Elas têm entre 11 e 15 anos, mas cada uma tem sua visão sobre a política. “Serve para o bem do povo” ou “ajuda a melhorar a cidade” foram algumas das respostas recebidas para esta reportagem sobre qual seria a serventia das eleições para a população. As meninas opinam com segurança, mas nenhuma tem idade para votar.
O voto é obrigatório no Brasil para a população entre 18 e 70 anos. Em três outros casos é facultativo: para os jovens de 16 a 18 anos; para as pessoas acima de 70 e para analfabetos. Crianças, com menos de 16 anos até o dia das eleições, não podem votar.
Mesmo assim, a não obrigatoriedade e a proibição não impedem esses quatro grupos de se engajarem politicamente e participarem de campanhas e do processo, às vezes, até com mais vigor do quem quer é obrigado a comparecer nas zonas eleitorais.
Segundo a cientista política Paula Vieira, as limitações legais para o voto destes grupos ocorrem por motivos diferentes. No caso dos jovens, o entendimento é de que estão em idade escolar, no processo de formação para o exercício da cidadania, além de, em termos ideais, estarem aprendendo como acessar as informações de origem cidadã, de compreender políticas públicas e as relações entre os poderes.
O voto facultativo de analfabetos também está relacionado às limitações de acesso à informação, e, no caso dos mais velhos, inclui questões de mobilidade. “Acima de 70 anos, há pessoas mais vulneráveis em termos de saúde, de saída de suas casas. Podem ter uma dependência maior, então acaba que o voto facultativo é interessante”, explica a professora da UFC.
No geral, Paula atribui a participação destes grupos, mesmo sem a obrigatoriedade, ao dever cívico e à necessidade de “construir o futuro” da cidade, estado ou país onde vivem. “Se preocupam com as condições da cidade, com o desenvolvimento, com alguma questão específica, pode ser saúde, educação. São pessoas que tem o desejo de construir o futuro”, diz ela.
Os relatos do início deste material são de crianças de dois municípios: Acopiara, distante 362 km de Fortaleza, e Varjota, distante 300,18 km. Os da primeira cidade são alunos de uma escola municipal e os da segunda, membros da Cia Teatral Criando Arte.
Questionadas sobre para que acham que serve a política e as eleições, as quatro meninas divergiram. Vitória, de 11 anos, e Helen Laiane, de 15, citaram a política como meio de melhorar a vida do povo. Maria Eduarda, 14, criticou hábitos de eleitores, que trocariam o voto por benefícios próprios, sem se atentarem às propostas dos políticos.
Maria Isadora, de 9 anos, citou melhorias na pavimentação da rua dela e a instalação de ares-condicionados na escola como exemplos do porquê a política pode ser benéfica.
O retrato de crianças envolvidas com o meio político se intensifica em cidades do Interior, segundo a percepção do coordenador da Cia Teatral Criando Arte e colunista do O POVO+, Mailson Furtado. O escritor enxerga as eleições interioranas como um evento cultural, um espaço de encontro social, especialmente na corrida municipal, com a presença diária dos candidatos.
“Diante disso, é incontornável que toda a cidade se mobilize. O poder municipal rege a vida de todas as pessoas, há um envolvimento familiar. Independente se elas têm ou não idade eleitoral, elas querem participar desta festa. É algo muito espontâneo”, defende Mailson.
Ele mesmo foi um jovem envolvido politicamente. O coordenador elencou que a própria criação da CIA das Artes, em 2006, ocorreu como forma de engajamento para pessoas jovens da cidade, característica que se perpetuou no grupo ao longo dos anos.
A participação política na juventude foi fator constante nas pessoas ouvidas. A cientista política Paula Vieira, por exemplo, também relata momentos da própria infância, quando colecionava santinhos com os amigos de rua.
O material de campanha virava jogo de “bafo”, que consiste em bater com a mão em grupos de cartas empilhadas, com o intuito de virá-las para ganhar a brincadeira. “A gente criava esse universo. Não lembro exatamente de torcemos por algum candidato, mas era a brincadeira”, disse ela.
Segundo Mailson, a participação dos mais jovens, em idade de votar ou não, é foco de atenção especialmente após as redes sociais, nos quais eles mobilizando o debate. “Então precisamos seguir lutando por mais políticas públicas para os jovens, para mantê-los ocupados, na cultura, esporte e na educação”, defende.
