Cinco anos depois, Emmanuel Macron e Marine Le Pen voltam a disputar os votos do eleitorado francês, que no próximo domingo, 24, irá às urnas escolher quem vai ficar no Palácio Eliseu pela próxima meia década. Diferente de 2017, quando venceu por margem confortável (66% x 34%), o candidato de centro terá vida mais difícil nesta eleição, embora as pesquisas projetem a reeleição de Macron com cerca de 56% contra 44% da postulante de extrema-direita.
Os dois candidatos têm pontos de vista antagônicos sobre a França e o papel dela na Europa. E não há exagero em afirmar que a escolha do próximo ou da próxima presidente está atrelada ao futuro que a União Europeia (UE) terá daqui para frente. Macron tenta se consolidar como liderança mais proeminente do bloco após o Brexit, em janeiro de 2020, e a aposentadoria de Angela Merkel como chanceler da Alemanha, no fim do ano passado.
Le Pen, por sua vez, pode ascender ao poder na França exatamente no momento em que a UE atravessa este momento de entressafra de nomes que tenham capital político e influência suficientes para conduzir a Europa em um período de instabilidade como o atual. O que seria uma “tempestade perfeita” para que ela ponha em prática o discurso nacionalista e eurocético que sempre apregoou e que, em um cenário extremo, poderia “virar o bloco de cabeça para baixo”, como ela própria já disse em entrevista.
Essa disparidade de visões para a União Europeia duela no momento de maior instabilidade do continente desde a Segunda Guerra Mundial. A Guerra na Ucrânia leva à França e ao bloco como um todo uma série de incertezas econômicas (inflação e dependência do gás russo); sociais (imigração e refugiados em larga escala); e políticos (postura da UE em relação a Vladimir Putin).
No 1º turno, a candidata do Reagrupamento Nacional (RN) moderou o discurso em relação a 2017, deixando um pouco mais de lado as pautas de costumes e imigração, passando a focar nos problemas econômicos reais, que pesam no bolso dos franceses como a alta no custo de vida da população.
Macron tem como trunfo a chamada “Frente Republicana” contra Le Pen, formada pela maior parte dos candidatos que perderam no 1º turno e rejeitam a ideia de ver a candidata de extrema-direita no poder. O presidente aposta ainda na recuperação econômica francesa após o período mais crítico da pandemia e na capacidade de se mostrar uma liderança estável, predicado que momentos de incerteza como o atual costumam exigir.
Confira a seguir os perfis dos dois candidatos que querem governar a França até 2027 e ditar o futuro da União Europeia pelos próximos anos.
Desde que chegou ao poder em 2017, o presidente francês, Emmanuel Macron, enfrentou duros protestos contra suas reformas e uma pandemia global, com a mesma determinação com a qual agora opta pela reeleição em meio à Guerra na Ucrânia. Com 27,84% dos votos no primeiro turno, Macron carimbou o passaporte para o segundo turno no próximo domingo, 24, quando voltará a enfrentar a ultradireitista Marine Le Pen (23,15%).
Meses antes de chegar ao Eliseu, Macron já avisara que seria um "presidente jupiterino", expressão que, segundo o dicionário Larousse, evoca o "caráter dominador e autoritário" do deus romano Júpiter. E não decepcionou.
A crise dos "coletes amarelos" foi seu expoente máximo. Deflagrado em 2018 pelo aumento dos preços dos combustíveis, este protesto se espalhou por toda França para denunciar as medidas deste ex-banqueiro contra as classes populares.
A manifestação sustentou sua imagem de "presidente dos ricos" e desconectado da realidade, conquistada e reforçada com frases polêmicas. Entre elas, quando Macron disse que nas estações de trem "você encontra pessoas que fizeram sucesso e pessoas que não são nada".
"Acho que cheguei [ao poder] com uma vitalidade que espero continuar tendo e com vontade de sacudir" o sistema, justificou-se em dezembro de 2021, durante uma entrevista sobre seu mandato, na qual reconheceu "erros". A partir de 2020, a pandemia de coronavírus pôs fim a estes protestos em uma nova França de confinamentos e de máscaras e promoveu o perfil mais "jupiterino" de Macron: "Estamos em guerra" contra a Covid-19, destacou então.
Sua gestão pessoal da pior crise desde a Segunda Guerra Mundial rendeu-lhe ataques da oposição e, apesar da resistência inicial da população, soube ganhar sua confiança e impôs medidas polêmicas, como o passaporte sanitário.
"As crises exigem uma hiperpresidencialização. Nesses momentos, Macron está como um peixe na água, ao contrário de quando o mar está calmo, analisou, recentemente, a jornalista Corinne Lhaïk no jornal L'Opinion.
A atual ofensiva russa na Ucrânia representa mais uma crise que trouxe à tona a hiperliderança do presidente centrista que, apesar de fracassar em sua tentativa de evitar a guerra, viu suas intenções de voto avançarem nas pesquisas. Contudo, o avanço de Marine Le Pen - sua principal rival em 2017 - ameaça uma reeleição que parecia garantida, em plena polêmica sobre o uso maciço de consultorias por parte do governo.
"Desde o Brexit, passando por tantas eleições, o que parecia improvável aconteceu, assim que lhes digo com muita ênfase esta noite que nada é impossível", alertou Macron durante comício logo após o primeiro turno, convocando uma "mobilização geral".
Este jovem político era pouco conhecido até sua nomeação como ministro da Economia em 2014 pelo então presidente francês, François Hollande, depois de ser seu conselheiro econômico. Três anos depois, Emmanuel Macron, nascido em 1977 em Amiens (norte) em uma família de classe média, tornou-se o mais jovem presidente eleito da França, aos 39 anos, ao final de uma ascensão de um homem com pressa.
