Uma brincadeira da bióloga cearense Cecília Licarião, 32 anos, correspondida pela BBB paraibana Juliette Freire, 31, pode ajudar um importante projeto de conservação das aves da Ilha de Fernando de Noronha. Ao postar no perfil @avesdenoronha, no Instagram, marcar a conta da BBB e escrever que a fêmea do passarinho sebito (Vireo gracilirostris) se parecia com celebridade, a pesquisadora conseguiu visibilidade para uma espécie que corre risco de extinção e para outras aves do arquipélago.
Mesmo já tendo nome popular e científico, o sebito fêmea ou juruviara-de-noronha foi “batizado”, informalmente, com o nome de Juliette. “Sabe por que batizamos essa passarinha de Ju? Na hora que a gente capturou para colocar a anilha de identificação, a passarinha não deixou barato e ficou bem arretada. Mas vai me dizer se as duas não se parecem? Elas, inclusive, usam o mesmo delineador”, escreveu a Cecília Licarião.
A assessoria da sister Juliette gostou do batismo, agradeceu a vinculação com a causa ambiental e compartilhou a publicação do Projeto Aves de Noronha. A advogada e maquiadora, que está confinada com os dez jogadores restantes da 21ª edição do reality show da Globo, tem mais de 21 milhões de seguidores no Instagram.
“Muito massa isso!!! Queremos que os cactos leiam esse fio inteiro e ajudem se puderem”, respondeu quem cuida da imagem de Juliette Freire. “Manda um beijo pra Cecília (Licarião, diretora do Projeto Aves de Noronha) e agradece a ela pela homenagem”, completou a assessoria pelo Twitter da garota.
Mas quem é e quais os hábitos da ave que se pareceria com Juliette na personalidade e alguns traços físicos (olhos pequenos e boca – bico - miúda)? E como o Projeto Aves de Noronha está ajudando a conter a possibilidade de desaparecimento do passarinho que só existe em um bioma no meio do Atlântico, no território de Pernambuco?
O sebito é uma ave endêmica da maior ilha do arquipélago, de 26 km². “Das 75 espécies de aves de Noronha, duas só existem lá e em nenhum outro lugar do mundo”, explica Cecília Licarião. “Elas estão ameaçadas e correm o risco de desaparecer do planeta. É a cocoruta (Eleania ridleyana) e o sebito (Vireo gracilirostris), espécie da nossa Juliette noronher”, informa a bióloga.
A ave, de cor verde-acinzentado, que mede cerca de 15 cm, foi descrita pela primeira vez em 1890 pelo naturalista Louis Pierre Vieillot. Um ornitólogo francês que peregrinou pelo que conhecemos hoje de Nordeste do Brasil. De lá pra cá, a ilha de Fernando Noronha foi antropizada de maneira insustentável e o passarinho perdeu espaço.
Mesmo com as restrições de acesso e permanência de quem habita a ilha ou quem vai fazer turismo, o arquipélago ainda sofre com a ausência de um planejamento urbano rigoroso. Há desorganização urbana, déficit habitacional e disputa pela ocupação de vazios urbanos que ameaçam os 65% solos naturais e ecossistemas fragilizados.
De acordo com a lista de Aves Ameaçadas no Brasil, do Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade, e do site do Wikiaves, uma plataforma colaborativa de registro de aves silvestres do Brasil, o sebito “está ameaçado pela perda/degradação de habitat, introdução de espécies exóticas e pelo turismo. Estima-se que sua população esteja em torno de 1.000 indivíduos”.
Na ilha, o sebito se alimenta de pequenas aranhas, centopeias, lagartas, larvas e outros insetos. Segundo o portal do ICMbio, a ave é uma predadora importante da cochonilha. Uma praga da agricultura, comum em Fernando de Noronha. Seu desaparecimento implicaria em mais desequilíbrio ambiental.
Entre março e abril deste ano, Cecília Licarião e o biólogo e fotógrafo Heideger Nascimento, estiveram em Fernando de Noronha para anilhar indivíduos ainda resistentes que disputam o bioma insular com moradores e forasteiros.
“O anilhamento serve para monitorar as espécies de aves ameaçadas ao longo dos anos. Com a ajuda dos moradores locais e de turistas, toda vez que uma ave usando anilha for avistada, o observador faz um registro indicando onde ela estava e o que ela estava fazendo. O nome disso é Ciência Cidadã e é uma das melhores maneiras da gente saber o que está acontecendo com a espécie e como traçar estratégias efetivas de Conservação”, ensina Licarião.
Além do Sebito e da Cocoruta, a pardela-de-asa-larga (Puffinus lherminieri) também corre o risco de ser extinta em Fernando de Noronha.
