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A voz está com E.L.A.S
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A voz está com E.L.A.S

| DIA INTERNACIONAL DA MULHER | Cinco mulheres debatem sobre suas experiências com a maternidade, o trabalho, o amor, o corpo e a menopausa
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Segundo Lídia, maternar é cuidar de vidas, independente de serem filhos ou não (Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Segundo Lídia, maternar é cuidar de vidas, independente de serem filhos ou não

Séculos de luta feminista nos ajudaram a perceber a impossibilidade de falar por todas as mulheres. A compreensão da interseccionalidade do ser-mulher nos coloca em uma ambiguidade tênue entre a experiência universal de dores e felicidades do feminino e a singularidade de vivências ramificadas em raça, etnia, religiosidade, nacionalidade, sexualidade e tantas outras possibilidades da existência humana.

Por isso, o especial E.L.A.S assume a postura do infindável e propõe: não conseguimos falar por ou com todas, mas temos o privilégio de criar um espaço de diálogo em que todas são bem-vindas. Neste Dia Internacional da Mulher, 8 de março, reunimos destaques das cinco entrevistas, publicadas na íntegra na plataforma O POVO (mais.opovo.com.br). Cinco mulheres foram convidadas a falar sobre maternidade, trabalho, amor, corpo e menopausa, na tentativa de apresentar essas experiências como ponto de partida para um debate embasado por dados, empatia, compreensão e verdadeira reflexão sobre o viver da outra.

No conteúdo online, as entrevistas são acompanhadas de artigos de opinião (três em cada episódio), dados relacionados ao tema e o convite desejoso de adesão das leitoras para a nossa ágora digital, a partir de enquetes e o uso da área de comentários das reportagens.

Esta temporada expande-se da primeira, na qual a temática principal foi a liberdade de envelhecer, para abraçar vozes sobre outras questões pertinentes à existência feminina (e humana). A produção do E.L.A.S é totalmente feminina: concebido pela editora do OP , Regina Ribeiro, e coordenado por ela ao lado da editora do OP Fátima Sudário. O conteúdo do especial é assinado pela repórter Catalina Leite, com fotografias da fotojornalista Fernanda Barros e arte da designer Camila Pontes e da editora de Design Cristiane Frota.

Mais do que uma boa leitura, desejamos um ótimo diálogo para nós!

 

 

 

 A maternagem não é coisa só de mulher 

Mães são forças da natureza porque acessam, por vezes de maneira imposta, a habilidade do cuidado. Toda mulher, independente de ter filhos, é ensinada a maternar: os irmãos, os primos, os pais, os doentes e/ou os maridos. É dizer que homens também podem aprender e descobrir em si o zelo pela família.

Para a socióloga Lídia Valesca Pimentel, a lógica neoliberalista se opõe à essência da maternidade, implicando no sofrimento das mulheres-mães e na decisão de muitas a não terem filhos. Para ela, maternar é expandir-se e reconhecer-se em comunidade, conceito rechaçado pelo individualismo. 

 
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Lídia Valesca Pimentel

Cientista social e pesquisadora

É mestre e doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialista em Escrita Literária. Ativista de direitos humanos, é coordenadora da Casa da Sopa, associação de assistência social e defesa de direitos da população em situação de rua. Tem
52 anos, é mãe da Hannah, do Mateo e avó do André.

 

O POVO+ - Quando a senhora virou mãe?

Lídia Valesca Pimentel - Eu sou de 1971 e gosto de dizer isso porque eu acho que a gente tem um efeito geracional muito grande. Eu sou de uma geração que nem era a geração que pensava em casar e ter filhos, se acomodar na vida, como também eu sou da geração que se casou de novo. Eu me casei aos 24 anos e aos 26 anos eu tinha filho. Quando eu olho a geração hoje, pessoas de 30 até de 40 anos sem filhos, porque estão seguindo suas carreiras, seguindo suas vidas, fica muito notada para mim essa diferença de geração.

