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A adaptação das aeronaves na pandemia
Reportagem Seriada

A adaptação das aeronaves na pandemia

O quarto e último episódio do especial "Logística na pandemia: cargas que salvam vidas" mostra como as empresas adaptam aeronaves para atender a demanda neste período de crise do novo coronavírus e o impacto no mercado. O transporte internacional, por exemplo, ficou mais caro
Episódio 4

A adaptação das aeronaves na pandemia

O quarto e último episódio do especial "Logística na pandemia: cargas que salvam vidas" mostra como as empresas adaptam aeronaves para atender a demanda neste período de crise do novo coronavírus e o impacto no mercado. O transporte internacional, por exemplo, ficou mais caro
Episódio 4
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O transporte de cargas aéreo foi extremamente prejudicado com a queda na demanda da aviação comercial por causa da pandemia. Esse problema foi ainda pior quando a necessidade era exportar e importar. Com a escassez de opções, as empresas aéreas que lidam exclusivamente com mercadorias tiveram grande aumento de procura, o que fez com que o valor das tarifas subisse.

O engenheiro aeronáutico especialista em Transporte Aéreo e ex-diretor da Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag), Adalberto Febeliano, afirma que parte da demanda que iria para o transporte de cargas aéreo acabou indo para o rodoviário. Ele explica que na área de aeronave (conhecida como porão), existe a capacidade de transportar aproximadamente mil quilos nos aviões comerciais e 20 toneladas nas aeronaves de grande porte de voos internacionais, como o Boeing 747.

 

"Quando acabam os voos internacionais de passageiros, tem-se uma redução de aproximadamente metade da oferta de transporte de carga aéreo. Isso foi um desastre para quem depende de carga aérea internacional", explica.

O mercado local passou por adaptações e a parcela de importância do transporte de cargas para as empresas, que até então representava entre 3% e 4% do faturamento, aumentou. Febeliano acrescenta que, apesar do impacto, a logística brasileira continuou funcionando e não houve desabastecimento.

Terminal de cargas do Aeroporto de Fortaleza(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Terminal de cargas do Aeroporto de Fortaleza

"Não é o negócio principal das empresas de transporte de passageiros, mas é uma parcela importante do faturamento para além das passagens. Também é um negócio importante para o País, já que é o meio mais rápido para o transporte de cargas de menor volume e maior valor", complementa.

Heitor Studart, membro do Conselho de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), destaca que, comparado aos outros modais de transporte, o que mais perdeu com a pandemia foi mesmo o aéreo. Já que a maior demanda, relacionada à pandemia, de importação de insumos de saúde gerou contratos com voos fretados de empresas internacionais, na grande parte dos casos.

A expectativa não é positiva para o curto prazo. "O grande baque foi no setor aéreo, tanto de passageiro quanto de cargas. Até pela projeção lenta de retomada dos voos, além da posição financeira desconfortável das empresas brasileiras", avalia.

Made in China: importações para a saúde

Carga de máscaras vindas da China(Foto:  Ministério da Infraestrutura/Divulgação)
Foto: Ministério da Infraestrutura/Divulgação Carga de máscaras vindas da China

Somente em operações de importação de produtos de proteção individual, o Ministério da Infraestrutura ficou responsável por organizar e coordenar a logística para trazer ao Brasil a carga de 240 milhões de máscaras compradas pelo Ministério da Saúde. A remessa foi trazida da China em megaoperação de 39 voos, realizada em parceria com a Latam.

A aeronave utilizada foi o Boeing 777. Com aproximadamente 1,2 mil tonelada, a cabine de passageiros foi utilizada para acomodar as 5.800 caixas, além do porão do avião. De acordo com o Ministério da Infraestrutura, ainda em março, um plano de logística e distribuição, em apoio ao Ministério da Saúde e aos governos estaduais e municipais, foi desenvolvido e abrangeu ações para viabilizar a chegada do material importado, a articulação com órgãos governamentais que atuam nos aeroportos para prioridade no desembaraço aduaneiro e o apoio na distribuição dos equipamentos nos estados.

A Latam ainda realizou o transporte de materiais médicos para a Prefeitura do Rio de Janeiro. No dia 1º de julho, a empresa concluiu a vinda, também da China, de 160 toneladas de materiais médicos, como respiradores, monitores e outros insumos hospitalares, destinados à capital fluminense. Ao todo foram realizados seis voos em parceria com a Prefeitura, o que totaliza 45 operações especiais. Outras remessas também foram realizadas.

"A companhia atuou no Programa Avião Solidário da Latam, que, desde o início da pandemia já transportou 650 toneladas de suprimentos médicos (como máscaras, testes, medicamentos, entre outros produtos) pela América do Sul, beneficiando países como Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Argentina", informa a empresa, em nota.

Conexão China-Brasil

  • As aeronaves da Latam que trouxeram as máscaras da China para o Brasil em 39 voos percorreram cerca de 1,9 milhão de quilômetros, o que representa cinco vezes a distância entre a Terra e a Lua. Xangai, Guangzhou, Xiamen - todas na China -, Amsterdã (Holanda), Auckland (Nova Zelândia), Santiago (Chile) e São Paulo foram alguns dos destinos utilizados para escalas e pousos no percurso desses voos. Foram necessárias 2.550 horas de voo, o equivalente a 106 dias inteiros no ar.
  • "Centenas de profissionais encararam essa operação inédita como uma verdadeira missão pelo País. Parabéns ao pessoal da Latam e ao corpo técnico do MInfra, que viabilizaram, ao longo de três meses, o sucesso dessa importante logística de apoio ao Ministério da Saúde. Graças ao empenho das equipes envolvidas nessa megaoperação, o Brasil está abastecido para enfrentar a pandemia", complementa o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes.