Em 1995, graduou-se com honras no prestigioso Lycée parisiense Henry IV, onde obteve posteriormente o título de mestre em Filosofia. Durante seus anos de faculdade, trabalhou como assistente editorial do renomado filósofo francês Paul Ricoeur.
Nos seus tempos de estudante já era "brilhante e carismático", "um bom orador", "com um perfil à la Barack Obama", disse em 2016 Julien Aubert, seu colega na Escola Nacional de Administração (ENA), o antigo centro de formação das elites.
Naquela altura, já havia encontrado o amor de sua vida. Aos 16 anos, apaixonou-se por sua professora de teatro Brigitte Trogneux, 24 anos mais velha e mãe de três filhos, uma história de amor atípica que cativou a imprensa. Trogneux era casada e tinha três filhos, mas se divorciou. O casal que quebrou tabus se casou em 2007.
Se for eleito, o líder europeísta terá de completar seu ambicioso programa de reformas interrompido pela pandemia, em linha com o que é recomendado pela Comissão Europeia para estabilizar sua economia.
Entre suas promessas para transformar a França, estão o "renascimento" da energia nuclear, alcançar a neutralidade de carbono até 2050 e aumentar a idade de aposentadoria para 65 anos, uma reforma que já gerou protestos multitudinários em 2019 e 2020 e que Macron já admitiu rever para atrair o eleitor mais à esquerda. (com AFP)
Com discurso focado no poder aquisitivo e uma imagem levemente moderada em comparação ao também radical Éric Zemmour, Marine Le Pen poderia realizar o sonho de décadas da extrema-direita: chegar à presidência da França. "Nunca estive tão perto da vitória", assinalou no fim de março a candidata da antiga Frente Nacional (rebatizada de Reagrupamento Nacional), de 53 anos, e que perdeu em 2017 no segundo turno para Emmanuel Macron com 33,9% de votos.
No entanto, em seu terceiro pleito, ela finalmente pode sair vencedora. Le Pen passou para o segundo turno com 23,15%, atrás de Macron (27,84%). De acordo com as últimas pesquisas, a vantagem do presidente no segundo turno de 24 de abril oscila entre 6 e 8 pontos.
Caso consiga as chaves do Palácio do Eliseu, esta advogada de formação coroaria com sucesso sua estratégia de apagar a imagem extremista do partido desde que tomou as rédeas da legenda fundada por seu pai em 2011.
Jean-Marie Le Pen, um negacionista do Holocausto, já havia conseguido o feito de disputar o segundo turno em 2002, quando perdeu com quase 18% dos votos contra o conservador Jacques Chirac, mas com a imagem de partido racista, antissemita e nostálgico da Argélia colonial.
Após assumir o comando do partido, Marine Le Pen foi afastando os membros de destaque desses setores, inclusive o próprio pai, enquanto outros cerraram fileiras com seu rival Éric Zemmour.
"A mera presença de Éric Zemmour, que é visto como mais radical do que ela, tanto no conteúdo como na forma, reposicionou mecanicamente a imagem de Le Pen", tuitou recentemente Mathieu Gallard, analista da Ipsos France. A candidata do Reagrupamento Reunião Nacional também tem se esforçado em suavizar sua imagem para deixar para trás o acalorado tête-à-tête com Macron de 2017, no qual foi criticada por sua "agressividade" e "sua falta de preparação".
Le Pen "se faz de simpática e se aproveita disso. E, além disso, estamos acostumados com os extremos", analisou o ministro da Agricultura, Julien Denormandie, sobre o crescimento da candidata rival em sua terceira eleição presidencial.
A política nascida em 5 de agosto de 1968 em Neuilly-sur-Seine, uma cidade confortável a oeste de Paris, visita feiras, sobe em tratores e dá entrevistas íntimas para se diferenciar de Macron, que é visto como "arrogante". Nas entrevistas, costuma se apresentar como uma agricultora, criadora de gatos, em uma tentativa de normalizar sua imagem e solapar a "frente republicana" de partidos contra si, segundo um relatório da Fundação Jean-Jaurès.
Apenas um de cada dois eleitores consideram agora Le Pen como "perturbadora", enquanto 46% estimam que ela "entende bem os problemas das pessoas", à frente de Macron (27%), segundo uma pesquisa recente da Harris Interactive.
Em sua campanha, Le Pen tem focado nas críticas ao aumento dos preços da energia, em um contexto de temor sobre a perda do poder aquisitivo, e em garantir que não aumentará a idade de aposentadoria para 65 anos como propõe Macron, mas para 62. No entanto, "seu programa pouco mudou em relação aos fundamentos da Frente Nacional, como a imigração e a identidade nacional", explica Cécile Alduy, professora da Universidade de Standford, nos EUA.
Seus planos passam por reduzir a migração e combater a "ideologia islamista": reservar as ajudas sociais aos franceses, acabar com a reagrupamento familiar e a proibição do véu nos espaços públicos, entre outras propostas. "Mas escolheu um vocabulário diferente para justificá-lo: em nome do laicismo e dos valores republicanos e, até mesmo, do feminismo", acrescentou Alduy, especialista no discurso de extrema-direita.
Vestida com roupas claras e com um sorriso no rosto, Le Pen escolheu se apresentar como a candidata da "paz civil" e da "unidade nacional", e busca "fazer com que as pessoas se esqueçam de quão rigoroso é seu programa", segundo Fundação Jean-Jaurès.
Marine Le Pen, conhecida por sua personalidade forte, se apresenta como uma "mulher moderna" e solteira. Esta mãe de três filhos se divorciou duas vezes, se separou de seu último companheiro e vive com uma amiga de infância a quem acolheu. (com AFP)