E eu sou cientista social, fiz graduação, mestrado e doutorado. Enfim, eu cumpri uma carreira acadêmica muito jovem ainda e sendo mãe ao mesmo tempo. Sou uma pessoa que tem um filho que é trans, um rapaz trans de 20 anos, e tem uma mulher de quase 26 anos que já é mãe, então, eu sou avó também, né? E também sou uma ativista social dos direitos humanos.

Isso meio que me levou também para uma condição de pessoa além da vida privada, que tava também para o mundo público. Eu não fui aquela mãe típica. E durante muito tempo eu me perguntava se estava sendo uma boa mãe. Como se fosse aquela culpa materna. Claro, eu tive a sorte de ter um companheiro muito presente também e dividir essa tarefa da maternagem. Então eu começo dizendo que a maternagem não é coisa de mulher. Isso é coisa de quem tem um coração que cuida, então a gente pode imaginar que existem homens que também podem exercer também essa tarefa.

Segundo Lídia, maternar é cuidar de vidas, independente de serem filhos ou não(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Segundo Lídia, maternar é cuidar de vidas, independente de serem filhos ou não

OP+ - A senhora acha que seria correto dizer que todas as mulheres, mesmo não sendo mães, acabam maternando em algum momento?

Lídia - Eu acho que sim, mas isso também é um dado da cultura, não da natureza. Porque se atribuiu às mulheres essa responsabilidade pelo cuidado. A gente vê que existe muita pressão nisso, como um mecanismo também de opressão e de fazer com que essas mulheres estejam sempre fadadas a isso.

Que força social é essa que relega às mulheres o papel de cuidadora, quando não dentro de um sistema que não é igual para todos os gêneros, né? Mas eu faço também a reflexão da importância do cuidado, por isso que eu acho que o cuidado pode vir de qualquer gênero. Os homens também podem cuidar, e quando eles cuidam, eles maternam também. Toda vez que você cuida de alguém, você exerce essa maternagem.

Eu sou muito crítica dessas visões da mulher guerreira. Eu não gosto, sabe? Dizem que eu sou uma mulher guerreira, mas isso trouxe muitas consequências pra minha vida. Muito estresse, muita ansiedade, muitas questões. Mas ao mesmo tempo isso me ajudou a ter muita força, e a força também é um atributo muito importante nas mães. Você precisa ter força para criar, para o parto, para amamentar, para cuidar. Essa força está na espécie humana de modo geral, mas ela acaba aparecendo mais nas mulheres.

Então, quando você opera uma mudança social com mulheres engajadas nela, o potencial de transformação é muito grande. A força delas é maior porque, como esse papel foi socialmente atribuído a ela, ela opera essa energia dela para a criação da própria vida, e a partir daí ela pode transformar o mundo.

 

 

Padrão mesmo é uma mulher comum

O corpo das mulheres é uma constante disputa. Os padrões de beleza flutuam ano após ano, com trends, produtos e as mil e uma possibilidades de intervenções estéticas plásticas. Para além da pressão estética, o corpo feminino também vira campo de batalha quando se discute direitos reprodutivos e a própria definição de gênero.

Se uma mulher rejeita a maternidade (ou melhor, a gestação em si), ela não é "mulher de verdade". E se uma pessoa se entende uma mulher trans, pior ainda, diz a sociedade. A artista cearense Dami Cruz, mulher trans, discorre sobre padrão de beleza, envelhecimento e a máquina que vende corpos impossíveis para as mulheres.

 
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Dami Cruz

Estilista e artista

Figurinista, aderecista e cenógrafa cearense, com 40 anos de experiência em criação e execução de figurinos para as artes cênicas e o audiovisual. Dentre seus trabalhos no teatro destaca-se “A Raposa das Tetas Inchadas”, do grupo Teatro Novo. E no audiovisual, os filmes “O Quinze” de Jurandir de Oliveira, “A Lenda do Gato Preto” de Clébio Viriato, entre outros.

 

O POVO+ - Quando se fala das experiências das mulheres no mundo, a conversa sempre acaba entrando na questão do corpo. Mas o que esse corpo significa de fato?

