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130 anos da Padaria Espiritual: agremiação segue relevante e atual
Vida & Arte

130 anos da Padaria Espiritual: agremiação segue relevante e atual

Agremiação literária cearense Padaria Espiritual completa 130 anos de fundação nesta segunda-feira, 30; conheça o movimento e sua importância
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Padaria Espiritual: movimento literário surgido em maio de 1882 (Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Padaria Espiritual: movimento literário surgido em maio de 1882

Há exatos 130 anos, diretamente da Praça do Ferreira, no Centro de Fortaleza, surgiu uma agremiação que "agitaria culturalmente" a Capital cearense. Foi em 30 de maio de 1892 que jovens artistas e escritores cearenses decidiram criar o movimento denominado "Padaria Espiritual". Para reverberar o legado da singular e inovadora agremiação, o Vida&Arte repercute a importância dessa história até os dias atuais.

A Padaria Espiritual nasceu no Café Java, propriedade de Mané Coco. O café tinha estilo Art Nouveau e reunia jovens boêmios, artistas e literatos que se encontravam para debater novidades literárias da época. Os rapazes de letras e artes, encabeçados pelo poeta Antônio Sales, decidiram criar, então, uma instituição para despertar o gosto pelas letras na Capital.

Entretanto, esse não era o único objetivo. Os criadores também desejavam proporcionar um movimento de modernização e atualização das novidades "intelectuais e artísticas" de uma forma original e com veia humorística. Enquanto os grêmios fortalezenses adotavam estilo mais sério, a Padaria foi notória pela irreverência.

Os realizadores foram chamados de "padeiros" e buscavam "fornecer o pão de espírito" aos integrantes e à sociedade. Nesse caso, o "pão" seria uma metáfora para o "alimento espiritual", que representaria a inteligência. O grêmio foi fundado com 20 sócios padeiros, entre eles Ulisses Bezerra, Henrique Jorge, Lívio Barreto, Adolfo Caminha, Rodolfo Teófilo e o próprio Antônio Sales.

Foi Sales, por sinal, o responsável pelo "Programa de Instalação" da Padaria Espiritual, com artigos que apresentavam as características e o funcionamento da agremiação. "É proibido o uso de palavras estranhas à língua vernácula, sendo, porém, permitido o emprego dos neologismos do Dr. Castro Lopes", disse no 14º artigo. Esse aspecto demonstra o espírito nacionalista do grupo.

Pouco tempo depois, em 10 de julho, circulou a primeira edição do jornal "O Pão", que reunia crônicas, trechos de romances, poemas, textos inéditos e resenhas de textos literários e filosóficos. As reuniões da Padaria Espiritual eram chamadas de "fornadas" e a sede, que funcionou inicialmente na Rua Formosa - atual Barão do Rio Branco -, era intitulada "O Forno".

Como pontua o Doutor em Letras e Professor de Teoria da Literatura na UFC Charles Ribeiro, esses encontros "eram regados a aguardente e tira-gosto e muitos textos literários". "Era comum nas fornadas a leitura de produções originais e inéditas, e também de peças literárias que circulavam na imprensa nacional ou estrangeira. As reuniões funcionavam como um círculo de leitura misturado com sarau", explica.

Como elenca o professor, "a Padaria tem o mérito de, por meio do livro de poemas simbolistas 'Phantos' (1893), de Lopes Filho, ser uma das precursoras da estética simbolista no Brasil". Nela, era possível observar "uma variedade de estilos literários", como parnasianismo, romantismo, realismo e naturalismo. Segundo Charles, a primeira fase do grêmio demonstrou um "ódio aos burgueses" — que, neste caso, seriam aqueles que não demonstravam interesse pelas artes e pelas letras. Na segunda fase, houve publicações de vários livros, como "Trovas do Norte", de Antônio Sales, e "Os Brilhantes", de Rodolfo Teófilo.

Trinta anos depois da criação da Padaria Espiritual, surgiu um outro movimento de destaque: a Semana de Arte Moderna de 1922. Entretanto, de acordo com Charles, "não houve relações ou influências diretas" entre os dois. "A Padaria Espiritual não teve nenhum tipo de antecipação estética ou formal com o modernismo de 1922. No jornal O Pão e na produção literária dos 'padeiros', nada há de modernista. Eram essencialmente parnasianos, simbolistas, naturalistas e realistas", afirma.

