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Espaços e histórias que se cruzam: Praça dos Mártires e a Confederação do Equador
Reportagem Seriada

Espaços e histórias que se cruzam: Praça dos Mártires e a Confederação do Equador

Ruas e avenidas da Capital levam os nomes dos revolucionários que participaram do movimento, e que foram condenados à morte e executados na Praça dos Mártires, também conhecida como Passeio Público
Episódio 6

Espaços e histórias que se cruzam: Praça dos Mártires e a Confederação do Equador

Ruas e avenidas da Capital levam os nomes dos revolucionários que participaram do movimento, e que foram condenados à morte e executados na Praça dos Mártires, também conhecida como Passeio Público
Episódio 6
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Conhecida por dois nomes e marcada por um evento histórico, a Praça dos Mártires — também chamada de Passeio Público — fica localizada no coração da Terra da Luz, no bairro Centro. Ela tem esse nome devido à execução dos revolucionários da Confederação do Equador, que posteriormente ficaram conhecidos como mártires.

O movimento era contrário ao autoritarismo de Dom Pedro I e defendia a instalação da república no Brasil, ao invés do império imposto pelo rei de Portugal. A Confederação do Equador é tema do filme Nordeste Insurgente que pode ser acessado com exclusividade no O POVO+

Hoje, ruas e avenidas da Capital, as quais diariamente transitam milhares de pessoas, levam os nomes dos vanguardistas que lutaram bravamente há 200 anos. São elas: av. Carapinima, av. Pessoa Anta, av. Tristão Gonçalves, e a av. Bezerra de Menezes; e as ruas Padre Mororó, Padre Ibiapina e Pereira Filgueiras.

 

Ruas marcadas pela Confederação do Equador em Fortaleza

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A dualidade do nome da praça é resultado de um conjunto de cenárioos históricos. Assim, vale voltar ao surgimento do Centro de Fortaleza: ele se deu ao redor do forte Nossa Senhora da Assunção, onde hoje fica o Comando da 10ª Região Militar.

“O perímetro populacional surge em torno do forte no século XIX, que é o momento em que vai ser construído o Passeio Público. O primeiro bairro da Cidade é o Jacarecanga”, é o que explica o doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e historiador, Airton de Farias.

Praça dos Mártires é mais conhecida como Passeio Público(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Praça dos Mártires é mais conhecida como Passeio Público

O local foi construído próximo ao forte Nossa Senhora da Assunção, antigo Campo da Pólvora, e foi nomeado como Praça dos Mártires pela Câmara de Fortaleza, em 1879.

“Era uma área muito excluída da Cidade, porque estava próxima ao mar. A maritimidade foi muito desprezada durante muito tempo no Ocidente”.

Segundo Airton, o mar é associado à morte, naufrágios e doenças. Nos tempos atuais, ainda é comum ver bairros operários Barra do Ceará, Cais do Porto, Cristo Redentor, Edson Queiroz, Jacarecanga, Meireles, Moura Brasil, Mucuripe, Pirambu, Praia de Iracema, Praia do Futuro, Praia do Futuro II, Sabiaguaba e Vicente Pinzon  e vários trabalhadores — como pescadores — em uma porção litorânea de Fortaleza.

Entre os anos de 1910 e 1920, a elite começa a abandonar o Centro, em virtude do crescimento populacional e da quantidade de pessoas mais pobres que começaram a residir no local. “Isso é a configuração geográfica e histórica de Fortaleza”, complementa.

“Na segunda metade do século XIX, a prefeitura começou a construir ali uma praça, que acabou então ganhando o nome oficial de Praça dos Mártires em referência aos cearenses que foram fuzilados por terem participado da Confederação do Equador”, explica Airton.

Segundo ele, existe uma disputa de memória com o nome da praça, que foi escolhida para lembrar daqueles que participaram do movimento e morreram pela causa.

