A Estação das Artes é várias em muitas: é o equipamento que conta com pavilhão de acesso, gare (pavilhão principal) e plataforma, ao passo que também é o complexo que acolhe, ainda, a Praça, a Pinacoteca do Ceará, o Mercado Gastronômico AlimentaCE, o Centro de Design e o Museu Ferroviário João Felipe. O início deste percurso remonta a 30 de março de 2022, quando o Governo do Estado entregou o Complexo Cultural Estação das Artes à população, abrindo os trabalhos com funcionamento gradual de cada parte do todo.
Para marcar o primeiro ano do espaço — que compõe a Rede Pública de Equipamentos Culturais da Secretaria da Cultura do Ceará e tem gestão em parceria com a organização social Instituto Mirante —, o Vida&Arte traça um panorama avaliativo a partir de visões da gestão, da classe cultural e do público.
A localidade de Fortaleza que passou a comportar tanta multiplicidade no último ano é velha conhecida do cearense: a antiga Estação Ferroviária João Felipe, que encontra hoje novo uso. "Ao mesmo tempo que permanece ali uma memória arquitetônica, o projeto traz uma modernização. É muito interessante essa conjugação da história com a modernidade", avalia a professora universitária e frequentadora Glícia Pontes.
A visão é ecoada pelo arquiteto Pedro Thomé, também frequentador. "A conservação do patrimônio e a adequação ao novo uso são inspiradoras", afirma. Para além do aspecto de memória, os visitantes destacam a multiplicidade de atrações — de festivais multilinguagens a atividades infantis — como ponto positivo do complexo. É o que diz a aposentada e artesã Maria Lúcia Viana, moradora do Moura Brasil, bairro vizinho ao equipamento.
"Já aproveitei várias programações, tanto exposições como festas juninas, música ao vivo… Tive o privilégio de comemorar os meus 70 anos lá", celebra. "As programações são diversas e o modelo integrado de apresentações musicais, exposições artísticas e mercado gastronômico é muito eficiente", dialoga Pedro.
Glícia, por exemplo, ressalta as várias possibilidades do espaço para a filha Teresa, de dois anos, que acessa oficinas de pintura, contações de história e apresentações de circo — "além do espaço amplo para ela correr, aproveitar", destaca.
Isso é fruto natural do acúmulo de vocações que o espaço guarda. "Cada equipamento que compõe o Complexo conta com uma direção e uma equipe a ela vinculada. Neste sentido, pode-se dizer que funcionam de forma independente, guiados cada um por uma vocação — seja ela memória, gastronomia, design ou artes visuais —, mas conversam de forma permanente entre si na proposição de uma programação diversa e acessível para todos os públicos", resume Uliana Lima, diretora da Estação das Artes.
Para artistas e produtores, o complexo também desponta como palco possível no Estado. O cantor e compositor Zéis, por exemplo, já se apresentou nos festivais Ecléticos e Travessias — o primeiro da produtora WM Cultural e que ocupou o espaço, enquanto o segundo foi iniciativa da própria Estação —, além de acompanhar a programação como público.
"É legal esse formato de festival porque acabei encontrando outros artistas e o público também se diversificou um pouco, foi interessante a experiência. De modo geral, acompanho a programação, eventualmente vou, e é bem interessante a diversificação", avalia.
Produtora cultural da Mercúrio Produção, Nádia Sousa realizou na Estação o festival multilinguagens Barulhinho Delas. Em termos práticos, ela aponta problemas de acústica. "Acredito que a Estação não foi pensada para ter uma ocupação de shows e por isso as apresentações musicais ficam devendo um pouco em relação à acústica do ambiente. Se a ideia é continuar fazendo shows, (se deve) repensar uma sonorização mais adequada", afirma.
Apesar das questões, a experiência é majoritariamente positiva. "A Estação já criou certa demanda no que diz respeito à programação e isso é muito bom para a Cidade, porque a gente precisa ocupar o Centro. Por ter diversidade grande de programação, acaba atraindo para aquele lado da Cidade públicos diversos", elabora a produtora. "Algumas coisas poderiam ser aprimoradas, e aí não diz respeito somente à Estação, como a criação de um corredor cultural entre os equipamentos artísticos que a gente tem no Centro. Poderia ser muito bacana para a Cidade", sugere.
Avançando no debate, Zéis torce por continuidade. "O que penso a longo prazo é um cuidado para que não aconteça o que acontece com outros equipamentos, que ganham muito investimento, dedicação, e com o tempo abre outro e o antigo fica meio escanteado. Tomara que não aconteça com a Estação também", avalia o artista.