Dami Cruz - Tem uma coisa imposta no meio disso tudo que é um ideal de beleza construído, fabricado e que nunca responde à realidade de quase ninguém. E nós, mulheres trans, ficamos perseguindo essa referência para ter uma passabilidade trans. O que é isso? É o tanto que eu pareço com a mulher, o tanto que eu convenço para as outras pessoas que eu sou uma mulher cis na minha aparência. Essa cobrança é muito forte, porque muitas de nós às vezes até se mata por conta disso. Não no sentido de suicídio, mas de ficar aplicando produtos químicos, silicone, às vezes de forma clandestina, para ficar mais parecida com uma mulher cis.

E na minha idade, eu tenho 65 anos, fica também essa cobrança da pele que já não é mais a mesma. ‘Ah, ela tá tão estranha, envelhecida… Toda despencada.’ Quer dizer, as cobranças são muitas em cima da figura da mulher, e no caso das mulheres trans a cobrança é muito pesada.

Dami Cruz é figurinista e estilista, tendo suas peças autorais em peças teatrais e outros projetos(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Dami Cruz é figurinista e estilista, tendo suas peças autorais em peças teatrais e outros projetos

OP+ - Existe um medo muito grande de envelhecer, ou melhor, de transparecer que você envelheceu. E eu lembro de uma entrevista sua para o Vida&Arte em que a senhora comenta que a expectativa de vida cis está crescendo, e a trans caindo. Como a senhora vê esse envelhecimento do corpo?

Dami - Na verdade, é quase uma comemoração quando tem uma pessoa trans com a minha idade. A gente fica sendo festejada. ‘Como assim resistiu?’ No meu caso, eu resisti a uma ditadura militar, porque eu era uma gay bastante afeminada, e ainda quis ser artista; depois eu resisti a uma epidemia de HIV/Aids, aí depois eu resisti a uma pandemia de Covid-19 que foi no mundo todo, e, nisso tudo, eu consegui vencer toda uma onda de preconceito.

Quer dizer, esse negócio de envelhecer… Na verdade, eu nunca paro para pensar sobre isso. Eu só sei que eu estou velha porque as pessoas me dizem: ‘Ai, eu te admiro tanto, você chegou aqui!’. Eu fui a um encontro no Museu da Imagem e Som (MIS) e tinha uma menina com 30 e alguma coisa já se achando velha, outra com 40 e alguma coisa também já como uma pessoa madura. Quer dizer, essa menina já tava passando um pouco dessa expectativa de vida das pessoas trans que é de 36 anos.

Eu não tenho nem muito tempo para pensar sobre essa coisa da beleza, porque eu sou artista e tenho muitas ideias, muitos planos e projetos. É claro que o meu corpo já não é mais o que eu tinha há 30 anos, mas essa não é minha preocupação principal. De vez em quando, sim, eu olho no espelho e fico bege: ‘Ai, tá muito murcha, a cara tá muito caída’ (risos). Mas eu não fico pensando sempre que eu estou envelhecendo, envelhecer não tem me feito mal.

Eu acho que eu agora escuto mais, falo menos. A gente quando tem uns 20, 30 anos, quer dar a opinião sobre tudo. Hoje eu já fico mais quieta, entendendo mais. Acho que isso é que a maturidade está me trazendo.

 

 

Sou otimista com a possibilidade de mudança

Com carteira de trabalho assinada ou não, toda mulher é necessariamente uma trabalhadora. Responsabilizadas pelo cuidado do lar, elas trabalham como faxineiras, cozinheiras, cuidadoras, gestoras e em tudo o que estiver pelo caminho. Praticamente nenhuma dessas funções sai da carga horária quando as mulheres entram no mercado de trabalho. E mesmo que saia, nas famílias com mais condições financeiras, são mulheres, majoritariamente negras, as substitutas. 

A ex-ministra e assistente social Matilde Ribeiro discute o cenário do trabalho para as mulheres no Brasil de 2024 e aponta como, apesar dos avanços, a desigualdade segue imensa. Além do gênero, questões de raça e de classe cruzam as mulheres-trabalhadoras que se veem sozinhas, cansadas e desvalorizadas.

 
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Matilde Ribeiro

Ex-ministra e professora na Unilab

Ex-Ministra da Igualdade racial, no período entre 2003 e 2008, e, atualmente, professora na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro brasileira (Unilab). Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e Doutora Honoris Causa pela Fundação Universidade Federal do ABC (UFABC). É colunista do O POVO+.

