro, isso pode ressoar no espectador ou na espectadora e se expandir enquanto busca”, defende Edceu. “A arte tem o papel importante de complexificar e questionar modelos, mas também vem para, de maneira subjetiva, tornar acessíveis e ampliar os debates. Eles são importantes justamente para questionar e derrubar os modelos - não só os que as pessoas cobram das masculinidades, mas vários outros”, complementa Beijamim.

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Mostra de Arte e Diversidade

Itaú Cultural realiza a partir de hoje a programação da sétima edição do evento Todos os Gêneros: Mostra de Arte e Diversidade, cuja tema são as masculinidades. A mostra virtual se estende até o domingo, 30, e reunirá apresentações musicais, debates e espetáculos. A abertura acontece hoje, às 18h30, com a performance cênica "Filho Homem", do ator carioca Bernardo de Assis, que fala da descoberta da transexualidade. Logo em sequência, ocorre a mesa de estreia da mostra, Masculinidades em Trânsitos, que irá reunir o jornalista gaúcho Airan Albino, do grupo MilTons; o quadrinista transmasculino paulista Lino Arruda; e o escritor pernambucano Marcelo Freire. As apresentações artísticas se desenrolam em especial de quinta a domingo, dia de encerramento do evento que será marcado por shows do cantor Ciel Santos e do rapper Rico Dalasam.

Todos os Gêneros: Mostra de Arte e Diversidade
Quando: de hoje a domingo, 30
Onde: www.itaucultural.org
Mais informações: no site ou no Instagram @itaucultural

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