Para Uliana, as possibilidades de ocupação do equipamento pelo público — "seja andando de skate e patins na praça, registrando em fotos e vídeos a arquitetura do complexo, visitando as exposições e curtindo a agenda cultural proposta" — reforçam o lugar conquistado pelo complexo: "O Centro de Fortaleza ganhou uma programação estabelecida nas manhãs de domingo, novos movimentos nas tardes de sábado e diferentes sons nas noites de sexta".
Próximos desafios e movimentos incluem, adianta a gestora, o fortalecimento de conexões do equipamento. "Propõe-se daqui para frente a consolidação da Estação das Artes como equipamento de referência para o público de Fortaleza. No projeto de longo prazo, a ampliação do alcance para o Estado do Ceará e para o Brasil, e ainda a atuação como equipamento polo de desenvolvimento social e cultural do Centro da capital cearense", elenca.
Quando: de quinta a domingo, em horários variados
Onde: rua Dr. João Moreira, 540, Centro
Gratuito
Mais informações: @estacaodasartes.ce
O processo de abertura gradual dos equipamentos do complexo foi acompanhado de um processo também gradual de funcionamento, que foi sendo ampliado com o tempo: de programações somente nas manhãs de domingo a atividades de quinta a domingo. A demanda do público, porém, segue por mais horários e dias. Além disso, limitações de acesso e subutilização da Praça da Estação também são ressaltados por frequentadores.
"Ao longo deste primeiro ano de implementação, o interesse social nas nossas atividades, acompanhado da inauguração dos demais equipamentos do Complexo, proporcionaram a ampliação do funcionamento, sempre com atividades gratuitas e abertas ao público", relata a gestora Uliana Lima.
"Deveria ser (mais) aberto para visitação, já que agora há o Museu Ferroviário, as exposições", avalia a artesã Maria Lúcia Viana — que também cita falta de estacionamento próximo ao equipamento. "Poderia ter uma ampliação de funcionamento, em termos de horário. Ainda está reduzido", ecoa a professora universitária Glícia Pontes.
Uliana adianta que os equipamentos estão "realizando estudo e planejamento das atividades que guiarão o novo ano", e, depois, serão divulgados os horários de 2023.
O arquiteto Pedro Thomé reconhece problemas no acesso. "Algumas vezes não consegui entrar, dada a limitação da capacidade interna, o que é um pouco frustrante", relata. "Em casos onde a programação tem procura maior que a capacidade, talvez o formato pudesse se adaptar a também englobar a Praça da Estação, ou rever a dimensão das áreas de mesa do mercado gastronômico", sugere.
A praça, hoje, recebe o programa "Som na Praça" — com programações como shows instrumentais e apresentações de grupos tradicionais — e o Ocupa Naca, do Núcleo de Ações Comunitárias e Afirmativas (N.A.C.A) do Instituto Mirante — que promove aulas abertas e bailes visando fortalecer grupos e iniciativas das periferias. "O intuito é aproximar o público passante dos espaços culturais, oferecendo novas dinâmicas de sociabilização, valorizando a troca de experiências e estimulando a curiosidade e a criatividade", aponta Uliana.
Além das questões práticas, há também diagnósticos de falta de compreensão plena do equipamento. "A Cidade conhece muito pouco do projeto do equipamento. A gente fala (sobre) para muitas pessoas, mas elas não têm noção ainda de que pode entrar, é aberto e não paga nada. Isso distancia", compartilha Glícia.
"As pessoas ainda acham que é uma coisa restrita, não sabem como é o esquema de entrada, então acho que ainda falta uma divulgação que amplie mais o acesso. Ainda dá sensação de que é um lugar fechado, às vezes não aparenta que é público. É um projeto que tem muito potencial e que acho que poderia estar mais com portas abertas, para as pessoas entenderem que ele é parte da Cidade", avança a professora.
"Por uma questão logística e para garantir a segurança, o conforto e a infraestrutura adequada para o público, algumas festas ainda são realizadas dentro do equipamento, mas fazemos avaliações e estudos permanentes no sentido de garantir a acessibilidade dos eventos para o maior número de pessoas", informa Uliana.
As "diferentes estratégias" de acesso, da entrega de pulseiras no momento do evento à distribuição antecipada e digital de ingressos, foram tomadas com intuito de "sempre garantir a melhor experiência possível para o público, o que envolve alguns fatores como conforto, segurança, além da fluidez no serviço do Mercado AlimentaCE".
"Por se tratar de um espaço tombado na esfera estadual e também inscrito na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário do Iphan, há uma série de cuidados a serem tomados, especialmente no que diz respeito ao quantitativo de público e às normas reguladoras em eventos realizados em locais semiabertos", segue a gestora.