 

O POVO+ - O que a senhora acha que trabalho significa para as mulheres, considerando o histórico da luta feminista pelo direito a uma carreira?

Matilde Ribeiro - Desde muito cedo, principalmente as mulheres pobres trabalham de maneira remunerada ou não. Com isso, o trabalho se torna um valor fundante da vida. Quando se tornam adultas, a maioria das mulheres estão sujeitas a duplas, triplas jornadas de trabalho, e muitas delas executam o trabalho doméstico de maneira profissional.

Dada a maior importância social histórica colocada para as funções que acontecem no mundo público, o trabalho doméstico é altamente desvalorizado, seja o da dona da casa, seja da empregada doméstica. É extremamente desvalorizado e é o tipo de trabalho que só é percebido quando não é feito. Assim como também as próprias mulheres que executam o trabalho, seja remunerado ou não, têm a percepção de que não trabalham.

Quando você pergunta a uma mulher: ‘Você trabalha?’, e ela fala ‘Não, só cuido da casa’, aí há uma distorção histórica e nenhum interesse em valorizar este tipo de trabalho dentro desse sistema desigual capitalista que nós vivemos. E quando então elas partem da vida em família para o espaço público, vivem isso com muitas dificuldades, porque historicamente não há o preparo para a vida pública e nem a qualificação profissional para essa maioria que estamos falando.

Embora hoje nós estejamos vivendo algumas guinadas. Por exemplo, as mulheres têm maior tendência em permanecer nos espaços de estudo secundário ou mesmo no estudo de nível superior. As tendências mostram que elas estão em maioria nos espaços de trabalho, e em algumas profissões que antes eram consideradas apenas masculinas.

Mas outra questão é que o fato de estudarem, de se qualificarem, seja do ponto de vista do ensino secundário ou superior, não é garantia de melhor posição no mundo do trabalho, né? Ainda existe uma distância muito grande entre o que é trabalho de homem e o que é trabalho de mulher. O que é considerado de maneira irreal, porque todo trabalho pode ser de todo mundo desde que sejam criadas as condições para isso.

 

OP+ - Por que nós ainda temos tanta dificuldade de reconhecer o trabalho doméstico, de legitimá-lo como algo que demanda esforço, expertise…?

Matilde - Bom, são vários os fatores. Primeiro que o Brasil desde os anos 40, 50, deixou de ser um país rural para se tornar um país industrializado, e junto com isso houve uma revolução industrial, no sentido de um aceleramento muito grande do crescimento da indústria em detrimento das outras áreas — e mais recentemente a corrida para automatização. Então está aí o valor do trabalho. Do ponto de vista do desenvolvimento, o trabalho industrial, chamado produtivo, é mexendo com grandes potências de desenvolvimento e crescimento. Isso engole os demais ramos.

Agora tem também outro elemento histórico que não se pode negar, embora o Brasil sempre tenha passado uma borracha em cima disso, que é a herança escravocrata. O trabalho doméstico desde a época da escravidão foi realizada, em geral, pelas mulheres escravizadas, comportando também em algumas áreas homens.

E por ter sido durante séculos feito pelos escravizados, principalmente pelas mulheres negras escravizadas, isso entra para o imaginário social como um elemento de não valia. Tanto é que até hoje, século XXI, a gente vive situações de trabalho análogo à escravidão e uma boa parte dele está no mundo doméstico.

 

 

Ao nosso redor, tudo é amor

O amor é costumeiramente identificado como força motriz das mulheres. Se não no escopo romântico, então na maternidade. O amor feminino é visto como a delicadeza, a gentileza, a ternura… É verdade, o amor move as mulheres. No entanto, a liderança indígena Áurea Anacé dá uma nova faceta ao amor feminino: o feroz de luta.

Representante do povo Anacé, localizado em Caucaia (CE), Áurea fala sobre como o amor pelo território, pela espiritualidade e pelo povo dá sentido e potência à resistência indígena protagonizada por mulheres e jovens, e demonstra que há muito a se aprender com as mulheres que amam vidas, sejam elas humanas ou não.

