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Ensaios: o intervalo temporal do quarto de século que passou e do que virá
Reportagem Seriada

Ensaios: o intervalo temporal do quarto de século que passou e do que virá

Com o retrovisor ajustado nos primeiros 24 anos do século XXI, jornalistas do O POVO analisam como será e o que espera-se do primeiro quarto de século em conjunto de ensaios
Episódio 5

Ensaios: o intervalo temporal do quarto de século que passou e do que virá

Com o retrovisor ajustado nos primeiros 24 anos do século XXI, jornalistas do O POVO analisam como será e o que espera-se do primeiro quarto de século em conjunto de ensaios Episódio 5
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O limiar dos 25 anos é um meridiano do antes e do depois, sobretudo quando o quarto de século que passou contém como episódio deflagrador o 11/9 e como marco de encerramento uma pandemia que matou milhões.

Um novo tempo mergulhado no turbilhão de poeira formada por vidro macerado e metal retorcido, papel picado e restos de memória de quem havia sido consumido nessa queda para o abismo.

Eis uma possibilidade de síntese: atravessados por esses eventos cujos efeitos não cessam de se propagar em todas as direções, foram 25 anos que irão definir os próximos 100, para o bem e para o mal.

Março de 2020, a Covid-19 chega à Fortaleza. O Instituto Dr. José Frota, junto a toda rede de saúde brasileira, enfrentaria lotações nunca antes vistas(Foto: AURELIO ALVES / O POVO)
Foto: AURELIO ALVES / O POVO Março de 2020, a Covid-19 chega à Fortaleza. O Instituto Dr. José Frota, junto a toda rede de saúde brasileira, enfrentaria lotações nunca antes vistas

Mais de duas décadas depois das quedas das torres, a crise sanitária pelo caminho, o ar contaminado por um patógeno facilmente replicável, tal como os “memes” compartilhados nas redes que combinavam real e mentira, de que se aproveitaram os necropolíticos.

A morte por escassez, numa carência que congestiona as vias respiratórias e bloqueia os fluxos, os orgânicos e os territoriais. A Covid se inscreveu na fisiologia e no imaginário, dificultando qualquer reintegração. O muro voltou a frequentar o vocabulário político.

Essa é a gramática do esgotamento, outra forma de encarar este hiato desde 2001 até aqui: guerras, emergência climática, onda antidemocrática, neomessianismo, insularidade e nova ordem global.

Em 2021, no dia 7 de Setembro, apoiadoes do então presidente Jair Bolsonaro fazem carreata pró-Bolsonaro na avenida Alberto Craveiro, em época de Covid-19(Foto: AURELIO ALVES / O POVO)
Foto: AURELIO ALVES / O POVO Em 2021, no dia 7 de Setembro, apoiadoes do então presidente Jair Bolsonaro fazem carreata pró-Bolsonaro na avenida Alberto Craveiro, em época de Covid-19

Trump, Bolsonaro e de novo Trump, a despeito das sucessivas acusações criminosas que recaíam sobre o magnata lá e sobre o brasileiro aqui. Também Turquia, Alemanha, França, Portugal e Espanha. Mais que perda de fôlego, a democracia foi sendo atacada em sua legitimidade, desossificando-se aos poucos.

Enquanto isso, Elon Musk, o bilionário-bufão, se ufanava de suas traquitanas tecnológicas que mesmerizavam o mundo na retomada de uma corrida espacial capitaneada por esse híbrido caricato.

Não longe dali, o céu desabava sobre as florestas e os povos originários. Amazônia em chamas, modos de vida em colapso, indígenas caçados a tiros na floresta, numa reedição ainda mais sangrenta da invasão colonizadora de séculos atrás, moto continuum da história local.

Notícias que ocupavam fração diminuta de uma audiência rendida aos feitos do carro elétrico e das excursões civis ao cosmos, da pirotecnia dos lançamentos de foguetes aos estímulos viciantes das plataformas de captura da atenção.

A consequência imediata não poderia ser outra: adoecimento físico e psíquico.

Daí que Oxford, nesse exercício premonitório que se repete a cada temporada, tenha escolhido como palavra do ano uma expressão que designa o consumo excessivo do lixo digital: “cérebro apodrecido”, em tradução livre para o português.

Já não é somente a Terra que perece, mas o corpo, reduzido a suporte de uma máquina de interações em que se converteu o indivíduo. A deterioração como estilo de vida tem nome, embora seu rastro corrosivo já fosse plenamente conhecido, e não apenas para o cérebro.

Em janeiro de 2017, açude Cedro, em Quixadá, estava seco: a vista marcante de um cágado no chão rachado, uma canoa velha e ao fundo a pedra da Galinha Choca(Foto: JULIO CAESAR / O POVO)
Foto: JULIO CAESAR / O POVO Em janeiro de 2017, açude Cedro, em Quixadá, estava seco: a vista marcante de um cágado no chão rachado, uma canoa velha e ao fundo a pedra da Galinha Choca

Sob o signo da patologização do virtual, no qual o humano é posto à prova por IAs treinadas para acelerar a obsolescência programada das coisas e dos viventes, a exigência de rendimento e de performatividade constantes é cada vez mais um imperativo das relações pessoais e de trabalho.

O “aceleracionismo”, per si, é a chave de leitura para esses últimos anos, com toda essa epidemia de ansiedade e de déficit diagnosticada em ritmo inédito.

O que significam, então, esses 25? Foram tão diferentes assim do ¼ de século anterior? Melhores ou piores?

Por inércia, tendemos a considerar todo intervalo temporal como progresso. Difícil escapar dessa ideia atraente de que a linha evolutiva é o princípio que rege a passagem do calendário, mesmo quando os tempos emitem sinais preocupantes, como os de agora.

Noções de avanço, seja no esporte ou na ciência, na economia ou na política, no meio ambiente ou na medicina, na cultura ou na vida urbana, transmitem com excessiva segurança uma conclusão segundo a qual o mundo evolui positiva e inevitavelmente para melhor. Nem sempre é assim.

Talvez este seja um desses pontos de mutação nos quais, a se manter o curso e a velocidade atuais, o Titanic fatalmente irá colidir contra o iceberg.

Em agosto de 2023, a celebração da Festa de Iemanjá, na Praia de Iracema (Foto: FERNANDA BARROS / O POVO)
Foto: FERNANDA BARROS / O POVO Em agosto de 2023, a celebração da Festa de Iemanjá, na Praia de Iracema

Para evitar o desastre, convém considerar o que escreveu um pensador italiano do século passado, alguém cuja reflexão se defrontou com problemas semelhantes. Ele sentenciou: “otimismo da vontade, pessimismo da razão”.

Os ensaios aqui reunidos conjugam essa capacidade de conciliar um olhar para as mazelas do início do século com o gesto que remete ao futuro, que é já presente extremo, encurtado tanto pela onipresença online quanto pela necessidade de urgência nas respostas.

 

 

Um quarto de século: entre o que foi e o que virá

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Expediente

  • Edição O POVO+ Catalina Leite e Fátima Sudário
  • Concepção gráfica Gil Dicelli
  • Adaptação gráfica para O POVO+ Cristiane Frota
  • Texto principal Henrique Araújo
  • Ensaios Adriano Queiroz, Afonso Ribeiro, Henrique Araújo, Lara Montezuma, Neila Fontenele e Sara Oliveira
  • Fotografia Aurélio Alves, Fábio Lima, Fernanda Barros, FCO Fontenele e Júlio Caesar
  • Recurso digital Catalina Leite e Wanderson Trindade
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