O uso da inteligência artificial (IA) no mundo moderno já é uma realidade em diversos aspectos, e não seria diferente na saúde. Ela vem gerando grande transformação nesse campo, abrindo portas para inovações e melhorias no atendimento ao paciente.
Essa é a ciência e a saúde andando lado a lado. Desde diagnósticos médicos mais precisos a tratamentos personalizados, essas aplicações são vastas e significativas.
Em 2024, a pesquisa TIC Saúde já revelava que 17% dos médicos no Brasil utilizavam essas inovações em suas rotinas profissionais, sendo 14% na rede pública e 20% na privada. Os principais usos identificados incluem o suporte às pesquisas (69%) e o auxílio na elaboração de relatórios médicos (54%).
Por outro lado, foi destacado que somente 4% dos estabelecimentos de saúde utilizavam IA. Entre os principais desafios para essa adoção estavam a percepção de falta de necessidade (59%), a baixa priorização da tecnologia (61%) e os altos custos envolvidos (49%).
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a IA é uma grande promessa para melhorar a prestação de serviços de saúde em todo o mundo. Para limitar os riscos e maximizar as oportunidades do seu uso, ela divulgou diretrizes quanto ao uso ético dessa tecnologia.
Helena Barreto, médica e vice-presidente da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (Sobrasp), afirma que a IA é vista como uma grande oportunidade e aliada para o futuro desse campo.
“É uma área com um potencial vasto e ainda não totalmente conhecido. Ela possibilita identificar quais são os sinais que indicam que um paciente vai piorar ou terá um desfecho negativo, permitindo agir antecipadamente. Elas também criam sistemas de assistência direta nos hospitais, ajudando a organizar o fluxo de pacientes”, comenta.
O POVO entrou em contato com a Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (SMS) para entender como essa realidade está sendo aplicada e desenvolvida na região, mas não obteve pronunciamento sobre o assunto.
Na Unimed Fortaleza, a IA é uma realidade desde 2018, utilizando sua capacidade de compreender e prever padrões para prever desistências de planos de saúde.
Segundo o diretor administrativo-financeiro da empresa, dr. Flávio Ibiapina, a utilização da IA na Unimed está atualmente focada na assistência, em ferramentas para aumentar a produtividade dos colaboradores e no apoio às ações da operadora dos planos.
“Estamos testando também em análise de imagens de exames, como raio-X de tórax, para identificar alterações com precisão, e em tomografias de tórax para detecção precoce de nódulos pulmonares”, revela.
Em relação à segurança de dados, a empresa possui uma área de proteção de dados e um Data Protection Officer (DPO), além de investimentos na infraestrutura de TI para evitar ataques e comprometimento dos dados.
“Um dos grandes avanços é a integração de todos os dados de saúde dos beneficiários em uma única base na nuvem. A IA é mandatória para o setor da saúde, as empresas que não a incorporarem em suas estratégias ficarão obsoletas rapidamente”, afirma.
Para ele, a IA no futuro terá um papel crucial no recrutamento e seleção, na área financeira e, principalmente, no cuidado direto ao paciente.
“A capacidade de capturar todos os dados de saúde do paciente em uma única base, desde o nascimento, permitirá um cuidado proativo, personalizado, customizado e individualizado. Podemos escalar isso para um atendimento para uma população inteira”, finaliza.
Já entre as inovações da Hapvida, destaca-se o projeto Linha de Cuidado para Endometriose, que emprega IA para rastreamento precoce da doença por meio da análise de laudos de exames de imagem.
10 exemplos de IA na saúde
O Alerta Rosa, que visa reduzir o tempo entre a investigação e o diagnóstico de câncer de mama, além do AutoCID, uma ferramenta de IA que sugere códigos da Classificação Internacional de Doenças (CID) durante consultas de urgência, agilizando o atendimento e liberando o médico para focar no paciente.
Na área de cardiologia, a IA analisa eletrocardiogramas (ECG) em menos de um minuto, alertando sobre alterações graves e priorizando laudos em até 15 minutos. “A IA pode e deve ser uma aliada da saúde da população. Não é substituir o olhar humano, é ampliar nossa capacidade de cuidar”, enxerga Lara Paiva, diretora de educação médica da Hapvida.
A 30ª edição da Hospitalar, considerado um dos mais importantes eventos de saúde da América Latina, realizado em São Paulo entre os dias 20 e 23 de maio, foi mais uma prova de como os hospitais estão ampliando o uso da IA em seus processos.
