A pauta ambiental será uma das prioridades do terceiro mandato do presidente Lula Inácio da Silva (PT), após ser entregue pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com recordes de desmatamento, desmonte de órgãos fiscalizadores e paralisação de diversas instituições e secretarias.
Novamente liderado pela ambientalista e política Marina Silva (Rede), o agora Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima (MMA) terá o desafio de recolocar o Brasil no mapa da seriedade ambiental. A tarefa é complexa, pois implica reconstruir toda a pasta com orçamento definido pelo antecessor e promover a transversalidade com outros ministérios.
O relatório final do Gabinete de Transição Governamental definiu os principais pontos a serem abordados pelo novo mandato, destacando o combate ao desmatamento, a reconstrução de órgãos fiscalizadores e a retomada do Brasil como liderança ambiental e como país competitivo.
O cientista do clima Alexandre Costa, integrante do grupo de trabalho de Meio Ambiente da equipe de transição e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), afirma que os ambientalistas veem a presença de Marina e as promessas de Lula com otimismo. Especialmente porque o Brasil tem uma chance “perfeitamente factível” de cortar emissões de gases de efeito estufa e de aplicar o Código Florestal.
O desmatamento da Amazônia é a primeira preocupação do novo governo. “Houve aumento de 60% do desmatamento na Amazônia durante o governo Bolsonaro, a maior alta percentual que já ocorreu em um mandato presidencial, desde o início das medições por satélite, em 1988”, destaca o relatório de transição.
O Brasil é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa (GEE) do mundo, cerca de 2,4 bilhões de toneladas de CO2 equivalente, com metade da taxa impulsionada pelas mudanças do uso da terra. Ao zerar a destruição dos biomas, afirma Alexandre, o País seria capaz de cortar cerca de 50% as emissões e alcançar os objetivos da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Até a próxima década, afirma o professor, fala-se em 70% a 80% de redução.
“O protagonismo da Marina é algo único e as lideranças indígenas também iluminam muito a chance real que nós temos”, destaca. Afinal, o próprio Ministério dos Povos Indígenas, liderado por Sônia Guajajara (Psol), terá uma Secretaria de Gestão Ambiental e Territorial Indígena, com departamentos de Justiça Climática e de Gestão Ambiental, Territorial e Promoção ao Bem Viver Indígena.
Mas para além da Amazônia, o combate ao desmatamento deverá envolver os outros biomas, principalmente o Cerrado. O bioma corta o centro do Brasil com área de dois milhões de quilômetros quadrados (km²), sendo responsável pela regulação climática e a manutenção das bacias hidrográficas nacionais, serviços ameaçados pela expansão da fronteira agrícola.
- Decreto com retorno do Fundo Amazônia
- Despacho de retorno do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)
- Decreto de revogação do Programa de Apoio à Mineração Artesanal e de Pequena Escala
- Decreto de retomada do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA)
Enfrentar o desmatamento implica retomar projetos e reestruturar todo o organograma da pasta ambiental. Logo no primeiro dia de mandato, o presidente Lula assinou decreto restabelecendo o Fundo Amazônia, que estava congelado desde agosto de 2019 por Bolsonaro, paralisando mais de R$ 3,3 bilhões.
Após a posse de Lula, a principal doadora Noruega reativou as contribuições ao fundo, assim como a Alemanha. O Reino Unido estuda a possibilidade de ingressar na iniciativa de combate ao desmatamento.
O relatório de transição também deu conta de que apenas 0,06% do orçamento previsto para políticas públicas do MMA em 2022 foi utilizado. Ou seja, somente R$ 3 bilhões de R$ 4,6 trilhões.
O valor ínfimo reflete também o desmantelamento de profissionais dentro das estruturas do ministério e dos órgãos vinculados. “O quadro de servidores do Ibama, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e MMA encontra-se com 2.103 cargos existentes vagos”, pontua o relatório. “Enquanto o Ibama tinha 1.800 servidores atuando na fiscalização ambiental em 2008, agora são apenas cerca de 700, nem todos em campo.”