Ceará recebeu 350 toneladas de cargas 

Chegada ao Ceará de 200 respiradores mecânicos e 103,7 toneladas equipamentos de proteção individual para combate à pandemia de Covid-19(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Chegada ao Ceará de 200 respiradores mecânicos e 103,7 toneladas equipamentos de proteção individual para combate à pandemia de Covid-19

As operações contratadas pelo Governo do Ceará e Prefeitura de Fortaleza relacionadas ao combate à Covid-19 resultaram na movimentação de 350 toneladas de cargas no Aeroporto de Fortaleza, segundo informa a Fraport, administradora do terminal da capital do Estado. Foram ao todo 12 operações cargueiras.

Pelo grande volume de algumas cargas que chegaram ao Aeroporto de Fortaleza e a urgência envolvida no desembarque, a Fraport contou com o apoio do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBM-CE) no descarregamento.

Todos os voos relacionados ao transporte de equipamentos da saúde vieram originalmente da China e foram operados por companhias aéreas como Air México, Ethiopian Airlines, Kan Airlines e TAP. De acordo com dados da movimentação aeroportuária da Fraport, o volume de cargas entre abril e junho foi de 2,2 milhões de toneladas, entre movimentações domésticas e internacionais. Apesar de parecer uma quantidade grande, isso corresponde a pouco menos do que foi movimentado em voos domésticos no mês de março - período já impactado pelos efeitos da pandemia.

Centro de distribuições de produtos

  • Localizado na Região Metropolitana de Fortaleza, a Secretaria de Saúde do Estado opera um Centro de Distribuição de Medicamentos. De lá é coordenada toda a logística de distribuição de produtos médico-hospitalares para os municípios do Ceará.

Depósito de suprimentos hospitalar da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Depósito de suprimentos hospitalar da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará

Ponto de vista: Contribuição do modal aéreo para o transporte de cargas no Brasil

James Rojas Waterhouse, Professor do Departamento de Engenharia Aeronáutica da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP)

James Rojas Waterhouse, professor do Departamento de Engenharia Aeronáutica da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP)(Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal James Rojas Waterhouse, professor do Departamento de Engenharia Aeronáutica da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP)

A logística de carga aérea no Brasil tem uma pequena participação quando comparada a outros modais. Esse fato é decorrente do elevado preço e da reduzida capilaridade da malha aérea, agravados pela pequena demanda de vários pontos. A grande parte da carga aérea nacional é composta por itens de elevado valor agregado e/ou perecíveis para os quais o modal aéreo é mais rápido e paradoxalmente mais barato em vários casos, devido a dispensa do caro aparato de segurança necessário em rodovias nacionais.

A maioria da carga aérea nacional é transportada no porão de voos de passageiros, aumentando o aproveitamento desses, mas avanço do e-commerce, anabolizado pela crise do Covid-19 provocou um aumento recorde de demanda no exato momento que houve uma redução recorde de voos comerciais. Esse fato mostra claramente a fragilidade do modal aéreo nacional de cargas frente a demanda, pois o número de aeronaves e empresas exclusivamente cargueiras é pequeno frente a demanda atual.

O cenário nacional é bastante favorável ao crescimento e/ou surgimento de novas empresas de carga aérea nacionais e até mesmo a volta dos voos “combi”, um modelo que foi popular no passado que consistia no uso combinado do avião para passageiros e carga (carga no porão e em parte da cabine de passageiros) mas é pouco utilizado atualmente face a elevada demanda de passageiros dos últimos 15 anos.

O monopólio dos correios em certos setores da logística nacional prejudica bastante o estabelecimento de uma malha aérea cargueira, pois parte da demanda do mercado é atendida pelos Correios, que consegue amortizar a estrutura básica através da exclusividade de cartas, compartilhando essa estrutura para pacotes, criando uma condição de difícil concorrência por parte de empresas privadas, haja visto que essas empresas não podem transportar cartas, apenas pacotes. O rápido aumento de demanda de carga aérea associado a redução de voos de passageiros e a ineficiência dos correios no setor poderão constituir condição ideal para o crescimento e amadurecimento deste setor no país, cada vez mais vital a competitividade nacional.

 

Confira todos os episódios do especial

EPISÓDIO 1 - Como a logística mudou com a pandemia do novo coronavírus
EPISÓDIO 2 - A organização da logística para evitar desabastecimento na pandemia
EPISÓDIO 3 - A movimentação cargas que chegam via mar foi intensificada na pandemia
EPISÓDIO 4 - O setor aéreo teve de se adaptar para atender a demanda na crise de Covid-19

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Cargas que salvam vidas

A logística de transporte ganhou uma nova conotação nesta pandemia. Esta série de reportagens mostra como o segmento vem sendo uma ponte para levar insumos voltados ao combate do novo coronavírus.