Logo O POVO+
Setor portuário: expansão na crise
Reportagem Seriada

Setor portuário: expansão na crise

O mar também é importante porto de entrada de mercadorias na crise do novo coronavírus, conforme mostra este terceiro episódio do especial "Logística na pandemia: cargas que salvam vidas"
Episódio 3

Setor portuário: expansão na crise

O mar também é importante porto de entrada de mercadorias na crise do novo coronavírus, conforme mostra este terceiro episódio do especial "Logística na pandemia: cargas que salvam vidas"
Episódio 3
Tipo Notícia Por

Os portos aceleraram a movimentação de cargas durante a pandemia. Segundo o Ministério da Infraestrutura, a movimentação aumentou, em média, 6,6% no primeiro semestre na comparação a igual período de 2019. No Ceará, o Porto do Mucuripe, em Fortaleza, teve alta de 9% nas cargas, e o Porto do Pecém recebeu a maior parte dos insumos da saúde.

Das cargas essenciais, de insumos alimentícios, no Mucuripe, o volume de granéis sólidos cereais (em especial o trigo) cresceu 11%. Já no Pecém, a movimentação de contêineres com produtos médico-hospitalares no mês de junho aumentou 29,5%.

Entre os insumos da área de saúde no Porto do Pecém estão medicamentos; pastas, gazes, ataduras e artigos análogos; preparações e artigos farmacêuticos; e soro fisiológico. Somente em junho, foram 193 contêineres movimentados no porto. No semestre foram 894. Vindos principalmente da Ásia, esses produtos também passam pelo Pecém com destino a outros portos brasileiros, como Santos (SP), Suape (PE) e Manaus (AM), bem como internacionais - exemplo de Buenos Aires (Argentina) e Gioia Tauro (Itália).

 

Para que toda operação seja possível, o presidente do Complexo do Pecém, Danilo Serpa, destaca que um comitê de gestão de crises foi montado para atuar desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS), no dia 13 de março, declarou estado de pandemia.

"O abastecimento de alimentos, remédios e produtos médico-hospitalares para o Ceará e estados vizinhos dependia do trabalho desses profissionais. E para que esses trabalhadores se sentissem seguros ao vir trabalhar foi necessário repensar nossa infraestrutura, construir novas soluções e nos comunicar mais e melhor com eles", afirma.

Diretora-presidente da Companhia Docas do Ceará, Mayhara Chaves
Foto: FCO FONTENELE
Diretora-presidente da Companhia Docas do Ceará, Mayhara Chaves

Já no porto da capital do Ceará, o foco foi na movimentação de navios relacionados à cadeia de alimentação e combustíveis. O Porto de Fortaleza é o principal ponto de chegada do trigo que abastece as indústrias de farinha, massas e biscoitos.

A diretora-presidente da Companhia Docas do Ceará, Mayhara Chaves, ressalta que desde março a operação do porto continua normalmente. Apenas funcionários do grupo de risco foram afastados.

"As nossas cargas cresceram mesmo no período da pandemia. Por ser uma atividade essencial, o porto movimenta cargas relacionadas à pandemia, como compras que o Governo do Estado fez de máscaras e equipamentos".

Mayhara ainda destaca: "A participação do modal marítimo neste período de pandemia tem sido relevante tanto para garantir o abastecimento da população como para movimentar a economia. E o Porto de Fortaleza vem cumprindo muito bem o seu papel, com destaque especial para o granel sólido cereal e o granel líquido".

As cargas de trigo chegam a Fortaleza principalmente da Argentina, como também dos Estados Unidos e Canadá. No desembarque do produto, a automação impede que os funcionários do porto e da embarcação tenham mínimo contato, a maior parte  da comunicação é feita por meio de rádio. De acordo com a Companhia Docas, além da segurança do meio ambiente na movimentação de cargas e combustíveis, foi reforçada a segurança sanitária nas áreas de circulação de pessoas.

 

Pandemia adiantou processo de digitalização

Cais do Porto de Fortaleza
Foto: FCO FONTENELE
Cais do Porto de Fortaleza

Com a pandemia, a operação no Porto de Fortaleza passou por mudanças. A quantidade de documentos físicos do dia a dia da operação foi diminuída significativamente. Para a diretora-presidente da administração do porto, Mayhara Chaves, essa evolução veio para ficar.