Ele ainda acrescenta que na Padaria "não havia um desejo de ruptura com as estéticas em voga": "A relação que pode ser feita é que os dois movimentos foram encabeçados por jovens artistas e escritores que desejavam e tentaram lutar para divulgar as novidades artísticas de suas épocas, produzir livros e obras de arte. No modernismo de 1922 havia uma preocupação em ser um movimento de ruptura radical com os movimentos artísticos anteriores e com o academicismo", complementa.

A Padaria Espiritual foi encerrada em 1898, mas, mesmo com pouco tempo de vida, teve grande influência na cena literária cearense e também brasileira. Antônio Sales, por exemplo, participou do contexto de criação da Academia Brasileira de Letras (ABL). Além disso, os "padeiros" também tiveram grande relevância para a criação da Academia Cearense de Letras (ACL), fundada em 1894.

Sobre a influência da agremiação nos dias atuais, Charles Ribeiro avalia: "O legado da Padaria Espiritual para o povo cearense e brasileiro de hoje é uma luta incessante para promover a literatura e a cultura, utilizando o livro e o humor como armas contra a ignorância e o menosprezo às artes. Os próprios padeiros lutaram para democratizar a literatura e a publicação de livros em Fortaleza, com muito bom humor, mas a tarefa foi muito difícil. Eles reclamavam bastante da dificuldade de publicar livros, de lançar novos escritores e da falta de recursos e de leitores na capital". Assim, questionamentos sobre como publicar livros e ampliar o número de leitores seriam os dilemas dos padeiros reverberados até hoje, na visão do especialista.

Para "reverenciar" a Padaria Espiritual, será realizada nesta segunda-feira, 30, uma mesa redonda com Charles Pinheiro e Tiago Ribeiro, produtor do festival "A Massa" e autor do livro "Padaria Espiritual Além do Seu Tempo". Com certificação, sorteio de livros e lançamento da obra "Padaria Espiritual, Vários Olhares", o evento ocorrerá no Auditório Paulo Petrola, na Universidade Estadual do Ceará (Uece).

A mesa redonda será mediada pelo historiador Gleudson Passos e discutirá como novas linguagens poderão abordar as realizações da Padaria Espiritual. "Iremos trazer a Padaria em uma perspectiva viva e pulsante, reverberando e reverenciando esse movimento são singular na nossa cultura", pontua Tiago Ribeiro.

Na primeira edição, o festival A Massa ocorre até 11 de junho, sempre aos sábados e com programação a partir das 17 horas. O evento reúne lançamentos literários, saraus, exposição, performances e shows, além da exibição de episódios de um documentário sobre o movimento a cada sábado.

Assim, a programação do A Massa busca reforçar as repercussões da Padaria Espiritual até hoje. Tiago aponta motivos que levam a agremiação a continuar sendo lembradas: "O seu vanguardismo, sua singularidade, o lado multifacetado já naquele tempo, quebrando tabus, normas, regras impostas e indo contra uma elite vigente. Essa ironia, essa sátira e esse fato de ressaltar o que é nosso faz a Padaria ser atemporal. Que esse espírito continue a permear o presente e também o futuro".

Obras para conhecer a Padaria Espiritual

Livros

- Padaria Espiritual, de Leonardo Mota (edição de 2021, da editora Sebo Vermelho);

- Antonio Sales e sua época, de Wilson Boia, disponível no site da ACL;

- O Jornal O Pão, disponível no site da ACL;

- O Pão... da Padaria Espiritual, da pesquisadora Regina Cláudia Pamplona Fiuza;

- A breve história da Padaria Espiritual, de Sânzio de Azevedo, pela Editora da UFC;

- Padaria Espiritual: vários olhares, coletânea de artigos do Armazém da Cultura;

- Padaria Espiritual: biscoito fino e travoso, do historiador Gleudson Passos;

- É pra ler ou pra comer?, de Socorro Acioli, pela Editora Demócrito Rocha;

- Padaria Espiritual em quadrinhos, de Charles Ribeiro Pinheiro; em campanha de financiamento coletivo (clique aqui para apoiar)

Vídeos e documentários

- Arquivo Doc | Padaria Espiritual; TV Assembleia Ceará no YouTube

- Os cearenses 25 - Padaria Espiritual; Fundação Demócrito Rocha no YouTube

- A Padaria Espiritual - Documentário por Felipe Barroso; Uirá Porã no YouTube

Mesa Redonda

Quando: segunda-feira, 30, às 18h30min

Onde: Auditório Paulo Petrola (Reitoria Uece - Av. Dr. Silas Munguba, 1700 - Parangaba)

 

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