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Há 10 anos, motim de policiais derrotou governo e reinventou oposição no Ceará
Reportagem Seriada

Há 10 anos, motim de policiais derrotou governo e reinventou oposição no Ceará

Na virada de 2011 para 2012, o Ceará parou com medo da violência, enquanto policiais militares paralisaram as atividades. Aquele movimento afetou os indicadores da segurança pública, projetou políticos, afetou governos e até hoje ecoa no Ceará
Episódio 1

Há 10 anos, motim de policiais derrotou governo e reinventou oposição no Ceará

Na virada de 2011 para 2012, o Ceará parou com medo da violência, enquanto policiais militares paralisaram as atividades. Aquele movimento afetou os indicadores da segurança pública, projetou políticos, afetou governos e até hoje ecoa no Ceará
Episódio 1
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No último dia 6 de dezembro, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, foi entrevistado na rádio O POVO CBN e o assunto mais quente foi o motim de policiais militares ocorrido no Ceará em fevereiro de 2020. Moro visitou o Estado na época e, na entrevista este mês, considerou que o governador Camilo Santana (PT) destruiu as pontes que poderia haver com os manifestantes. O governador reagiu: "Compactuar com atos criminosos, jamais!"

Na eleição para prefeito, em 2020, motim policial já foi tema central em Fortaleza. O embate entre Moro e Camilo indicou que também nas eleições de 2022 o tema estará presente. Até porque é pré-candidato a governador o deputado federal Capitão Wagner (Pros). O motim de 2020 tem suas raízes bem antes. Ele começa no sucesso obtido em outra paralisação de policiais militares, ocorrida há dez anos, na virada de 2011 para 2012.

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Foi aquele motim que projetou Capitão Wagner como um dos protagonistas na política estadual. Ele mudou a segurança pública no Estado, com impacto direto nos indicadores. Mudou a relação, até hoje tumultuada, entre governos e polícias no Ceará. Marcou a trajetória de poder do grupo Ferreira Gomes. Construiu um novo campo de oposição, que pretende em 2022 chegar ao comando do Estado.

Aquele movimento teve uma diferença crucial em relação aos outros dois que ocorreram no Ceará, o de 1998 e o de 2020. O de 2011 para 2012 foi o único em que os amotinados saíram vitoriosos.

 

 

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Conseguiram incorporação de gratificação aos vencimentos, redução de carga horária de 44 horas semanais para 40 horas semanais e anistia aos participantes do motim. Outras pautas ficaram para ser negociadas depois, relacionadas a promoções, hora extra a quem trabalha no Interior e auxílio-alimentação.

Anistia total foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela presidente Dilma Rousseff (PT) em 2013, e beneficiou policiais amotinados de 17 estados e Distrito Federal. No Ceará, ao menos 350 policiais processados pelo Ministério Público foram favorecidos. A lista dos que respondiam a inquérito, com ou sem indiciamento, chega a 1,2 mil militares.

Chama atenção que tenha havido anistia em paralisações em 18 unidades da federação. O sucesso dos movimentos fazia com que a forma da manifestação ilegal se propagasse. E foi assim que os resultados obtidos em 2012 — e ainda mais a vitória política — estimularam os policiais a parar em 2020.

Muitos dos que participaram deste último nem eram policiais ainda em 2012. Mas, conheciam a história, admiravam o levante de dez anos atrás. Nutriam a ideia de que, se quisessem, poderiam obrigar o governo a atender qualquer reivindicação que tivessem. Intimamente, muitos queriam participar de um movimento como o que se deu há uma década.

Em 2020, o tratamento foi outro. Mais de 300 policiais foram denunciados e já houve expulsões, outras punições e investigações prosseguem.

O motim de 2011/2012 teve grande repercussão política. Principal líder, Capitão Wagner era suplente de deputado estadual. Naquele ano, se tornou o vereador mais votado da história de Fortaleza. Em 2014, foi o deputado estadual mais votado da história do Ceará. Em 2016 e 2020, disputou o segundo turno das eleições da a prefeito da Capital. Desde 2019, é deputado federal, mandato para o qual foi o mais votado do Estado.

 

 

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Outro que se projetou foi Cabo Sabino, também um dos líderes do movimento. Em 2014, foi eleito deputado federal. Mas, não se reelegeu em 2018. Em 2020, voltou a liderar o motim. Porém, com o fracasso do movimento, não houve os mesmos benefícios políticos. Candidato vereador na eleição daquele ano, Sabino teve 2.589 mil votos e não se elegeu. Em 2021, foi expulso da Polícia.

Outros líderes do movimento pelo Estado também se deram mal. Sargento Ailton (MDB) teve 1,4 mil votos para vereador em Sobral e não foi reeleito. Um soldado que chegou a ser preso após publicar ofensas contra Camilo Santana (PT) e oficiais do alto escalão da Polícia Militar teve votação ainda menor em Fortaleza, com 400 votos.

O que se repetiu entre os movimentos tanto de  2011/2012 quanto de 2020 foi o impacto nos indicadores de segurança pública.

Em 2012, os homicídios no Estado tiveram aumento de 32,9%. Só em 2019 os indicadores retornaram a patamar igual ou menor que o que tinha em 2011. E aí, em 2020, houve o novo motim. Naquele ano, o aumento dos homicídios foi de 78,9%, o maior já registrado na história.

 

Crimes violentos letais intencionais no Ceará

 

Em 2020, entre os dias 19 de fevereiro e 1º de março, período no qual durou o motim iniciado no fim da tarde de 18 de fevereiro, foram assassinadas 312 pessoas no Ceará. Naquele mês de fevereiro, houve 456 homicídios, crescimento de 178% em relação ao mesmo mês de 2019.

Uma década após a paralisação de trabalhadores de maior impacto político na história do Ceará, os jornalistas do O POVO Cláudio Ribeiro, Demitri Túlio e Henrique Araújo, que participaram da cobertura dos dois motins, analisam os impactos que perduram até hoje na política e na sociedade.

LEIA AS ANÁLISES |

Cláudio Ribeiro: Sobre 2012 - e também 1997, 2020 e 2022

Henrique Araújo: Motim de 2012 — repercussões políticas

Demitri Túlio: Novos políticos tradicionais

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