Sem pessoal, o combate ao desmatamento é praticamente impossível. Por isso, um dos desafios de Marina será retomar os concursos e recolocar fiscais em campo. Como as ações para coibir as atividades ilegais envolvem a Polícia Federal e outros órgãos de repressão, também será necessário garantir a retomada deles no esquema. “O pessoal do Ibama e da Funai estavam expostos a toda sorte e riscos de vida durante o governo Bolsonaro”, comenta Alexandre.
Outro aspecto crucial para a fiscalização ambiental é o retorno do Cadastro Ambiental Rural (CAR) ao MMA. O cadastro tinha sido transferido para o Ministério da Agricultura e Pecuária no começo do governo Bolsonaro e, desde então, somente 0,4% do CAR foi validado.
Criado pela Lei nº 12.651/2012, o Cadastro Ambiental Rural é um registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais referentes às Áreas de Preservação Permanente (APP), de uso restrito, de Reserva Legal, de remanescentes de florestas e demais formas de vegetação nativa, e das áreas consolidadas, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.
Com o retorno do CAR ao MMA, os ambientalistas esperam celeridade nas validações e, finalmente, o uso do mecanismo para cruzamento de dados com as bases de Unidades de Conservação e de territórios indígenas para identificação de áreas ilegalmente ocupadas.
Nesse sentido, em discurso na cerimônia de transmissão de cargo no dia 4 de janeiro, a ministra Marina Silva anunciou a criação da Secretaria Extraordinária de Controle de Desmatamento e Ordenamento Rural e Fundiário.
“A secretaria vai ser extraordinária porque quando alcançarmos a meta de desmatamento zero, a destinação das áreas para terras indígenas e a produção sustentável, não precisa mais ter a secretaria. Então esse secretário sabe que a taxa de sucesso dele será medida no dia que o presidente Lula extinguir a secretaria. E todos nós vamos trabalhar para que ele perca esse emprego”, brincou a ministra durante o evento.
No final do relatório, a equipe de transição menciona a economia de baixo carbono como uma vantagem competitiva para o País, dando “condições de gerar negócios, produtos e serviços com menores emissões de carbono, além de oferecer soluções para as necessidades de mitigação e adaptação às mudanças climáticas”.
O cientista do clima Alexandre Costa comenta que o termo é muito genérico e pode ser usado por grandes corporações para fazer publicidade verde mentirosa, já que abrange a compensação (mal feita) de carbono, a precificação da natureza e a implementação de grandes parques eólicos e solares sem zelo pelas comunidades locais.
Por outro lado, a ministra Marina Silva deu a entender que a visão do Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima será diferente. Ao anunciar a criação da Secretaria da Bioeconomia, a ambientalista destacou o “riquíssimo conhecimento tradicional” e o empoderamento das economias e comunidades locais.
"Nós não vamos nos tornar agricultura de baixo carbono da noite pro dia. Não é mágica. Mas vamos colocar as pilastras, num trabalho conjunto, com humildade e com sabedoria”, discursou Marina, reforçando que a pasta será conduzida pelos conceitos da justiça climática e do racismo ambiental; portanto, do combate às desigualdades.
“Eu mantenho uma forte dose de otimismo, mas consciente das contradições”, comenta Alexandre. De acordo com ele, essa é uma década decisiva para o meio ambiente e o Brasil já teve experiências bem sucedidas que estimulam metas mais ousadas de combate ao desmatamento e enfrentamento da emergência climática.
Para os ambientalistas brasileiros, a volta de Lula e a liderança de Marina é um alívio. É a chance de sair da posição defensiva imposta pelo governo anterior e de voltar ao protagonismo na luta ambiental nas ruas e, principalmente, na formulação e aplicação das leis.
- Criação da Secretaria Especial de Mudança Climática, com um departamento de política para o oceano e gestão costeira;
- Até março de 2023, formalização da criação da Autoridade Nacional de Segurança Climática, um conselho sobre mudança do clima a ser comandado pelo próprio presidente da república e a participação de todos os ministérios da esplanada;
- Criação do Departamento de Proteção e Defesa dos Direitos Animais.