Na primeira entrevista enquanto secretário da Cultura de Fortaleza, em janeiro de 2021, Elpídio Nogueira se comprometeu a entrar na "briga" por maior participação da área no orçamento do município. "A cultura quase nunca corresponde nem a 1% de orçamento e a pergunta que se faz é: a importância dela é tão pequena assim para a vida de uma cidade? Essa é minha briga. Tenho conversado com o prefeito a respeito disso e coloquei, inclusive, como objetivo na campanha de vereador brigar para ampliar a participação da cultura no orçamento da cidade", afirmou à época. Dez meses depois, consta no Plano Plurianual (PPA) 2022-2025 - entregue pela Prefeitura em 31 de agosto à Câmara em caráter de urgência e, até o fechamento desta edição, ainda disponível no site da Secretaria do Planejamento, Orçamento e Gestão - um valor até R$ 160 milhões menor para a função "cultura" do que aquele previsto no PPA anterior, 2017-2021. Após pressões da classe cultural e demanda da reportagem, a Secultfor informou ao Vida&Arte que novas negociações iriam garantir superação do valor anterior, mas sem detalhes.
Instrumento orçamentário, o PPA determina um planejamento estratégico de diretrizes, objetivos e metas da administração pública, incluindo previsão de receita, para os quatro anos posteriores à tramitação. A referida queda de recursos da cultura no PPA 2022-2025 pode ser de "até" R$ 160 milhões porque há incongruência de valores nos documentos disponibilizados.
Na tabela "valores dos dispêndios por função" - presente no volume I do atual PPA - consta para a cultura o valor de R$ 241.631.240, correspondente, segundo o documento, a 0,57% do total de recursos. Já no "demonstrativo por função e subfunção", presente no volume II, consta o valor de R$ 266.631.240. Ambos, porém, seguem sendo menores do que o anterior.
No PPA 2018-2021, o valor destinado à função foi de R$ 402.555.545, ou 1,18% do total. Para comparação, caso leve-se em conta o menor valor referente à cultura no atual plano, de R$ 241.631.240, a queda em relação ao anterior é de 39,9%.
O advogado e diretor do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais André Brayner explica que uma redução não é, em si, algo proibido. "Existe um importante princípio constitucional que estabelece a proibição do retrocesso em termos de direito. Todavia, no campo prático, a redução ou realocação orçamentária é permitida, pois neste caso se trata de gestão financeira", afirma.
Na sexta, 1º, a reportagem entrou em contato com a Secultfor questionando o que motivou a diminuição acentuada de recursos no PPA, se havia possibilidade de revisar o valor uma vez que o Plano já estava em trâmite e, no caso de redução efetiva, como a pasta conseguiria manter as ações que já tem. Além disso, na segunda, 4, a secretaria foi questionada sobre qual dos valores referentes à cultura seria o correto entre os dois que aparecem no documento.
Após as demandas, a Secultfor, no início da tarde da segunda, 4, encaminhou nota à reportagem onde afirma que o valor do PPA anterior será superado: "A Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor) informa que foram negociadas com o relator do Plano Plurianual 2022-2025, vereador Gardel Rolim, líder do Governo na Câmara, emendas que garantem aporte para a 'função cultura', superando o orçamento previsto no PPA anterior". Oficialmente, o prazo de recebimento de emendas se deu entre os dias 23 e 30 de setembro, conforme é possível acessar no site da Câmara Municipal de Fortaleza. As perguntas específicas não tiveram resposta e, além disso, a pasta não informou qual seria o novo valor previsto, se a "superação" do orçamento do PPA anterior se refere ao valor bruto ou mais detalhes sobre as negociações.
Conforme apurado pelo Vida&Arte, uma das articulações de pessoas ligadas a fóruns de linguagens foi contactar parlamentares para tentar garantir, justamente, emendas contrárias à redução.
"A gente tinha vontade de fazer uma audiência pública, mas como está tudo sendo votado às pressas, estávamos esperando um sinal (da Câmara) para saber se isso podia acontecer", avança Raimundo Moreira, da Cia. Prisma de Artes. Até o final da semana passada, as articulações para a realização da audiência ainda estavam em curso.
O trâmite de urgência, avaliam artistas, dificultou as negociações. Segundo a professora e diretora de teatro Herê Aquino, um ponto crítico da "fratura entre artistas e poder público" revelado foi o "atropelamento do tempo e dos processos de escuta para a entrega de propostas e emendas para o PPA. A forma como foi feita demonstra e confirma a aparente falta de interesse dessa gestão em relação aos movimentos culturais da cidade", observa.
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