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Centro Cultural Bom Jardim chega aos 15 anos mais vivo e potente
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Centro Cultural Bom Jardim chega aos 15 anos mais vivo e potente

Marcado por sensos de pertencimento e participação comunitários, Centro Cultural Bom Jardim traz impactos importantes para a descentralização cultural
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A programação dos 15 anos do CCBJ contou com apresentação e cortejo do grupo Batuque de Mulher com o Maracatu Nação Bom Jardim (Foto: Flávia Almeida / divulgação)
Foto: Flávia Almeida / divulgação A programação dos 15 anos do CCBJ contou com apresentação e cortejo do grupo Batuque de Mulher com o Maracatu Nação Bom Jardim

A ideia de "abertura de portas" é presente nos discursos da artista multilinguagem Stefany Mendes, 29 anos, e do escritor Marcos de Sá, 35 anos, ao falarem da importância do Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ). "É difícil viver de arte no Brasil, mas através da porta que o centro cultural abre posso me capacitar, me formar, produzir, pensar, ocupar espaços", afirma ela, moradora da Granja Lisboa e recém-formada na segunda turma do curso extensivo em teatro do equipamento. "Na infância, queria muito fazer teatro, mas tudo era caro e longe das grandes periferias. O CCBJ reavivou meus antigos sonhos e me abriu portas para novas possibilidades", recupera ele, morador do Bom Jardim há 23 anos. As falas são exemplos que depõem sobre os impactos da ação cultural e social do CCBJ, que completa 15 anos neste domingo, 19. Na data, o Vida&Arte propõe um olhar voltado para as potências que se desenvolvem no centro, apesar de percalços e descontinuidades no caminho.

Erguido no território do Grande Bom Jardim — composto pelos bairros Canindezinho, Granja Lisboa, Bom Jardim, Granja Portugal e Siqueira —, o CCBJ foi construído em 2006 com recursos do Fundo Estadual de Combate à Pobreza - FECOP, por meio da Secretaria da Cultura do Ceará, e tem gestão do Instituto Dragão do Mar. A gênese, porém, veio por demanda da própria comunidade.

"Como a maioria dos equipamentos públicos no território, o CCBJ é fruto da mobilização social, da organização popular comunitária", afirma Romário Bastos, membro do Fórum de Cultura do Grande Bom Jardim. "Era preciso uma casa que acolhesse diversas expressões, era urgente uma escola que nos mostrasse o mundo sensível e criativo das artes, era fundamental a divulgação das nossas artes e a profissionalização dos nossos artistas", recupera.

Na época, já se dava a gênese da execução do projeto em conjunto com a comunidade. "Não interessava e não interessa ao movimento social comunitário um equipamento público que não escute o que a comunidade tem a sugerir, que não dialogue com as diversas manifestações organizadas do território, que não assegure em sua rotina de gestão a participação social", ressalta, assinalando: "Nós costumamos dizer que o CCBJ só está vivo e potente por conta da organização popular local, e mais uma vez afirmamos que ele só se manteve devido à pressão comunitária".

CCBJ foi fundado em 2006 após demanda da comunidade do Grande Bom Jardim
Foto: Fábio Lima em 19/4/2012
CCBJ foi fundado em 2006 após demanda da comunidade do Grande Bom Jardim

O Fórum de Cultura do território foi criado em 2015, quando moradores do Grande Bom Jardim se reuniram em mobilização pela conclusão de uma reforma do prédio do equipamento. No mesmo ano, a Gestão Compartilhada do CCBJ foi oficializada em portaria. Mensalmente, a comunidade e a gestão do equipamento se reúnem para avaliar as ações do local e construir a programação do mês seguinte. 

"O CCBJ construiu ao longo desses 15 anos um grau de pertencimento muito forte e bonito. O Fórum de Cultura e a Gestão Compartilhada são frutos dessa dinâmica social de participação da comunidade, construindo conosco as metas, ações e programação do centro cultural", dialoga o secretário da Cultura Fabiano Piúba.

A relação de pertencimento das pessoas com o centro é ressaltada por Stefany. "É importante entender que aquele equipamento é nosso, que a gente tem direito a ele. De alguma forma, as pessoas parecem que entendem que arte não é acessível, não pode ser pra elas, mas o CCBJ dialoga com a comunidade, com a galeria da periferia", afirma.

"Não é novidade que as grandes periferias são socialmente afetadas por dois extremos: a invisibilização e a rotulação", dialoga Marcos de Sá. "Um equipamento como o CCBJ vem oportunizar a quebra desses paradigmas através dos cursos, apresentações artísticas e movimentações que capacitam uma comunidade, muitas vezes reconhecida apenas pela violência", ressalta o escritor.

