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Projeto Saral mistura linguagens e ressalta produção de literatura marginal periférica
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Projeto Saral mistura linguagens e ressalta produção de literatura marginal periférica

Projeto Saral entra na reta final do financiamento coletivo para concretização do terceiro volume, que contará com ilustrações de Flávio Domingos
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Talles Azigon, criador da Livro Livre Curió Biblioteca Comunitária (Foto: FÁBIO LIMA/O POVO)
Foto: FÁBIO LIMA/O POVO Talles Azigon, criador da Livro Livre Curió Biblioteca Comunitária

Com os dois volumes de Saral no mundo, o poeta Talles Azigon decidiu dar mais um passo. O destino, ele divide, ajudou. Navegando no Instagram um dia, viu uma postagem que reunia uma página da primeira edição do livro a uma ilustração, cujo autor era Flávio Domingos, ex-aluno de uma amiga. "Conversei com ele e descobri a história. Ele participou do lançamento do Saral na escola, comprou o livro, disse que era seu companheiro de viagem diário na topique. O universo me ofereceu a melhor maneira de encerrar o projeto. Entendi que poderia completar um ciclo", narra Talles. Saral#3, então, une a produção do poeta às ilustrações de Flávio.

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Mesmo com aspectos distintos, as edições do Saral, destaca Talles, se conectam em diferentes níveis. "Temos Fortaleza vista de cinema e de dentro, são dois planos constantes dos poemas. Outro ponto dos livros é que eles compõem uma narrativa estética de uma periferia que se transforma", indica. Os livros em conjunto compõem, também, um discurso de reação. "Nunca quis, com meus poemas, fazer uma denúncia. Todo mundo tá cansado de saber quais são os problemas de Fortaleza. O que o Saral faz é atiçar as pessoas a se rebelarem, não se conformarem e reagirem", define.

Tal intenção pulsa desde as primeiras páginas de Saral#1 - que abre com uma "desdedicatória" e uma epígrafe direta e precisa, "Vocês querendo ou não isto é literatura" - e chega à Saral#3. O volume final terá duas versões. A primeira delas será digital, apoiada pela Lei Aldir Blanc via Secultfor e voltada para distribuição entre estudantes da rede pública de ensino, reunindo informações sobre saraus, explicações sobre a grafia com "l" no projeto e orientações para realização do evento em escolas e comunidades - "como disse o músico Parayba, o sarau é sal", instiga o material. A versão, que fica pronta ainda em janeiro, tem tradução em Libras feita pela intérprete Grace Kelly e poesias em áudio. 

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A segunda versão será física, financiada pela vaquinha virtual e deve ficar pronta em março, quando deve ser lançada, planeja Talles, no aniversário de três anos da Livro Livre Curió Biblioteca Comunitária. Ambas têm design gráfico assinado por Daniel Firmino. Além da impressão, os recursos do financiamento coletivo também ajudarão na reedição dos três volumes de Saral, que serão reunidos em box especial com arte de capa da artista Alexia Ferreira e textos críticos das artistas e pesquisadoras Nina Rizzi, Tuyra Maria, Rômulo Silva e Claudiana Alencar.

O projeto e seus desdobramentos são exemplos incontestes da produção literária marginal periférica, uma vertente "inclassificável", como aponta o poeta. "É uma resposta, um grande projeto multidimensional que surgiu em vários pontos do Brasil, várias épocas, e agora tem tido mais força. É a literatura do povo preto, dos povos indígenas, dos mestiços, das trans, das pessoas empurradas para fora do capitalismo", tenta dar conta.

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Mesmo "empurradas para fora", são pessoas que empreendem movimentos importantes de não conformidade, como propõe o Saral. "Algumas pessoas dizem que não gostam do termo 'literatura marginal periférica', como se fosse ele que nos excluísse da literatura. Faço questão de dizer que sou um poeta da literatura marginal periférica. Tenho orgulho das minhas origens, dos povos pretos e indígenas que me compõem, da geografia dos territórios em que vivi e vivo, de ser gay, gordo. Mesmo com toda a vontade do sistema literário de me excluir, eu o burlei. Nós, pessoas que compõem a literatura marginal periférica, o burlamos todos os dias", atesta.

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