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Por justiça e paz, os jovens vão à COP16 de Biodiversidade
Reportagem Seriada

Por justiça e paz, os jovens vão à COP16 de Biodiversidade

Jovens ativistas da América Latina compartilham os desafios ambientais enfrentados por suas comunidades e afirmam demandas encaminhadas aos governos durante conferência da ONU em Cali, na Colômbia
Episódio 1

Por justiça e paz, os jovens vão à COP16 de Biodiversidade

Jovens ativistas da América Latina compartilham os desafios ambientais enfrentados por suas comunidades e afirmam demandas encaminhadas aos governos durante conferência da ONU em Cali, na Colômbia
Episódio 1
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Quando Greta Thunberg encarou os líderes mundiais e questionou como eles ousavam pedir às crianças por esperança sem assumirem ações eficazes contra a crise climática, ela fez ecoar a indignação de toda a juventude mundial. O ano era 2019 e a ativista ambiental sueca tinha apenas 16 anos quando discursou na Cúpula de Ação Climática da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York (EUA).

Nascidos em um mundo cada vez mais quente, os jovens sabem que o futuro piora a cada grau adicionado na temperatura média do planeta e a cada espécie adicionada na lista vermelha de risco de extinção. Para as crianças do sul global, as perspectivas são ainda piores, principalmente por viverem em países marcados pela desigualdade socioeconômica, pelo neoextrativismo e por conflitos armados intrinsecamente relacionados à devastação ambiental.

É nesse cenário que a Colômbia recebe, em Cali, a COP 16 de Biodiversidade, conferência das nações unidas focada em discutir estratégias de conservação da biodiversidade mundial. Essa é uma das três grandes conferências da ONU, ao lado da COP do Clima e da COP de Desertificação, e ocorrerá do dia 21 de outubro a 1º de novembro de 2024.



“Os jovens "A Convenção Internacional define jovens como pessoas até os 35 anos em início de carreira." estão capacitados e entendem, em nível técnico e social, do que estão falando”, defende a maranhense Brenda Izidio, 31, cientista ambiental, mestre em Biodiversidade e integrante da Rede Global de Jovens pela Biodiversidade do Brasil (GYBN Brazil, na sigla em inglês). “Nós representamos os próximos tomadores de decisão e também temos soluções (para os desafios de conservação e proteção da biodiversidade).”

A GYBN Brazil levará uma delegação de 10 jovens brasileiros para a conferência em Cali, onde terão acesso restrito às negociações dos líderes globais — possível porque a GYBN é a representante oficial da juventude na COP de Biodiversidade, reconhecida pela secretaria geral da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD). “Nós estamos observando as negociações, somos consultados e estamos no mesmo espaço dos líderes globais”, explica Brenda.

 

A GYBN Brazil está na fase de captação de recursos para viabilizar a viagem da delegação. Caso você queira ajudar, entre em contato com a rede pelo Instagram @gybnbrazil ou pelo e-mail gybnbrasil@gmail.com.

 

A participação da juventude nas discussões globais garante que as perspectivas de uma geração amplamente afetada pela perda da biodiversidade e pela crise climática sejam levadas em consideração. Por toda a América Latina, jovens relatam como os impasses com o desmatamento, o tráfico de animais silvestres, a mineração, a poluição e os conflitos armados diariamente afetam suas comunidades.

Brenda Izidio participou da COP15 de Biodiversidade, representando o Brasil(Foto: Arquivo pessoal / Instagram Brenda Izidio)
Foto: Arquivo pessoal / Instagram Brenda Izidio Brenda Izidio participou da COP15 de Biodiversidade, representando o Brasil

Quer exemplos? Nas enchentes do Rio Grande do Sul, foram justamente as famílias das periferias as mais afetadas material e economicamente. Por todo o País, os povos indígenas têm suas vidas ameaçadas por garimpeiros, grileiros e madeireiros ilegais. Quando o assunto é transição energética, as comunidades tradicionais e famílias de pequenos agricultores são as principais afetadas pela instalação inadequada de usinas eólicas.

“Os jovens também vivem a realidade”, frisa a ativista ambiental. “Há dez anos, o jovem era visto como um rebelde. Atualmente, é uma galera muito mais consciente, que fala sobre a importância de votar conscientemente, discute sobre trabalho, identidade de gênero, adoecimento mental… É uma galera que tem discutido isso com uma certa profundidade.”

De acordo com Brenda, apenas o diálogo intergeracional oferecerá soluções eficazes para os desafios ambientais debatidos na COP16 de Biodiversidade. Para isso, precisam se fazer ouvidos pelas delegações de seus respectivos países e exigir deles a implementação das metas do Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal.