Pessoas com mais de 70 anos, ouvidas pelo O POVO+, falaram do ato de votar com fervor. Como algo que farão até o fim da vida: valioso e atrelado a fortes memórias.
Moradora do bairro Aerolândia, em Fortaleza, Juliana Oliveira tem 78 anos e relembra de acompanhar os pais nos primeiros votos. Se considera “teimosa” por não “entender” o processo eleitoral, mas seguir engajada em todas as eleições, porque “tem o direito e a vontade” de participar. “Gosto de saber o que essas novas pessoas que vêm por aí, vão fazer”, comenta, bem-humorada.
Em outros relatos, o simples ato de escolher um representante mais adequado aos ideais de cada um ganha um peso ainda maior. Jaime Libério, 85, e João Gomes da Silveira, 83, são ambos ex-perseguidos políticos, fugidos da cidade de Fortaleza pela perseguição da Ditadura Militar.
Jaime começou na política na Ação Católica, de Frei Tito, e depois, integrou movimentos operários e estudantis. Viveu em Fortaleza até 1974, em certos momentos na clandestinidade, até que fugiu da cidade, voltando 17 anos depois. Já João integrava o Movimento Comunista Internacional (MCI), que ele elenca como meramente “didático”. Também foi secretário de associações. Foi preso em três ocasiões: em 1973 e duas vezes em 1977.
Devido ao Regime Militar, o voto direto para presidente da República contou com um intervalo de 29 anos: quem votou em 1960, retornou às urnas para eleger o chefe do executivo nacional em 1989. Desde então, os três entrevistados relatam que nunca mais deixaram de exercer o voto e seguirão o fazendo: “Enquanto eu me mexer, eu voto”, disse João Silveira.
A participação da pessoa idosa nas eleições, no entanto, diminui, em um cenário de envelhecimento populacional no Brasil. Dados do IBGE indicam que o percentual de pessoas acima de 65 anos cresceu de 7,4%, em 2010, para 10,4% em 2022. Em relação aos eleitores, o TSE apontou que 14.994.822 tem mais de 70 anos. A taxa de abstenção deste grupo, no Brasil, foi de 58,8% nas eleições de 2022.
Segundo Alexandre Alcântara, promotor com atuação na Defesa do Idoso e da Pessoa com Deficiência, a baixa participação da pessoa idosa nas eleições é percebida diariamente pelo atores do Ministério Público do Ceará. O promotor defende que a participação dessa faixa etária deve ser estimulada por meio da implementação de seções eleitorais em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), além da promoção de seminários e campanhas de incentivo.
Essa participação, para Alexandre, pode garantir uma maior visibilidade para as demandas da população idosa. “A partir do momento que você não tem a pessoa idosa como um ator político, os candidatos acabam não apresentando propostas e não tendo nos seus programas as pessoas idosas como sujeito. Precisamos despertar as pessoas idosas para a participação”, defende ele.
Se na Ditadura Militar foram 25 anos sem o direito ao voto direito, para as pessoas que não sabem ler e escrever a proibição durou mais de um século. No período colonial e no Império era permitido a participação de pessoas analfabetas nos pleitos, algo que foi proibido em 1881 e perdurou em todas as constituições até 1985.
A proibição atingia a grande maioria da população. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística apontou que, nos anos 1940 e 1950, mais da metade dos brasileiros não era alfabetizado. Em meio ao processo de abertura democrática, em 1980, o percentual era de 25,5%.
O cenário foi modificado pela Emenda Constitucional nº 25 à Constituição de 1967, cujos moldes permanecem na Constituição atual, de 1988. O voto analfabeto é permitido de forma facultativa, mas essa parcela da população segue sem poder se candidatar a cargos eletivos.
O censo de 2022 apontou que 7% dos brasileiros não sabem ler ou escrever. Dados do Tribunal Superior Eleitoral indicam que, para eleições deste ano, 5.572.448 eleitores (3,57% do total) se declararam analfabetos. No Ceará, o número foi de 460.281, representando 6,64% da população votante.