As novidades incluíam a melhoria da gestão hospitalar com suporte de IA para o controle de insumos, tempo de internação e alta dos pacientes. Além disso, mais de oito congressos foram realizados para a apresentação de 21 tecnologias de IA utilizada com sucesso em outros países.
A detecção precoce de câncer, doenças renais e processos inflamatórios, com base em análises de imagens, também eram apoiadas pela inteligência artificial. No centro desse universo, uma inovação ganhou destaque: a MaVi.
Desenvolvida pela MV, ela é a primeira inteligência artificial em forma física com foco na saúde e atua como assistente virtual comandada por voz, pensada para otimizar a jornada cirúrgica. Essa smart speaker acessa protocolos, resume históricos e automatiza registros durante procedimentos de alta complexidade.
Com ela, também foi apresentada a Plataforma de Agentes de IA MV, que traz uma experiência mais humanizada mediante três personas adaptadas aos diferentes perfis do ecossistema assistencial da empresa.
A MaVi Paciente, que conversa e orienta o paciente, a MaVi Médico, que auxilia médicos em tempo real, inclusive no centro cirúrgico, e a MaVi Gestor, que está em desenvolvimento e pretende focar em governança e desempenho hospitalar.
Andrey Abreu, diretor corporativo de tecnologia da MV, explica que todas as tecnologias se comunicam entre si e com os sistemas MV, criando uma rede digital integrada, inteligente e sensível ao contexto médico.
“Foram dois anos de estudo para o seu desenvolvimento. Ela vai além de uma transcrição, pois com seu registro, ela pode dar sugestões, criar planos de cuidado e oferecer segundas opiniões. Ela pensa, imagina, lembra das coisas e atua de forma muito mais ativa”, explica.
Segundo ele, além de ajudar a rotina do médico, essas funcionalidades permitem que a MaVi esteja presente em diversas áreas do hospital, como na farmácia, auxiliando na expedição; na recepção, fazendo o check-in de pacientes; ou até mesmo fornecendo informações sobre a atuação estratégica do hospital.
“Para essa IA cumprir seu papel ela precisa de dados consistentes, apurados e de qualidade. A alimentação é feita com dados anonimizados, garantindo a segurança e o respeito às normas da LGPD. Ela trabalha em um ecossistema fechado e seguro”, afirma.
A MaVi também é treinada para consumir artigos científicos de qualidade e brasileiros, além de interagir com o ecossistema chamado Global Health, que abrange a jornada digital do paciente fora do ambiente hospitalar, fornecendo um contexto mais amplo nos limites de consentimento e segurança.
Vale ressaltar que a MaVi está integrada na Jornada da Saúde 360 — plataforma de integração de dados —, que conecta todas as etapas da assistência e da gestão. Novidades como Onco Audit, focada em auditoria oncológica, e MED AI, IA para médicos de todo o Brasil, também foram apresentadas pela MV.
Para uma IA ser colocada em prática na saúde no Brasil, ela precisará cumprir:
“A IA na saúde é uma questão de vida, tornando sua implementação crucial e, ao mesmo tempo, muito crítica. Não poderíamos lançar uma IA sem cumprir a legislação, por isso qualquer tecnologia que lide com dados médicos precisa ter certificação da Anvisa; sem ela, não há garantia de segurança”, alerta.
No Ceará, o Hospital Maternidade São Vicente de Paulo, em Barbalha, o Hospital da Unimed Cariri e o Hospital Prontocardio, em Fortaleza, estão integrados nesse sistema.
Andrey Abreu, que também possui pós-graduação em engenharia de software, lembra que é crucial entender que a IA não é substituto do médico, mas sim uma ferramenta que auxilia o profissional de saúde.
O diagnóstico final de algo sempre deve ser dado pelo médico. “O grande risco é que as pessoas comecem a usar a IA como uma forma de automedicação ou de substituição do médico, e isso pode levar a erros graves”, ele percebe.
Para ele, o caminho da inteligência artificial na saúde brasileira ainda enfrenta alguns obstáculos, como a acessibilidade e o custo, além da ausência de um modelo de linguagem brasileira específica para a saúde.