"Mudamos alguns procedimentos, que, felizmente, vão ficar. O que antes era feito em papel, tudo manual, com necessidade de carimbo, agora será feito eletronicamente. Informações sobre os caminhoneiros que entram, mantivemos com toda a segurança, tanto da equipe interna, quanto dos profissionais que saem com mercadorias", revela.

De acordo com o coordenador do Centro de Estudos em Transportes, Logística e Mobilidade Urbana da Fundação Getúlio Vargas (FGV Transportes), Marcus Quintella, o transporte aquaviário ainda representa muito pouco em termos absolutos na movimentação de cargas gerais. E a parte burocrática, tributária e regulatória precisa ser melhorada.

"Houve avanços nas administradoras dos portos, ao mesmo tempo em que deve ocorrer a privatização de parte deles, devem evoluir. Esperamos neste ano um crescimento do setor portuário e, com todas as melhorias necessárias sendo feitas, teremos uma evolução muito importante para a logística nacional", analisa.

Quintella ainda lembra que, nos últimos meses, o crescimento da cabotagem - transporte de cargas entre portos de mesmo país - tem sido de constante no Brasil. Mas existe potencial para mais. O que devem auxiliar esse processo são as alterações na Lei dos Portos, aprovadas pelo Congresso Nacional no fim de julho e que aguardam sanção presidencial.

Movimentação no Porto do Mucuripe
Foto: FCO FONTENELE
Movimentação no Porto do Mucuripe

A Medida Provisória (MP) 945 altera a gestão dos contratos de arrendamentos, que passa a ser mais flexível ao permitir maior autonomia para que os arrendatários possam fazer investimentos nas áreas portuárias de forma mais rápida. Nos atuais termos, intervenções podem levar anos a serem efetivadas. Outro ponto a ser alterado permite a possibilidade de dispensa de licitação aos arrendamentos portuários quando se identifica apenas um interessado na exploração da área.

Também será possível a exploração de uso temporário de áreas e instalações portuárias, ferramenta para atrair novas cargas e diminuir a ociosidade de áreas nos portos públicos, permitindo aumento de receita das Autoridades Portuárias. A medida garante que os interessados testem a viabilidade de determinado tipo de carga por meio de um contrato de 48 meses improrrogáveis.

"Todas as mudanças na lei são essenciais no sentido de garantir competitividade dos terminais instalados nos portos públicos em relação aos terminais de uso privado (TUPs), gerando a atração de novos investimentos. Além disso, as novas normas aproximam o Brasil dos modelos mais eficientes praticados nos principais portos mundiais", observa o ministro da Infraestrutura do Governo Federal, Tarcísio Gomes de Freitas.

Cenário não diminui expectativa positiva 

Logística marítima na pandemia se intensificou
Foto: FCO FONTENELE
Logística marítima na pandemia se intensificou

Apesar da pandemia e suas repercussões na economia mundial, o presidente do Sindicato das Agências de Navegação Marítima e dos Operadores Portuários do Estado do Ceará (Sindace), Bruno Iughetti, destaca que o transporte de cargas marítimo se manteve forte.

"O segmento portuário e de navegação praticamente não sentiu os efeitos da pandemia. Tanto os portos do Pecém e do Mucuripe fecharam com números positivos no primeiro semestre. Foi uma resultante não esperada, mas não houve uma situação de dúvida e retração de mercado", afirma.

Iughetti diz que a expectativa é que tenhamos um resultado anual que obedeça uma escala de valores de crescimento semelhante ao que aconteceu no primeiro semestre, com destaque para a cabotagem, que deve superar marcas históricas de anos anteriores.

"É um ano de expectativas positivas, pois a grande prova foi passada agora, entre março e julho. Se conseguirmos sair da pandemia sem arranhões, faz-nos raciocinar que teremos um segundo semestre de bons resultados, o que será positivo para a nossa balança comercial", diz.

Para os operadores portuários, não chegou a preocupar a mudança de opção de alguns importadores, que na emergência da pandemia, trocaram a operação marítima pela aérea. Segundo o presidente do Sindace, como a procura foi acima da capacidade do setor aéreo, a demanda do setor não caiu.