A avaliação da gestão sobre o acesso ao equipamento é positiva. "A limitação ocorre apenas em eventos pontuais, visando o bem-estar dos visitantes e a preservação da edificação. A avaliação permanente é uma pauta fundamental para Secult e Mirante e os fluxos serão revistos sempre que necessário para o aprimoramento constante do serviço público", afirma.
Vizinho à Estação das Artes está o bairro Moura Brasil. A relação de equipamentos culturais com comunidades nos arredores é uma questão central para as políticas públicas do setor, como lembra o cantor e compositor Zéis. "Quando esses espaços aparecem eles tendem a não serem realmente abertos, por mais que seja uma programação gratuita, às pessoas do entorno, que acabam não necessariamente se relacionando muito com o espaço e isso é uma preocupação que todo equipamento dessa natureza tem que ter", aponta.
Moradora referência do Moura Brasil, a aposentada e artesã Maria Lúcia Viana, de 70 anos, atesta: "Há uma boa relação, muitos moradores frequentam", além de "alguns funcionários terceirizados que moram no bairro".
"Os diálogos com a comunidade do Moura Brasil são um princípio básico da atuação do Complexo Cultural Estação das Artes", aponta a gestora Uliana Lima. Ela cita como formas de aproximação as contratações de moradores da comunidade pelo equipamento e a participação de empreendedores locais na feira gastronômica e nos restaurantes da ocupação temporária do Mercado AlimentaCE (TacoBurgers e DM Pratinho), além de parcerias com o Sistema Fecomércio e com o Núcleo de Ações Comunitárias e Afirmativas (N.A.C.A), do Instituto Mirante.
O núcleo, explica Uliana, busca integrar as equipes do Instituto e dos equipamentos culturais geridos por ele aos territórios que ocupam, com elaboração, pactuação e execução do chamado Plano de Articulação Comunitária e Afirmativa. Entre os projetos do N.A.C.A. vinculados ao Moura Brasil, estão o Repartir, rede de articulação entre a gestão do Instituto Mirante e lideranças do Moura Brasil e adjacências; o C.R.I.A., ação de difusão cultural; e o Mapeamento Afetivo Moura Brasil, projeto de pesquisa construído por jovens do bairro que receberam bolsa-auxílio para mapear patrimônios materiais e imateriais da comunidade.
Desde antes da inauguração do Complexo Cultural Estação das Artes, os anúncios do Governo do Estado davam conta que o espaço acolheria diferentes equipamentos e até instituições. Em textos institucionais da gestão, eram listados como pertencentes ao complexo a Pinacoteca do Ceará, o Centro de Design, a Estação das Artes, o Mercado AlimentaCE, o Museu Ferroviário e, ainda, as novas sedes da Secretaria da Cultura do Estado e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Ceará. Do planejamento inicial, somente as sedes da Secult e do Iphan ainda não foram implantadas.
O funcionamento de cada equipamento, conforme anunciado à época, seria "gradual". As atividades de todos foram iniciadas antes do primeiro aniversário. De partida, a Estação das Artes e o Mercado AlimentaCE foram os primeiros a ter ações.
Na sequência, o Centro de Design começou programações pontuais, com abertura oficial em dezembro — semanas após a entrega da Pinacoteca, no início daquele mês. No final de janeiro deste ano, abriu o Museu Ferroviário João Felipe.
"A abertura gradual se deu de forma estratégica, levando em consideração o protagonismo de cada equipamento, de acordo com a entrega da infraestrutura necessária para o funcionamento", contextualiza Uliana Lima, diretora da Estação das Artes.
"À medida que o cronograma de restauro e modernização da centenária edificação avançou, foi possível dar um novo passo nas inaugurações, oferecendo mais atividades culturais gratuitas para a população", complementa. "Vale destacar que esse processo também foi e segue sendo orientado a partir de um diálogo com a sociedade, que nos mostra, cotidianamente, a que veio o Complexo Cultural", avança.
A mudança das sedes da Secult e do Iphan para o espaço segue em aberto, mas, conforme informou ao Vida&Arte a secretaria, a pasta está "trabalhando para viabilizar" o movimento.
"As obras das subestações já estão em fase de finalização, em seguida será realizada a ligação de energia. Após concluídas essas etapas, serão feitos os últimos ajustes, como a aquisição de materiais que possibilitem o uso do prédio. Sobre a área onde será a sede do Iphan, também está em fase de finalização e a Secult está em tratativas com o Instituto para definição do plano de ação para a mudança", afirma a nota.
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