Detalhe de monumento no Passeio Público(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Detalhe de monumento no Passeio Público

“Só que esse nome não colou porque é um nome associado a uma coisa degradante, né? Morte, execuções, violência. Então para a elite, e para boa parte da população, era mais interessante usar o termo ‘passeio público’, que é um termo associado a uma cidade fortaleza que está crescendo no final do século XIX, uma cidade que está se embelezando”, esclarece.

No final, de acordo com Airton, a disputa permanece entre uma “história mais oficial, que busca exaltar esses cearenses que participaram da Confederação do Equador e o mundo real, que as pessoas buscavam a diversão — o passeio —, o prazer num local de deleite”.

Airton continua: “Geralmente esses movimentos, esses nomes, essa construção de memória de uma cearensidade, ela tem uma preocupação de não mostrar as questões sociais do Ceará, que é um local muito pobre, de não mostrar a violência que foi a formação do Brasil, dentro do ideal de patriotismo que se busca incutir nas pessoas”.

Luminária no Passeio Público no Centro de Fortaleza(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Luminária no Passeio Público no Centro de Fortaleza

“É muito constrangedor lembrar que para o Brasil existir, para que a monarquia existisse, milhares de pessoas, sabe-se lá quantas realmente foram mortas, fuziladas em movimentos, como é o caso da Confederação do Equador. Então nenhum monumento é por acaso, né? Todo monumento tem um sentido de ser”, finaliza.

O historiador e presidente do Instituto Municipal de Desenvolvimento de Recursos Humanos (Imparh), Evaldo Lima, também acrescenta que a nomeação das ruas foi feita de forma estratégica.

No fim do século XIX e início do XX, a Capital passava por um processo de modernização, e os nomes de ruas eram escolhidos para fortalecer uma identidade nacional e republicana.

“O reconhecimento dos heróis da Confederação do Equador fazia parte dessa estratégia, exaltando figuras que simbolizavam resistência ao poder centralizado e incentivando um sentimento de pertencimento à história da cidade”, destaca Evaldo.

Segundo ele, cada rua, praça e avenida carregam não apenas um nome, mas uma identidade, um vestígio do passado que se inscreve no presente.

“Os topônimos urbanos não são meras referências geográficas; são marcas de uma disputa silenciosa entre o esquecimento e a preservação, entre aqueles que a cidade escolheu lembrar e os que tentou apagar”.

 

 

Ruas cruzam nomes de mártires e algozes

Na geografia da Cidade, nomes de mártires da Confederação convivem com aqueles que os condenaram no Centro de Fortaleza.

“Lá está a estátua sem rosto de Bárbara de Alencar, símbolo da luta inacabada. Estão também Carapinima, Padre Mororó, Pessoa Anta, Pereira Filgueiras e Tristão Gonçalves, insurgentes contra o absolutismo", aponta o historiador Evaldo Lima.

"Mas, lado a lado, surgem também os nomes de seus algozes: Costa Barros, o carrasco que ordenou a morte de Pereira Filgueiras; Dom Pedro I, o imperador que condenou Tristão Gonçalves. São ruas paralelas, destinos que nunca se cruzam, exceto nos labirintos de nossa memória", ressalta.

Foto aérea da avenida Tristão Gonçalves(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Foto aérea da avenida Tristão Gonçalves

Evaldo afirma que é possível reforçar ainda mais a memória cultural da Confederação do Equador, pensando em novas iniciativas, como placas informativas, eventos educativos e até intervenções urbanas, para ressignificar esses espaços como locais de aprendizado sobre a trajetória de luta e liberdade.

“O verdadeiro desafio está na educação patrimonial, na sinalização urbana que contextualiza esses personagens, na proteção dos edifícios e marcos que testemunharam suas lutas. Só assim a Cidade deixará de ser um conjunto de placas esquecidas e se tornará um território de memória viva, onde cada passo ecoa o passado e inspira o futuro”, finaliza o historiador.

 

 

O que foi a Confederação do Equador e como o Ceará se juntou à luta?