Movimentação cresce

  • A movimentação de cargas dos portos públicos registrou crescimento de 6,6% no primeiro semestre, na comparação com igual período do ano passado. De janeiro a junho, foram transportadas 168,8 milhões de toneladas ante 158,4 milhões de toneladas em 2019. Os dados do Ministério da Infraestrutura refletem as atividades de oito autoridades portuárias que concentram cerca de 80% dos contratos de arrendamentos nos portos nacionais.
  • O maior crescimento foi registrado na Companhia Docas do Pará, com alta de 26,5%, seguida pelo Porto de Suape (16,7%), Portos do Paraná (12,6%), Santos Port Authority (12%) e Emap (5,1%).
  • Entre as cargas, um dos destaques é a movimentação de granel sólido nos portos administrados pela Companhia Docas do Pará, que cresceu 28,5%. No Porto de Suape (PE), a movimentação de granel líquido subiu 22,1%.

Ponto de vista: Desafios e respostas do transporte marítimo em tempos de pandemia

Maricê Léo Sartori Balducci é professor de Logística Reversa e Sustentabilidade no curso Gestão de Logística e Cadeias de Valor, na Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas

Maricê Léo Sartori Balducci, professor de Logística Reversa e Sustentabilidade no curso Gestão de Logística e Cadeias de Valor, na Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas
Foto: Arquivo Pessoal
Maricê Léo Sartori Balducci, professor de Logística Reversa e Sustentabilidade no curso Gestão de Logística e Cadeias de Valor, na Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas

Os últimos meses têm sido intensos e desafiadores para os envolvidos nos processos logísticos do país. No início da pandemia alguns itens de higiene e limpeza chegaram a faltar nas prateleiras, mas a resposta das cadeias de suprimentos veio de forma ágil e rápida, outros segmentos redirecionaram processos de produção aumentando a oferta e regularizando o mercado.
No que concerne aos portos brasileiros, vivem situações bem diferentes em cada um dos seus mercados atendidos. Os com perfis mais ligados a exportação apresentam melhores resultados, os produtos nacionais se tornaram mais competitivos no mercado externo, aproveitando as atuais taxas de câmbio.

As operações portuárias enfrentaram, como tantas outras, dificuldades com o afastamento pela contaminação de trabalhadores, com o atendimento dos protocolos de proteção à saúde e com a necessidade da rápida adaptação dos trabalhos administrativos que passaram a ser feitos de forma remota.

O transporte de cabotagem no Brasil, tem apresentado um crescimento expressivo nos últimos anos. Os armadores dedicados a este tipo de atividade, tem atendido pequenos e médios produtores e consumidores, com serviços porta a porta, com altos níveis de confiabilidade e competitividade, o que motivará segmentos de bens essenciais a estudarem com mais atenção a alternativa do transporte por mar.

Práticas implementadas ou melhoradas como a digitalização dos processos e documentações, automatização de operações, cuidados com a prevenção da saúde, interação entre autoridades, operadores portuários, comunidade e transportadores vieram para ficar.

O importante é que as operações não foram paralisadas, e deve-se ao fato de que as empresas e os trabalhadores dos diversos segmentos enfrentaram e venceram as dificuldades e limitações.

Nada mais oportuno que lembrar Willian MacFee (1881-1966): “O mundo não está interessado nas tempestades que você enfrentou. Quer saber se trouxe o navio”.

Confira todos os episódios do especial

EPISÓDIO 1 - Como a logística mudou com a pandemia do novo coronavírus
EPISÓDIO 2 - A organização da logística para evitar desabastecimento na pandemia
EPISÓDIO 3 - A movimentação cargas que chegam via mar foi intensificada na pandemia
EPISÓDIO 4 - O setor aéreo teve de se adaptar para atender a demanda na crise de Covid-19

O que você achou desse conteúdo?

Cargas que salvam vidas

A logística de transporte ganhou uma nova conotação nesta pandemia. Esta série de reportagens mostra como o segmento vem sendo uma ponte para levar insumos voltados ao combate do novo coronavírus.