O limiar dos 25 anos é um meridiano do antes e do depois, sobretudo quando o quarto de século que passou contém como episódio deflagrador o 11/9 e como marco de encerramento uma pandemia que matou milhões.
Um novo tempo mergulhado no turbilhão de poeira formada por vidro macerado e metal retorcido, papel picado e restos de memória de quem havia sido consumido nessa queda para o abismo.
Eis uma possibilidade de síntese: atravessados por esses eventos cujos efeitos não cessam de se propagar em todas as direções, foram 25 anos que irão definir os próximos 100, para o bem e para o mal.
Mais de duas décadas depois das quedas das torres, a crise sanitária pelo caminho, o ar contaminado por um patógeno facilmente replicável, tal como os “memes” compartilhados nas redes que combinavam real e mentira, de que se aproveitaram os necropolíticos.
A morte por escassez, numa carência que congestiona as vias respiratórias e bloqueia os fluxos, os orgânicos e os territoriais. A Covid se inscreveu na fisiologia e no imaginário, dificultando qualquer reintegração. O muro voltou a frequentar o vocabulário político.
Essa é a gramática do esgotamento, outra forma de encarar este hiato desde 2001 até aqui: guerras, emergência climática, onda antidemocrática, neomessianismo, insularidade e nova ordem global.
Trump, Bolsonaro e de novo Trump, a despeito das sucessivas acusações criminosas que recaíam sobre o magnata lá e sobre o brasileiro aqui. Também Turquia, Alemanha, França, Portugal e Espanha. Mais que perda de fôlego, a democracia foi sendo atacada em sua legitimidade, desossificando-se aos poucos.
Enquanto isso, Elon Musk, o bilionário-bufão, se ufanava de suas traquitanas tecnológicas que mesmerizavam o mundo na retomada de uma corrida espacial capitaneada por esse híbrido caricato.
Não longe dali, o céu desabava sobre as florestas e os povos originários. Amazônia em chamas, modos de vida em colapso, indígenas caçados a tiros na floresta, numa reedição ainda mais sangrenta da invasão colonizadora de séculos atrás, moto continuum da história local.
Notícias que ocupavam fração diminuta de uma audiência rendida aos feitos do carro elétrico e das excursões civis ao cosmos, da pirotecnia dos lançamentos de foguetes aos estímulos viciantes das plataformas de captura da atenção.
A consequência imediata não poderia ser outra: adoecimento físico e psíquico.
Daí que Oxford, nesse exercício premonitório que se repete a cada temporada, tenha escolhido como palavra do ano uma expressão que designa o consumo excessivo do lixo digital: “cérebro apodrecido”, em tradução livre para o português.
Já não é somente a Terra que perece, mas o corpo, reduzido a suporte de uma máquina de interações em que se converteu o indivíduo. A deterioração como estilo de vida tem nome, embora seu rastro corrosivo já fosse plenamente conhecido, e não apenas para o cérebro.
Sob o signo da patologização do virtual, no qual o humano é posto à prova por IAs treinadas para acelerar a obsolescência programada das coisas e dos viventes, a exigência de rendimento e de performatividade constantes é cada vez mais um imperativo das relações pessoais e de trabalho.
O “aceleracionismo”, per si, é a chave de leitura para esses últimos anos, com toda essa epidemia de ansiedade e de déficit diagnosticada em ritmo inédito.
O que significam, então, esses 25? Foram tão diferentes assim do ¼ de século anterior? Melhores ou piores?
Por inércia, tendemos a considerar todo intervalo temporal como progresso. Difícil escapar dessa ideia atraente de que a linha evolutiva é o princípio que rege a passagem do calendário, mesmo quando os tempos emitem sinais preocupantes, como os de agora.
Noções de avanço, seja no esporte ou na ciência, na economia ou na política, no meio ambiente ou na medicina, na cultura ou na vida urbana, transmitem com excessiva segurança uma conclusão segundo a qual o mundo evolui positiva e inevitavelmente para melhor. Nem sempre é assim.
Talvez este seja um desses pontos de mutação nos quais, a se manter o curso e a velocidade atuais, o Titanic fatalmente irá colidir contra o iceberg.
Para evitar o desastre, convém considerar o que escreveu um pensador italiano do século passado, alguém cuja reflexão se defrontou com problemas semelhantes. Ele sentenciou: “otimismo da vontade, pessimismo da razão”.
Os ensaios aqui reunidos conjugam essa capacidade de conciliar um olhar para as mazelas do início do século com o gesto que remete ao futuro, que é já presente extremo, encurtado tanto pela onipresença online quanto pela necessidade de urgência nas respostas.
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Em clima de reencontro, atravessamos mais um ano e trazemos histórias de personagens que emocionaram, envolveram e encantaram o público em 2024, em reportagens veiculadas nas plataformas do O POVO. São protagonistas da vida cotidiana que encaram passado, presente e futuro