 
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Áurea Anacé

Liderança indígena

Liderança indígena do povo Anacé, de Caucaia (CE). Áurea representa as mulheres indígenas Anacé e participa como porta-voz de seu povo no ativismo social, participando de eventos como a Marcha das Mulheres Indígenas. É secretária da Articulação de Mulheres Indígenas do Ceará (Amice).

 

 O POVO+ - Áurea, como o amor se materializa para você? Além do amor romântico…

Áurea - Olha, o amor que eu sinto nesse momento é mais pelo território, por isso que vocês estão vendo aqui. A gente luta cada dia mais para que isso não morra, não se acabe. Eu acho que o amor que nós estamos vivendo no momento é de luta, de conquista de tudo que a gente tem do território.

Eu moro aqui com o cacique Roberto, mais quatro filhos e o neto. E eu sou mãe de todo esse povo, né? Que são 26 aldeias localizadas do rio Cauípe ao rio Juá, e eu vivo nessa luta por esse território. Para que essa riqueza não se acabe, porque tem vários empreendimentos tentando destruir isso aqui.

A gente luta pelos rios, pelas lagoas. Tem um amor muito forte por esse território, é daqui de onde essas pessoas, mulheres, tiram o alimento. A gente vive dentro desse contexto, defendendo essa vida, para que as novas gerações tenham um pouco disso tudo que vocês estão vendo.

Áurea Anacé, liderança e uma das representantes do povo Anacé, em Caucaia. A árvore da foto, se encontra em meio à sua terra, ao redor da árvore sagrada de seu povo, onde acontecem os rituais do povo (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Áurea Anacé, liderança e uma das representantes do povo Anacé, em Caucaia. A árvore da foto, se encontra em meio à sua terra, ao redor da árvore sagrada de seu povo, onde acontecem os rituais do povo

OP+ - O que a espiritualidade e a cultura de vocês ensina sobre o amor especificamente?

Áurea - Ao nosso redor, tudo é por amor. Uma árvore dessa, para a gente, um pedaço dela foi um dos nossos antepassados que veio por ela. Se nós temos uma árvore, essa aqui é a nossa árvore sagrada, no meio do terreiro, é onde a gente faz os rituais mais importantes. Os pássaros para nós são importantes, os rios também… A gente tem essa vivência, conquista, e às vezes até perdas.

Então assim, para nós, cada planta dentro desse território tem vida. São vidas que estão aqui dentro. E se eles não podem falar, nós podemos falar por eles; se eles não podem resistir, nós resistimos por eles. É muito importante a nossa vida no território. Se nos tiram do território, tiram um pedaço. E se tiram o território da gente, também se leva outro pedaço.

OP+ - Mas esse já era o seu entendimento sobre o amor desde nova?

Áurea - Eu como era minha irmã mais velha, eu me casei muito nova, né? Tive meu filho com 16 anos e aí passou do tempo e eu fui cuidar dele, depois conheci o cacique Alberto e aí tive o primeiro filho e desde então eu venho acompanhando a luta dele por esse território. Já faz 26 anos, que é a idade do nosso filho mais velho. Há seis anos que eu estou aqui dentro, porque então eu estava lá fora (do território indígena) enquanto eles estavam aqui dentro para fazer a construção.

E aí depois que eu vim conhecer o porquê dele estar aqui dentro, o porquê da luta dele, o porquê ele ficava tão nervoso com algumas coisas que aconteceram e ele não levava muito para a gente…. Foi quando eu realmente eu vim ter todo o conhecimento de toda essa resistência, depois que eu vim morar aqui dentro.

 

 

Na menopausa, quem não tem informação sofre mais

Ao lado de menstruação, menopausa é outra palavra do universo feminino curiosamente mágica, capaz de silenciar todos ao redor. Assim como a primeira menstruação, a menopausa é um momento específico que ocorre, em geral, entre os 45 e 55 anos de idade, em decorrência do gasto total de ovócitos "Como são chamados os óvulos antes de serem fecundados" . A partir dela, a produção de hormônios como o estrogênio vai caindo aos poucos, acarretando sintomas variados, como calorões, fadiga, perda de memória, ressecação vaginal e até depressão. 

