A primeira artista do mundo está em tudo: no alimento do nosso prato, nos filamentos dos computadores e dos celulares ao alcance das nossas mãos, nas maquiagens e remédios e nos momentos de lazer. Mesmo tão famosa, ela nunca foi paga por isso. Na realidade, a Natureza é explorada e convertida em lucro.
Após bilhões de anos, ela finalmente está recebendo direitos autorais por uma única produção, entre incontáveis outras: os sons. Mas antes, qual o histórico de lucratividade da Natureza para com a humanidade?
O valor do ouro, por exemplo, só aumenta. Um dos minerais mais utilizados em eletrônicos e importante reserva de mercado, o preço do ouro alcançou a alta de 2.331 dólares por onça troy em abril de 2024.
A exploração de madeira, especificamente o mogno africano (madeira mahogany), rende, somente ao investidor brasileiro, 1,5 milhões de reais por hectare. No Brasil, o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio em 2023 foi de 10,9 trilhões de reais.
Pense em qualquer outro negócio, a Natureza estará produzindo dinheiro sem fim para uma ínfima porcentagem de super-ricos, sem direito ao descanso ou à regeneração.
Em geral, as discussões políticas em nível global tratam de monetizar a Natureza para justificar a necessidade de protegê-la. Não somente os negócios dependem dela, como ela também presta serviços ecossistêmicos indispensáveis para a sobrevivência humana.
Criam-se créditos de carbono e créditos de biodiversidade, títulos verdes e outras ferramentas para estimular o mercado a conservar ou, no mínimo, degradar menos.
Anualmente, a ONG Global Footprint Network divulga o “Dia da Sobrecarga da Terra”: quando todos os recursos anuais do planeta são consumidos pela humanidade, sem tempo de regeneração. Em 2024, o fatídico dia foi em 1º de agosto. Nos últimos anos, consumimos o equivalente a quase dois (1,75) planetas Terra.
Se todos na Terra consumirem os recursos naturais como o Brasil, o Dia da Sobrecarga da Terra voltará a ser no dia 1º de agosto de 2025. Já se o consumo for igual ao do Catar, teremos esgotado a Terra no dia 6 de fevereiro de 2025.
Ao todo, 86 países têm um padrão de consumo, se replicado ao nível mundial, capaz de esgotar os recursos da Terra antes do ano acabar. No calendário abaixo, veja os Dias de Sobrecarga da Terra segundo os países com maior padrão de consumo.
A Sounds Right, em conjunto com o EarthPercent, tenta usar o sistema de monetização humano para inverter essa lógica, transformando a Natureza em uma artista oficial nas plataformas de streaming de áudio, como o Spotify.
Com o nome artístico NATURE, o perfil já tem mais de 7,5 milhões de ouvintes em 180 países, com mais de 65 milhões de streams (transmissões) em todas as plataformas de áudio.
São milhões de pessoas ao redor do globo aproveitando as playlists de sons ambiente da primeira artista do mundo, como o som da chuva dos trópicos, as ondas do mar e até as sinfonias de trovões do Arizona.
A cada reprodução de uma música ambiente ou de um feat. NATURE — músicas de artistas em parceria com a Natureza —, o perfil recebe os
No caso de parcerias com artistas, 50% dos royalties vão para a Sounds Right. Esse dinheiro é destinado para projetos de restauração e conservação da biodiversidade, com mais 63% dos royalties das faixas musicais de música ambiente da NATURE. O projeto também conta com doações filantrópicas e individuais.
“(Ao todo) 90% de todas as receitas da NATURE (royalties musicais e doações institucionais) vão para a conservação”, define o projeto. Os outros 10%, excluindo doações individuais, são retidos para custear a existência do programa Sounds Right e para apoiar a produção musical — afinal, existem trabalhadores por trás da captação de áudio, mixagem e manuseio geral da obra-prima da NATURE.
Em coletiva de imprensa durante a
“Sounds Right começou em 2019 como uma iniciativa da organização colombiana chamada VozTerra, um coletivo de artistas musicais e ecologistas”, relembra. “E o desafio era descobrir como conectar os jovens com a natureza. A ideia foi ir pra natureza e gravá-la e, então, incluir os sons dela nas músicas. Foi um grande sucesso, graças a centenas de residentes ouvindo a Natureza.”
O projeto convidou a comunidade digital do The Ghetto Project a gravar sons de suas janelas durante o lockdown de 2019, por causa da Covid-19. O material coletado, juntamente com paisagens sonoras previamente gravadas pela VozTerra na Reserva Florestal Van der Hammen e no Pantanal La Conejera (em Bogotá, Colômbia), foi utilizado por DJs e produtores do circuito mundial de música eletrônica.
Logo veio a percepção de que a Natureza deveria ser paga pelos sons, não apenas constar como uma parceira nas músicas. “Ela deveria ser adequadamente creditada por seu trabalho e, por consequência, ter seu valor reconhecido”, define Gabriel.
“Nós queremos usar a Sounds Right para demonstrar como os modelos da sociedade podem ser usados para melhor valorizar a Natureza e assegurar a proteção dela”, explica o diretor.
A ONG mapeou seis áreas-chave com altos níveis de biodiversidade e endemismo para buscar os primeiros projetos de conservação a serem beneficiados pela NATURE. Foram elas: Madagascar e as ilhas do Oceano Índico; Indo-Birmânia, Índia e Mianmar; Sandolândia; Filipinas; Andes Tropicais; e a Mata Atlântica.
Após seis meses de análise e do lançamento da iniciativa, a Sounds Right Fund destinará um total de 225 mil dólares aos Andes Tropicais, na Colômbia. Conheça os quatro projetos beneficiados pela NATURE:
Louis VI, um dos artistas que criaram músicas em parceria com a NATURE, descreveu o processo de produção como mais “orgânico”. Ele estava em um estúdio em Copenhague, no inverno, quando lembrou do seu país de origem, Dominica, do Caribe.
“(Eu e Allen Anjeh, musicista de Camarões) estávamos ouvindo músicas antigas dos nossos países quando decidimos ouvir as músicas da natureza da VozTerra. Através dos melhores alto-falantes que já ouvi, aumentei os sons da selva de Chicaque, na Colômbia, com pássaros e insetos ganhando vida ao nosso redor”, relembra.
“Um pássaro se destacou, então experimentei seu ritmo, peguei um baixo e o salto do afrobeat já estava lá, no ritmo do pássaro. Tudo se desenrolou muito rápido: coloquei um pouco de percussão e a melodia de Allen veio e minhas teclas engrossaram. Assim que coloquei a bateria, a faixa estava lá”, diz.
“É uma loucura como os ritmos dos sons da natureza podem fazer uma faixa se desenrolar de forma muito mais orgânica; de alguma forma, parece certo inspirar-se na NATURE, já que ela teve milhões de anos para criar todos os ritmos e melodias possíveis, em vez de algum sample feito pelo homem…”
A faixa de Louis VI é uma das mais explicitamente políticas da feat. NATURE. Segundo os diretores da Sounds Right, a expectativa é que ouvintes do mundo inteiro possam compreender-se como ativistas ambientais ao escolher ouvir as músicas da NATURE — e, quem sabe, serem tomados pela inspiração de salvar a Natureza por meio de tantos outros projetos.
"Oi, aqui é a Catalina, editora-adjunta do OP+. Você já tinha parado para pensar na Natureza como uma artista remunerável? Vamos conversar nos comentários!"