O sentimento de insatisfação surgia cada vez mais na região de Pernambuco, principalmente pós a dissolução da Assembleia Constituinte e a imposição da Constituição de 1824, um documento que consolidava o poder de D. Pedro I, centralizando-o de forma absoluta no Rio de Janeiro.

Rapidamente outras províncias aderiram à causa, como o Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí e Alagoas.

“Esse novo ordenamento jurídico representava a vitória de um modelo centralizador e autoritário, que favorecia os interesses de uma elite formada por burocratas e comerciantes, muitos deles portugueses, que orbitavam ao redor do círculo íntimo do imperador”, é o que explica o historiador e presidente do Instituto Municipal de Desenvolvimento de Recursos Humanos (Imparh), Evaldo Lima.

 

Assiata ao trailer do filme Nordeste Insurgente

 

Segundo ele, a Confederação do Equador foi, em sua essência, um produto da frustração de grandes latifundiários que viam sua riqueza comprometida pelos impostos elevados e pela concentração de poder no Rio de Janeiro.

Apesar de sua diversidade, a ideia comum que mantinha os confederados unidos era a oposição ao centralismo despótico de D. Pedro e à imposição de uma Constituição outorgada.

Um dos aspectos que determinou que o Ceará se juntasse ao Pernambuco na revolução foi a dependência econômica e política. O vínculo persistiu mesmo após a separação administrativa das duas províncias em 1799.

“Essa influência pernambucana era particularmente forte no Cariri cearense, notadamente no Crato, onde a família Alencar exercia grande liderança política e social”, explica Evaldo. Outro fator que fomentava a insatisfação era o temor da recolonização do Brasil, sentimento reforçado pela presença de tropas e mercenários estrangeiros no País.

O Estado aderiu ao movimento por meio de figuras como Tristão Gonçalves, Padre Mororó, Pereira Filgueiras, Feliciano Carapinima, Pessoa Anta e Bárbara de Alencar.

“A capitania se uniu ao levante iniciado em Pernambuco, proclamando um governo provisório republicano. Tristão Gonçalves foi nomeado chefe do governo no Ceará, mas enfrentou resistência de forças imperiais”, diz o historiador.

Em novembro de 1824, as tropas imperiais esmagaram a insurreição nas diversas províncias nordestinas, resultando na derrota definitiva do movimento.

Detalhe de monumento no Passeio Público(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Detalhe de monumento no Passeio Público

“Os principais líderes da revolta foram alvo de rigorosa punição, orquestrada por um tribunal manipulador, que visava não apenas exterminar os rebelados, mas também enviar uma mensagem de autoritarismo implacável e de castigo exemplar”, acrescenta.

Entre os mártires da revolução, destacam-se figuras como Frei Caneca, em Pernambuco, e Padre Mororó, no Ceará. “Suas execuções simbolizaram a brutalidade do império para com aqueles que ousaram desafiar sua autoridade”, afirma Evaldo.

Após a derrota das forças republicanas, uma Comissão Militar foi instituída no Ceará para julgar todos os envolvidos, e cinco revolucionários foram condenados à morte, sendo eles: Pessoa Anta, Padre Ibiapina, Azevedo Bolão, Padre Mororó e Carapinima. Os rebeldes foram executados no Passeio Público, atual Praça dos Mártires.

Rua Padre Mororó abriga o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs)(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Rua Padre Mororó abriga o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs)

“Hoje, a memória dos rebeldes confederados se espalha nas alamedas do Passeio Público e nas artérias urbanas de Fortaleza, homenageados com nomes de ruas e praças da Cidade”, complementa o historiador.

"Embora a Confederação do Equador tenha falhado em seus objetivos, permanece como um marco na história do Brasil. Ela é um reflexo da luta pela liberdade, pelo direito à autonomia e pela busca de um sistema mais justo para as províncias do País, e antecipa, de certo modo, as tensões que ainda marcariam a história política do Brasil no século XIX”, ressalta Evaldo.

Colaborou Carlos Daniel, especial para O POVO

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