O tabu envolvendo a menopausa, no entanto, força as mulheres a se resignarem aos sintomas e a não buscarem tratamentos eficazes, preocupante cenário de saúde pública ao lembrar que a população brasileira está envelhecendo. A médica ginecologista Lúcia Costa-Paiva explica o que é a menopausa, os avanços da Medicina sobre a especialidade e, principalmente, sobre como a sociedade encara o fenômeno e porquê ele é tão temido. 

 
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Lúcia Costa-Paiva

Ginecologista

É presidente da Comissão Especializada de Climatério da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), professora titular de Ginecologia na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp) e coordenadora do Ambulatório de Menopausa - Unicamp.

 

 

O POVO+ - Quando foi que a Medicina começou a estudar, de fato, a menopausa do ponto de vista da saúde da mulher?

Lúcia Costa-Paiva - Como especialidade é uma coisa relativamente nova, digamos que a partir dos anos 1970, o que de fato é bem recente se a gente comparar com o tanto que conseguimos avançar em pesquisa.

As mulheres passavam pela menopausa achando que fazia parte do envelhecimento e que tinha que suportar os sintomas. E isso ao longo dos anos vem mudando, né? Embora ainda exista essa cultura, a gente hoje sabe que não é preciso sofrer. Se realmente os sintomas estiverem incomodando, temos opções terapêuticas bem eficazes, que possibilitam passar pela menopausa de uma forma menos incômoda.

OP+ - O que exatamente é a menopausa? É algo que você vai conviver o resto da vida ou ela é um período de transição que tem vários sintomas?

Lúcia - O período de transição é o climatério. É essa fase assim que a gente parte do período reprodutivo, no qual ela pode engravidar, para a fase não reprodutiva, que dura a vida toda. Esse período não tem uma idade muito fixa, porque é variável de mulher para mulher. Agora, a menopausa significa pausa da menstruação. É um dia na vida dela em que ela teve a última menstruação. Então, menopausa é um evento dentro do climatério.

É como se o climatério fosse a adolescência e, nela, a gente tem a primeira menstruação. É a mesma coisa: dentro do climatério, a gente tem a menopausa. É que na prática a gente acaba colocando a menopausa como se fosse um período, mas aí o correto seria pós-menopausa.

 

 

OP+ - E os sintomas são comuns para todas as mulheres?

Lúcia - Existe um leque de sintomas que conhecemos bem. Agora, o que cada uma vai ter depende muito. Para umas é mais a onda de calor, para outras pode ser mais a parte emocional, psicológica; para outras pode ser mais a parte vaginal… Tem aqueles mais comuns, sim, mas varia um pouco de mulher pra mulher.

E de novo, esses sintomas acontecem durante o climatério. No momento que você começa a ter esses sintomas, eles vão lhe acompanhando. E aí entra a questão de tratar (com tratamento hormonal) se eles forem muito intensos.

A última menstruação acontece por volta dos 50 anos. Essa é a média, mas é considerado normal entre 40 e 55 anos. Quando o ovário começa a dar sinais de falhar, já começam a ter esses sintomas no que a gente chama de perimenopausa, essa fase dos anos que antecedem a menopausa, porque ela não vai parar de menstruar de repente. Ela vai pular um mês, ou a menstruação que é regular fica aí dois, três anos variando… Então algumas mulheres já começam a ter esses sintomas na perimenopausa, e têm aquelas que não conseguem esperar a menopausa porque já está com sintomas fortes e, às vezes, a gente tem que começar a tratar antes.

Os sintomas são mais intensos nos primeiros três, cinco anos de menopausa. Depois eles tendem a durar em média sete anos a oito anos, mas vai ficando mais fácil, com o tempo vai diminuindo de intensidade alguns sintomas, por exemplo aqueles calorões que eu acho que é uma das que mais incomoda. Outros, como a parte vaginal, é ao contrário, com o passar dos anos ele vai piorar.

 

 

A voz dE.L.A.S: artigos de opinião

 

 

 



 

 

 

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