Dona Mocinha, a matriarca do samba cearense, na Praia de Iracema; Lúcia Simão, a precursora do movimento negro no Ceará, no Jardim Iracema; Valéria Pinheiro, diretora-presidente da ONG Ser Ponte, espalhada através de outras mulheres chefes de família pela periferia fortalezense; e Dora Andrade, fundadora da Edisca, com passos que deram ritmo à vida de meninas e meninos vulneráveis de Fortaleza.
Em comum elas têm o fato de serem mulheres pioneiras, desbravadoras, inspiradoras. Com um olhar sensível para as outras, uma necessidade de se encontrar em coletivo. Apesar de terem vivenciado diferentes épocas e de partirem de diferentes lugares, juntas, elas também contam a história da Cidade.
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Isso porque há lugares que não são necessariamente físicos, mas podem ser encontrados em outras pessoas. Os lugares são, na verdade, as pessoas. Elas estão atadas ao que narram.
As cidades são construídas por muito mais do que concreto: são feitas de gente. O legado dessas mulheres circula pelas ruas da Capital e é contornado por fios quase invisíveis que ligam seus habitantes.
Quando pesquisei sobre Mocinha, conversei com amigos e familiares e li, entre gargalhadas e emoções, o livro “Dona Mocinha”, de Raphaelle Batista, a vontade era de sentar no banco sob os dois pés de benjamim, tomar uma cerveja com ela e ouvir um bom samba. Sem o banco, os benjamins e sem ela, me restou apenas o samba a inspirar “o batuque” (meus dedos no teclado) “dos tantãs” (meus neurônios) durante a escrita do texto.
Lúcia Simão me recebeu com um café caprichado que quase esqueci de tomar — mas ainda bem que lembrei, pois estava delicioso e ela havia prometido por telefone minutos antes de eu sair da Redação para encontrá-la. Mas quase esqueci porque logo que chegamos na sede do maracatu — eu e Fernanda Barros, a fotógrafa que assina as imagens deste especial —, ficamos envolvidas na verdadeira aula que ela havia preparado. O conteúdo? Sua história de vida.
“Algumas dessas suas perguntas foram muito debatidas em terapia porque, de fato, merecem muita reflexão”, disparou, para mim, Valéria Pinheiro. Ela aceitou conversar mesmo na correria de acompanhar a mãe na quimioterapia. Por coincidência, também falei na terapia sobre Valéria — e sobre como a percepção requer envolvimento. Por coincidência, também, a encontrei depois da entrevista. E, claro, como não poderia deixar de ser: era um espaço de luta por direito à cidade.
Fui bailarina quando criança e, ao conhecer Dora Andrade, além de corrigir a postura imediatamente, também fiquei a sentir que já havia lhe conhecido e que estava apenas a reconhecer — como os passos coreografados que ensaiava com encantamento até desistir da dança porque não consegui me equilibrar sobre a sapatilha de pontas. Mas o corpo se acostumou com o movimento e, um pouco como Dora, a paixão pela dança acompanha cada passo.
Foi bonito retratar essas mulheres. As histórias de Mocinha, Lúcia Simão, Valéria Pinheiro e Dora Andrade mostram que não se deve abrir mão do que se acredita, do que faz feliz, do que muda, do que move. Viver, cantar, dançar, amar e se expressar com liberdade são atributos de uma cidade verdadeiramente democrática — e são inerentes também a elas. Boa leitura!
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Série de reportagens apresenta quatro mulheres cujas histórias também contam a história da cidade: Mocinha, Lúcia Simão, Valéria Pinheiro e Dora Andrade — cada uma a sua maneira fez da própria força impulso para transformar o lugar onde vive