Gestor executivo do CCBJ desde abril, Marcos Levi Nunes — cuja relação com o equipamento vem desde o primeiro ano, atuando como educador social, assessor em Educação Social e coordenador do Núcleo de Articulação Técnica Especializada (NArTE) — mensura, em números, alguns dos impactos do equipamento só em 2021.

"Mais de 10 mil horas-aulas executadas, divididas entre ateliês, cursos básicos, extensivos e técnicos. Cerca de 1500 alunos, sendo 1118 bolsistas. 30 jovens 'agentes criativos', que recebem bolsa para fortalecer as atividades de cultura e direitos humanos no GBJ. Uma programação artística permanente, com mais de 200 apresentações e cerca de 120 cachês artísticos distribuídos nas várias linguagens. Estes exemplos são o fruto de uma trajetória de 15 anos que alicerçou uma política cultural construída em permanente diálogo com a comunidade", afirma.

Conquistas positivas e novas demandas

Entre conquistas importantes, Centro Cultural Bom Jardim segue com demandas relevantes para dar sequência e longevidade às potências do equipamento

Historicamente, o Centro Cultural Bom Jardim passou por períodos delicados no que se refere à continuidade de ações. Entre renovações do contrato de gestão, por exemplo, períodos de “seca” de recursos marcaram por anos o equipamento. O Vida&Arte de 19 de maio de 2014, por exemplo, destacou a luta da comunidade para garantir constância na formação e também reformas estruturais. Mais recentemente, em janeiro de 2020, o CCBJ foi ocupado por uma "programação artística insurgente", promovida pelo Fórum de Cultura do Grande Bom Jardim, que contou com ações de cobrança institucional. Com o contexto da pandemia, novos desafios se impuseram, mas o centro conseguiu se manter com mais recursos e ações de impacto cultural e social no período, seguindo ainda com demandas relevantes.

CCBJ tem braços de formação que vão de cursos básicos a técnicos, passando por laboratórios de pesquisa e ateliês de criação
Foto: Deísa Garcêz em 11/11/2019
CCBJ tem braços de formação que vão de cursos básicos a técnicos, passando por laboratórios de pesquisa e ateliês de criação

Atualmente, o CCBJ conta com três pilares principais: Ação Cultural, para promoção de programações diversas e gratuitas; Escola de Cultura e Artes, que reúne programas de Dança, Teatro, Música, Cultura Digital e Audiovisual, com gradações que vão do básico e técnico a laboratórios de pesquisa; e o NArTE, Núcleo de Articulação Técnica Especializada, voltado à atenção social por meio de arte, educação e cultura.

“Como toda política pública, os impactos sociais positivos não se notam de imediato. Demorou quase uma década para que o CCBJ ofertasse cursos técnicos”, contextualiza Romário Bastos, membro do Fórum de Cultura do Grande Bom Jardim. “Até muito recentemente, constavam cursos básicos, oficinas, espaços de formação voltadas para iniciantes — não que isso não seja importante, mas carecendo da profissionalização dos estudantes do território”, aponta.

A multiartista Stefany Mendes ressalta as “dificuldades que o equipamento sofre por ser dentro de periferia”. “(Ele está) distante do ciclo que se tem de cultura, com poucos recursos para as ações, mas mesmo assim se mantendo com sua identidade, correndo atrás para que seja possível criar através da potência já existente”, avalia.

Romário, em consonância, ressalta os obstáculos para se estruturar uma ação cultural “da periferia”, no lugar de “para” ou “na”. “Ainda é um desafio pensar uma política cultural que reúna, com qualidade, circulação, difusão e formação, que ligue a produção local, com toda sua estética específica, à produção de grande circulação. Nesse movimento, não cabe a colonização, ou seja, não interessa promover arte e cultura para a ou na periferia, mas da periferia, com todo intercâmbio e troca de saberes e fazeres”, defende.

Na semana de aniversário do CCBJ, a multiatista Stefany Mendes participou como apresentadora (Foto: Flávia Almeida / divulgação)
Foto: Flávia Almeida / divulgação Na semana de aniversário do CCBJ, a multiatista Stefany Mendes participou como apresentadora

Outro aspecto desafiador foi a adaptação das ações do centro cultural para o contexto de pandemia. Stefany fez parte da turma do curso extensivo de teatro que teve que migrar para a virtualidade e, depois, o hibridismo. Apesar das dificuldades, a artista considera que o modelo funcionou. “A produção, a equipe, a Ação Cultural, todas as escolas conseguiram se adaptar e fazer com que o público não se distanciasse tanto, criando metodologias e tecnologias de resistência”, observa.