O grau de instrução pode ser um impedimento na hora de comparecer às urnas, segundo Reginaldo Brandão de Sousa. Com 48 anos, é pai de santo de Umbanda do terreiro Pai Luz de Tupinambá, em Fortaleza. Em conversas com moradores do bairro onde vive, Edson Queiroz, ele diz ouvir reclamações de uma “dificuldade” no processo eleitoral.
“As pessoas dizem: ‘ah, não vou, não sei como é’. Eu até digo que tem os santinhos com os números. Mas elas dizem que é complicado. Tem outros ainda que não sabem assinar o nome e têm vergonha. Eu vejo muita gente falando aqui no bairro”, afirma.
Ele mesmo não sabe ler ou escrever, mas desde que votou pela primeira vez, com 17 anos, afirma não ter faltado a um pleito sequer. Seja no papel ou agora, na urna, segura um santinho, se encaminha à zona eleitoral e vota.
Reginaldo não considera o dia da eleição como o fator mais “complicado” da política, mas sim os quatro anos seguintes. “Você vê, em toda eleição só os ‘homens grandes’ ganham. Não cobro porque eles ganham e somem. Eu também não vou atrás”, comentou.
“Acho que o Governo tem que ajudar as pessoas. No interior também tem muito. Precisam fazer um projeto social só para pessoas que não sabem ler e esquecer para chegar no dia da eleição e ter um apoio”, completou.
Conforme Eduardo Pontes, coordenador de atendimento ao eleitor e cidadania do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), as principais políticas de incentivo à participação de jovens eleitores no processo eleitoral e na política envolvem três fatores. São eles: alistamento nas escolas, programas de educação política para crianças e adolescentes e de facilitar o acesso do jovem ao cadastro eleitoral.
O coordenador elencou, para o idoso, programas de retorno do eleitor, como a disponibilização de uma urna na sede do TRE e visitas às Instituições de Longa Permanência para Idosos – ILPIs. Outro foco é na acessibilidade das sessões, com a presença de “coordenadores de acessibilidade”, pessoas treinadas para retirar barreiras e registar dificuldades dos eleitores.
Quanto ao grupo de pessoas analfabetas, Pontes afirmou que não há “uma política voltada especificamente para isso”, mas projetos de diminuição de dificuldades na hora do voto, como “pescas” e folhas com fotos dos candidatos em cada seção eleitoral.
Alistamento nas escolas com o programa “Eleitor do futuro” e programa de acompanhamento dos alunos nas escolas. O foco é na educação eleitoral e política nas escolas, em termos de propagandas, incentivando o jovem eleitor ao processo democrático. Vistas dos jovens na sede do Tribunal.
Existem programas de retorno desse eleitor que não é mais obrigatório o voto. Eduardo Pontes citou visitas do Tribunal em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs). Quanto à mobilidade, ele afirma que o Tribunal promove palestras, visando sessões cada vez mais acessíveis. Nos locais, há os coordenadores, que ajudam o eleitor com dificuldade.
Não há uma política voltada especificamente este grupo, mas, segundo Eduardo Pontos, há para ensinar a pessoa com dificuldade para o exercício do voto uma atenção especial. Ele citou simulações com a urna eletrônica e, no momento da votação, “pescas” e as folhas com os candifdatos.
Além da participação facultativa dos três grupos citados acima, há dois casos em que o voto é proibido no Brasil: aqueles que não sabem se expressar na língua nacional e os que tiverem os direitos políticos suspensos por sentença já julgada pela Justiça. Presos provisórios podem votar, desde que estejam regulares na Justiça eleitoral.
Demais cidadãos precisam comparecer ao(s) dia(s) da eleição na seção eleitoral selecionada e disponível para consulta no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Basta informar o CPF, data de nascimento e nome da mãe (se constar).
O eleitor deverá apresentar justificativa para o primeiro, o segundo ou ambos os turnos, por meio de uma das opções:
Caso o eleitor não vote e não justifique, deverá pagar uma multa de 3 a 10% do valor do salário-mínimo da região. Se não o fizer, haverá impedimentos, dentre eles: não poderá receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público; não poderá renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; dentre outros.
Para conferir todo o procedimento de votação e justificativa, além das proibições, entre no portal do Tribunal Superior Eleitoral.
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