“Nós esperamos que o Brasil, no mínimo, implemente o que as metas (do Marco Global) defendem e que as metas nacionais sejam mais ambiciosas”, define. “Nós queremos que exista um canal aberto de comunicação e de trabalho conjunto com a sociedade civil. Até porque as metas não vão ser implementadas só por um tipo de ato.”

 

Conheça as 23 metas estabelecidas pelo Marco Global pela Biodiversidade


 

Os desafios compartilhados pelos jovens da América Latina

Pela primeira vez com espaço para manifestação da sociedade civil, a conferência de biodiversidade também receberá jovens de todos os cantos da América Latina e do mundo para questionar como os governos irão defender os direitos de seus representados.

Juan Amaya trabalha com o ativismo ambiental e liderança social desde os 14 anos.(Foto: Alisson Espita)
Foto: Alisson Espita Juan Amaya trabalha com o ativismo ambiental e liderança social desde os 14 anos.

“Nós, jovens, temos uma visão diferente”, afirma o colombiano Juan David Amaya, 18, ativista ambiental e co-fundador da organização Life of Pachamama. “A nossa voz é necessária porque eles não podem falar do nosso futuro sem a gente.”

Em nível discursivo, a Colômbia tem se mostrado ciente desse fato: o governo definiu que essa será a COP da Gente, carregando também o lema “Paz com a natureza”. É uma forte simbologia, dado o histórico colombiano de conflitos internos armados e de invisibilização dos povos indígenas e tradicionais do país.

Segundo Juan, o cenário ambiental da Colômbia só pode ser explicado com o entendimento das diversas crises enfrentadas pelo país, como a crise sanitária, a econômica e a social. A monocultura, o extrativismo, as altas taxas de desmatamento, a mineração ilegal e os conflitos armados têm moldado a natureza colombiana e as vidas das comunidades.

“A COP16 é um momento de esperança. Durante muitas décadas essas comunidades têm sido esquecidas, e neste momento a Colômbia é um país disposto a escutar seu povo”, analisa o ativista. “A COP16 representa um momento crucial para o futuro.”

Para garantir a participação do sul global em peso no evento, a Life of Pachamama criou o Programa de Solidariedade e Apoio Rumo à COP16 e selecionou 48 jovens da Colômbia, Peru, Guatemala e Indonésia para serem capacitados e participarem da COP16 da Biodiversidade. “Eles são defensores, ativistas, crianças, adolescentes, mães e irmãs cujas vozes pedem por uma mudança significativa (nas ações políticas dos países)”, diz Juan.

O POVO+ conversou com alguns dos participantes do programa para entender as demandas desses jovens. Conheça-os:

 

 

Mesmo tendo diferentes vivências, todos comentaram sobre o impacto das monoculturas, do desmatamento e do desamparo do poder público. Ainda, mencionaram como o avanço de grupos armados e religiosos (como os menonitas) tem contribuído para o desmatamento e a remoção forçada de povos indígenas e tradicionais.

“Muitos jovens querem sair dos seus territórios, fugir da violência armada”, lamenta a colombiana Cindy Paola Cuesta, 26, administradora de empresas e líder social em Quito. "Os grupos armados entram nas áreas de preservação", pontua o colombiano José Fernando Palácio, 16, ingresso de Antropologia na Universidade Nacional da Colômbia. "No final, essas áreas sempre vivem em conflitos internos e o governo é impune. Há muitas zonas esquecidas", reflete.

“Há muito desmatamento pela atividade de narcotraficantes na Guatemala”, adiciona a guatemalteca Krizzley Ordoñez García, 18, do povo Maya Man. “As pessoas invadem as áreas protegidas, como o Parque Tikal, querendo se apropriar.”

Os ativistas selecionados pelo projeto vivem em regiões MAPA, sigla em inglês para Áreas e Pessoas mais Afetadas ambientalmente.(Foto: Life of Pachamama )
Foto: Life of Pachamama Os ativistas selecionados pelo projeto vivem em regiões MAPA, sigla em inglês para Áreas e Pessoas mais Afetadas ambientalmente.

Ou seja, ainda que os países tenham acordos de paz encaminhados, os conflitos sociosmbientais seguem operantes. “Os governos levam à mesa muitos acordos, mas na hora da verdade, somos nós os que sofremos as consequências”, critica Cindy.