Gestor executivo do CCBJ, Marcos Levi Nunes ressalta a “realidade pungente” da pandemia no território. “Segundo o Comitê de Combate à Covid do GBJ, nossos bairros constam entre os mais assolados pela pandemia e esse contexto ainda nos mobiliza, seja na construção de uma política cultural que esteja atenta à este fenômeno, seja pela atual demanda de tornar híbrida (virtual e presencial) nossa atividades”, explica.

Foi importante para a manutenção das atividades o aumento de recursos obtido pelo CCBJ com a mobilização social do início de 2020. “Uma das nossas maiores lutas se direciona para a ampliação dos recursos; incansavelmente batemos à porta da Secretaria da Cultura e do Instituto Dragão do Mar, pois além de boa vontade e disposição é preciso de recurso material para se fazer política pública de cultura”, assinala Romário.

“Temos uma progressão histórica do orçamento do CCBJ, com um crescimento perene ano após ano, o que nos fez sair de pouco mais de R$ 1,7 milhão em 2015 para cerca de R$ 7,7 milhões no atual ciclo (2021)”, destaca Marcos Levi Nunes. A partir do investimento crescente no equipamento, adianta, “estamos fazendo um levantamento para averiguar o impacto financeiro que a economia da cultura promovida pelo CCBJ causa no Grande Bom Jardim”.

“Apesar da resistência em meios pandêmicos e do leque de oportunidades que vem surgindo, o CCBJ ainda enfrenta alguns desafios constantes que poderiam ser melhorados”, opina o escritor e educador social Marcos de Sá, “como a ampliação da rede de equipamentos dentro do território, alcançando as pessoas que ainda moram distante, principalmente crianças e adolescentes que dependem de outros para locomoção”.

Além disso, o morador do Bom Jardim também ressalta a importância de maior suporte a instituições parceiras. “Isso depende de um investimento maior para a estrutura, infraestrutura, equipe de profissionais e recursos”, aponta.

Registro do cortejo do Maracatu Nação Bom Jardim, apoiado pelo centro cultural, com o Batuque de Mulher(Foto: Flávia Almeida / divulgação)
Foto: Flávia Almeida / divulgação Registro do cortejo do Maracatu Nação Bom Jardim, apoiado pelo centro cultural, com o Batuque de Mulher

Em diálogo, Marcos Levi destaca uma mobilização para maior integração na região. “Ainda visualizamos desafios importantes. Estamos agora em uma forte mobilização para integrar as diversas políticas e ações que acontecem no GBJ. Por meio de visitas e parcerias diretas, queremos unir ainda mais os parceiros que atuam no território”, afirma o gestor.

“Diversas vezes aconteceram paralisações nas atividades pela ausência desses recursos. (O investimento) é essencial, além do que mantém de pé o CCBJ: quem continua acreditando no potencial deste equipamento”, reforça Marcos de Sá.

Programação do final de semana

18 de Dezembro (Sábado)
14 horas - Programa de Cultura Digital: Imersão em Jogos de Mesa
Onde: Ateliê do CCBJ
17 horas - Periferia que lê: Lançamento da antologia "Somos a Periferia que Escreve"
Onde: Teatro Marcus Miranda e Biblioteca Cristina Poeta do CCBJ
18 horas - Todos os sons: Show Toryê Teixeira Elias
Onde: Praça Central do CCBJ
19h30 - Pretarau: Sarau Luar das Pretas
Onde: Praça Central do CCBJ
20h30 - Todos os sons: Bailando Roots
Onde: Praça Central do CCBJ
22 horas - Todos os sons: Boomboom Black
Onde: Praça Central do CCBJ

19 de Dezembro (Domingo)
13 horas - Projeto Ruela: Mural Lambe Lambes
Onde: YouTube do CCBJ
15 horas - Apresentação de Vídeo: Finalização do curso "Brincadeiras de Pula no Ar"
Onde: YouTube do CCBJ
15h30 - Apresentação de Vídeo: Finalização do curso "Brincadeiras de Pula no Ar"
Onde: YouTube do CCBJ
16 horas - É O Brinca Convida: Clube do Manelito
Onde: Praça Central do CCBJ
18 horas - Todos os sons: Mulher Barbada
Onde: Praça Central do CCBJ
20 horas - Todos os sons: Luiza Nobel
Onde: Praça Central do CCBJ

Mostra das Artes do CCBJ

Quando: até domingo, 19
Onde: Centro Cultural Bom Jardim (rua Três Corações, 400, Bom Jardim)
Mais infos: www.ccbj.org.br, @centroculturalbomjardim (no Instagram) e Centro Cultural Bom Jardim (no Facebook)
Entrada gratuita mediante inscrição para retirada de ingressos em www.ccbj.org.br/ingressos/
É necessário anexar passaporte da vacina (para pessoas a partir de 12 anos) e, no local, usar máscara e manter práticas de higienização

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