“Ele precisa compreender a complexidade da nossa língua. Para a IA transformar o Brasil em um país digital na saúde, será preciso um grande esforço, em média 10 anos, com muita vontade política, investimento privado e a colaboração de pacientes, médicos, hospitais e empresas de tecnologia”, diz.
Lá fora, segundo ele, o mercado americano é mais conservador em relação à IA, preferindo uma implementação incremental. Já a China demonstra uma aceitação muito maior em todas as áreas, incluindo a saúde, com um grande foco na humanização da inteligência artificial.
“Acredito que o principal ponto para o Brasil na área hospitalar é a sustentabilidade do sistema de saúde. Não se trata apenas de assistência e precisão, mas de um viés mais amplo de cuidado. É preciso pensar em soluções que prevejam e que previnam doenças”, destaca.
Ele explica que nesse cenário, a IA pode impactar positivamente a saúde por meio da interoperabilidade dos dados de saúde. Isso significa ter o histórico completo do paciente unificado e acessível em qualquer lugar, e que sem dados integrados e padronizados, o potencial da IA na prevenção é limitado.
“Não podemos mais aceitar que o dado de saúde seja exclusivo do hospital. O dado é do paciente, e precisamos empoderar a sociedade em relação à própria saúde. Se o Brasil tiver uma saúde 100% digital, ela será muito mais acessível e barata. É o paciente que pode quebrar essa hegemonia e demandar que seus dados sejam carregados para onde ele quiser”, finaliza.
Durante a Jornada Galápagos de Jornalismo de Saúde 2025, um evento que capacita jornalistas e produtores de conteúdo na cobertura de saúde, a inteligência artificial foi um dos grandes destaques.
Promovida pela Bayer, o evento incluiu encontros presenciais em instituições como Google e o Hospital Israelita Albert Einstein em São Paulo. Diversos profissionais estiveram presentes em painéis, abordando assuntos amplos no universo da ciência e da saúde.
“Não só o jornalismo, mas todas as profissões estão sendo transformadas pela IA. Quem está de costas para isso vai ser engolido por um tsunami”, refletiu a jornalista e apresentadora do Jornal da Globo, Renata Lo Prete, durante uma das palestras.
Já Luiz Rizza, diretor de pesquisa do Albert Einstein, afirmou que a IA vem sendo um divisor de águas no processo de pesquisa de vacinas. “Pós-pandemia, a vacina de RNA vem se tornando o caminho, pesquisas potencializadas pela utilização da IA”, comentou.
Para Edson Amaro, responsável pela área de big data — agrupamento de dados — do Einstein, e principal responsável por uma série de inovações tecnológicas aplicadas à saúde no Brasil, a IA vem revolucionando a saúde.
“Desde o diagnóstico precoce e o histórico clínico do paciente até a personalização de tratamento. Na área dos genomas, ela vem se mostrando uma forte aliada”, revelou.
E a Bayer não está de fora dessa. Em parceria com o Google Cloud, a empresa está desenvolvendo uma plataforma com IA que ajudará radiologistas a diagnosticarem pacientes de forma mais rápida e precisa.
A ferramenta será responsável por apontar anomalias em imagens, as quais os radiologistas poderão então analisar. Além disso, ela conseguirá coletar dados importantes do histórico médico do paciente.
Em entrevista ao jornal OPOVO, Marcos Moreira, diretor de transformação digital e TI da divisão farmacêutica da Bayer para o Brasil e América Latina, afirma que as transformações estão acontecendo como nunca visto antes.
“Existem aspectos super valiosos, mas também precisamos ter cuidado com questões éticas e de governança sobre como usamos isso no futuro. Há muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, e vamos passar por um momento de legislação ou de criação de barreiras para definir até onde iremos”, aponta.
Atualmente a empresa tem a MyGenAssist, que garante auxílio com informações mais técnicas, referências e estudos, faz gravações, além de garantir a proteção de dados da instituição. Ela é utilizada principalmente pelo Medical Science Liaison (MSL), em português ‘Gerente Médico Científico’.
O diretor detalha que no momento o foco é no uso interno e em como construir essas soluções para facilitar e agilizar o dia a dia da equipe, mas que o plano é chegar no público final, o paciente.
“A IA já é parte do nosso dia a dia aqui no Brasil. Olhando para a área farmacêutica, temos muita coisa, mas sem um impacto direto para o paciente neste primeiro momento. É uma super prioridade para nós treinar as pessoas e fomentar essa utilização, porque é um benefício para todos”, termina.