Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
Um ano atrás, no fim da tarde de 18 de fevereiro de 2020, mulheres de policiais militares tomaram o 18º Batalhão de Polícia Militar, no Antônio Bezerra. O local foi cercado pelo Batalhão de Choque e começou ali o mais longo motim da história da Polícia Militar do Ceará. O primeiro havia sido em julho de 1997 e durou dois dias e meio. O segundo, na virada de 2011 para 2012, durou seis dias. O do ano passado durou 13 dias. Os acontecimentos influenciaram drasticamente a política no Ceará e a segurança pública. Se não tivesse ocorrido o "detalhe" da pandemia — e se fosse possível imaginar o ano passado sem esse acontecimento primordial — creio ser muito provável lembrarmos de 2020 no Ceará pelo motim de policiais. Obviamente, com a pandemia tudo mais virou subtema.
A eleição municipal em Fortaleza teve no motim talvez o tema central. Foi o mote para o governador Camilo Santana (PT) entrar no debate. O partido dele lançou como candidata Luizianne Lins, contra a vontade dele, que queria apoiar José Sarto (PDT). Porém, a candidatura petista criava impedimento legal. Ele dava todas as sinalizações possíveis de simpatia pelo pedetista, mas pedir voto e entrar na campanha ele não podia. Encontrou a brecha justamente nesse tema, ao confrontar Capitão Wagner (Pros), que dizia não ter apoiado o movimento. A eleição foi decidida a favor de Sarto e contra Wagner por diferença de 3,38 pontos percentuais dos votos. Não fosse o motim, e a forma como o popular governador do Ceará entrou na campanha contra o Capitão, o resultado seria outro? Impossível garantir que sim, ou que não.
O então secretário da Segurança Pública, André Costa, que tinha na interlocução com a tropa sua maior força, ficou enfraquecido e deixou o cargo em setembro.
A questão é: por que o motim aconteceu? O estopim foi proposta de reestruturação salarial dos policiais. O momento já era de dificuldades na economia e a maioria das categorias não tinha reajuste algum. E isso piorou muito de lá pra cá. O governo pensava que seria uma festa na tropa. Longe disso. Os policiais ficaram insatisfeitos com o parcelamento dos ganhos ao longo de três anos, com a diferença entre o que foi oferecido para diferentes patentes, com o percentual geral de reajuste.
Para além das razões objetivas, entendo que houve outra motivação para o motim. Ouvindo os participantes do movimento, eu percebia uma mitologia em torno do movimento de 2012. Naquela época, os policiais conseguiram uma considerável vitória. Que no imaginário ficou até maior que a conquista real. A Cidade entrou em colapso e o Governo do Estado protagonizou o que ficou na história como ato de rendição. Pelo gesto e pelo fiasco na comunicação com a sociedade.
Ficou, então, na cabeça dos policiais a ideia de que eles poderiam forçar o governo a qualquer coisa que quisessem, bastava parar. Isso era a ideia até de quem nem fazia parte da Polícia em 2012. A proximidade de uma eleição na qual um policial era candidato a prefeito foi combustível para o movimento. O cenário de Jair Bolsonaro no Governo Federal, a quem muitos participantes não escondiam apoio, estimulou o enfrentamento contra o governador petista. Muitos acharam que era hora de voltar a usar o "instrumento infalível", embora ilegal. E houve entre os líderes os que vislumbraram ganhos eleitorais para eles próprios. Deram-se mal como regra.
Ocorre que Camilo, embora aliado, agiu de forma diferente de Cid. O movimento foi levado ao esgotamento. Foi uma derrota política para os líderes e para a categoria. Para a sociedade também. O crescimento do número de homicídios em 2020 foi o pior da história. A situação saiu do controle na segunda metade de fevereiro e nunca mais voltou a patamar civilizado.
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