Em geral, os países até apresentam avanços nas legislações ambientais. Cindy cita que o rio Atrato é considerado sujeito de direito, mas ele continua sendo contaminando pelo garimpo e pela mineração. No Peru, diz a estudante de bióloga marinha Fiorella (Fiochi) Herrera Salas, 19, um projeto de lei também caminha para garantir que os rios peruanos sejam independentes, “mas na prática não há nada contra o derramamento de petróleo”, denuncia.

Na Colômbia, o campesino Kevin Adrian Rayo, 20, afirma que existem várias iniciativas governamentais, como a criação do Plano de Ação de Biodiversidade, a transição energética e o pagamento de serviços ambientais a comunidades carentes que conservam os territórios. “Mas muitas dessas iniciativas concentram-se em Bogotá (capital da Colômbia) ou em áreas rurais próximas, com acesso por rodovias. Na minha comunidade nada chega, principalmente porque o acesso é apenas por via aérea ou hídrica.”

Entre esses jovens, são as iniciativas da sociedade civil, encabeçadas pela juventude, que realmente têm atendido grande parte dos desafios ambientais enfrentados pelas comunidades. Fiochi, por exemplo, é responsável por um projeto científico que preserva 25 mil hectares de floresta amazônica peruana e que já mapeou 37 espécies de animais que ocorrem na área, a maioria em risco de extinção.

"O nosso objetivo é converter os jovens em agentes de mudança que tenham voz nas decisões de caráter global", reafirma o José Palácio. Infelizmente, esses projetos e ações têm um limite, como resume Maria Angélica Ospina, 25, líder das atividades para a COP16 do Life of Pachamama: “Para que todas nossas iniciativas funcionem, temos que lutar pela paz em nossos territórios.”

 

 

Dobradinha latinoamericana na COP30 do Clima

Discutir biodiversidade é um passo crucial para enfrentar a crise climática. Por isso, há muitas expectativas na “dobradinha” latinoamericana entre a COP16 da Biodiversidade, na Colômbia, e a COP30 do Clima, no Brasil, em Belém (PA).

Jovens do mundo inteiro reunem-se nas COPs para exigir ações políticas efetivas e justas contra a crise climática.(Foto: Arquivo pessoal / Mikaelle Farias)
Foto: Arquivo pessoal / Mikaelle Farias Jovens do mundo inteiro reunem-se nas COPs para exigir ações políticas efetivas e justas contra a crise climática.

Ambos países entre os mais biodiversos do mundo, a coincidência das agendas foi favorecida por dois governos politicamente comprometidos com a pauta ambiental e climática. O presidente Gustavo Petro (Colômbia Humana) e o presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) foram eleitos pelos discursos acenando à proteção ambiental, à transição energética e à defesa dos povos indígenas e tradicionais dos respectivos países.

A COP30 pode ser um grande sucesso ou um grande fracasso”, define a paraibana Mikaelle Farias, 23, estudante de Engenharia de Energias Renováveis e ativista climática pela Fridays For Future e pelo Nordeste pelo Clima.

Mikaelle Farias é ativista ambiental e porta voz da ONU contra a desinformação.(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Mikaelle Farias é ativista ambiental e porta voz da ONU contra a desinformação.

Ela entende que a COP16 de Biodiversidade garantirá insumos para a COP30 do Clima, já que as metas estão inter relacionadas. Caberá aos jovens em Belém (PA) incidir sobre os governos locais, como governadores e prefeitos, para exigir que o evento não seja de “promessas vazias”. “Desde a primeira COP, a sociedade civil brasileira consegue reverberar bastante (as demandas e as pautas ambientais)”, diz.

No final das contas, as COPs são a grande porta de entrada da juventude para exigir mudanças reais e condizentes com as demandas dos territórios. De todos os jovens ouvidos pela reportagem, esse é o grande clamor latinoamericano: “Olhem os territórios, olhem as periferias. Compreendam os territórios em si”, e, enfim, promovam a transformação.

 

 

O POVO fará a cobertura da COP16 da Biodiversidade

Em 2024, O POVO participará da cobertura da COP16 pela Biodiversidade com reportagens especiais sobre biodiversidade e sobre a conferência das partes no O POVO+, além de atualizações diárias durante o evento.

A cobertura é apoiada pelo Climate Tracker América Latina, que selecionou 11 jornalistas latinoamericanos para capacitações sobre a COP16 e para viabilizar a cobertura virtual ou presencial da conferência. A repórter Catalina Leite, jornalista de ciência, meio ambiente e clima do O POVO+, foi selecionada como representante do Brasil na cobertura virtual do evento.

 

Confira o programa Pra Começo de Conversa, do O POVO+

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