Popularizar a ciência. Eis uma das razões da bióloga cearense Cecília Licarião, 32, quando resolveu postar que a fêmea do sebito (Vireo gracilirostris) tinha uma aparência com a BBB paraibana Juliette Freire, 31. Deu certo. Em um dia, com a repostagem das redes sociais de Juliette, o perfil @avesdenoronha, no Instagram, recebeu mais de mil seguidores e doações para o projeto que existe desde 2016 no arquipélago de Fernando de Noronha. Acompanhe a seguir uma conversa com a bióloga, mestre em Ecologia pela UFC, que já atuou no Parque Estadual do Cocó, no Ceará.
O POVO – Quando surgiu a pesquisa?
Cecília Licarião – A ideia do Aves de Noronha veio em 2016, quando eu e a bióloga Ariane Gouvea nos conhecemos na ilha. Na ocasião, eu tocava o mestrado em Ecologia pela Universidade Federal do Ceara (UFC) com as espécies endêmicas da ilha, o sebito (Vireo gracilirostris) e a cocoruto (Elaine ridleyana). A Ariane ainda cursava o doutorado pela Universidade de São Paulo (USP) e fazia trabalho voluntário como pesquisadora na ilha. Movidas pelo incomodo da falta de percepção em relação as aves pelos moradores da ilha e turistas, resolvemos criar um material informativo e, ao mesmo tempo, que chamasse atenção para a maior diversidade de aves marinhas do Brasil.
O POVO – O que já rendeu para ilha?
Cecília Licarião – O projeto já capacitou 50% dos guias locais para a atividade de observação de aves. Levou mais de 300 pessoas para observar aves. Levou educação ambiental para a escola e a creche. E produz ciência. Hoje, o foco das pesquisas são as espécies ameaçadas de extinção na ilha. As endêmicas sebito (Vireo gracilirostris) e a cocoruto (Elaine ridleyana). E as marinhas, rabo-de-junco-de-bico-amarelo (Phaethon lepthurus), rabo-de-junco-de-bico-vermelho (Phaethon aetherus), atobá-de-pé-vermelho (Sula sula) e pardela-de-asa-larga (Puffinus lherminieri). A última, criticamente amaçada de extinção e que no Brasil, ocorre apenas em Noronha.
O POVO – Como o projeto se banca?
Cecília Licarião – Em 2018, teve o primeiro financiamento com a SOS Mata Atlântica. Financiou o projeto por um ano, recurso suficiente para fazer um miniguia, o passaporte de passarinhada, o curso de observação de aves para guias de turismo local, as palestras para turistas e atividades lúdicas para escola e para a creche. Foram as atividades desenvolvidas ao longo desses 12 meses. Em 2019, o projeto foi abraçado pelo Instituto Espaço Silvestre, uma ONG que atua há mais de 10 anos com conservação. Hoje, somos Espaço Silvestre e isso proporcionou que tivéssemos mais apoio e articulação em diversas frentes. Em 2020, veio o segundo financiamento, agora de uma instituição irlandesa - a Naji Foundation.
O POVO – Vocês estão tocando um Guia de Aves de Noronha?
Cecília Licarião – Sim. Paralelo ao apoio da Naji Foundation, temos uma loja com produtos (blusa, canecas, bonés e outros artigos) para levantar fundos. Há também uma vaquinha online aberta para a produção de um Guia de Aves de Noronha que terá toda a verba das vendas revertida para o projeto. O link da vaquinha é https://www.vakinha.com.br/vaquinha/guia-aves-de-noronha e o da loja virtual é https://www.avesdenoronha.com/.
O POVO – E por que “batizar” a fêmea do sebito de Juliette?
Cecília Licarião – A ideia é popularizar a ciência, fazê-la entrar onde as portas não estão abertas. Nessa campanha, anilhamos 51 aves. Batizamos várias delas com nomes de pesquisadores importantes na história da conservação e pessoas importantes na ilha. Aí veio a ideia, por que não fazer uma brincadeira com o BBB21? Um programa que alcança pessoas que geralmente os projetos de conservação não alcançam. Como nossa torcida é declarada para Juliette, por ser mulher, nordestina e batalhadora, resolvemos fazer essa brincadeira que deu muito certo. Conseguimos mais de 1K de seguidores em menos de 24 horas, além de mais de mil reais em doação para a vaquinha do Guia de Aves de Noronha. Deu certo. Furamos bolhas importantes e, agora, o projeto está dando o que falar. É isso que precisamos, mais e mais pessoas conhecendo e apoiando o trabalho. Nosso agradecimento em especial a Ana Clara Marinho, autora do blog Viver Noronha que deu o ponta pé inicial em toda a história que hoje ganha espaço no País todo.