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Ceará tem aumento de 1,8ºC na temperatura do ar: entenda efeitos para além da sensação térmica
Reportagem Seriada

Ceará tem aumento de 1,8ºC na temperatura do ar: entenda efeitos para além da sensação térmica

| EXCLUSIVO | Estudo da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) identificou a incidência do aquecimento médio do Estado nos últimos 63 anos, além de uma alta de 0,3ºC a cada década. O cenário é influenciado pelo aquecimento da atmosfera em virtude da emissão de gases causadores do efeito estufa
Episódio 4

Ceará tem aumento de 1,8ºC na temperatura do ar: entenda efeitos para além da sensação térmica

| EXCLUSIVO | Estudo da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) identificou a incidência do aquecimento médio do Estado nos últimos 63 anos, além de uma alta de 0,3ºC a cada década. O cenário é influenciado pelo aquecimento da atmosfera em virtude da emissão de gases causadores do efeito estufa
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O aquecimento da atmosfera vem sendo discutido ao longo dos últimos anos, e os impactos chegam cada vez mais rápidos no mundo. Um estudo realizado pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), divulgado com exclusividade ao O POVO no dia 17 de setembro, identificou que o Ceará teve um aumento de 1,8ºC na temperatura média do ar nos últimos 63 anos.

No período de 1961 a agosto de 2024, a média saiu de 26,4ºC para 27,3ºC. Também foi identificado que a cada década — dez em dez anos —, houve um incremento de 0,3ºC na temperatura média do ar no Estado. Os períodos observados revelaram os seguintes valores: de 1961 a 1970 a média era de 25,95ºC; 1971-1980 (25,8ºC); 1981-1990 (26,35ºC); 1991-2000 (26,4ºC); 2001-2010 (26,55ºC); 2011-2020 (27,2ºC) e de 2021 a agosto de 2024 (27,3ºC).

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Para chegar aos resultados da pesquisa Análise de Tendência da Temperatura do Ar no estado do Ceará, foram utilizados dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas em Médio Prazo (ECMWF), além da própria instituição cearense. Com base nos dados, foi realizada a média anual de temperatura para todo o Estado.

Temperatura média do ar no Ceará entre 1961 a 2024

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Temperatura média do ar no Ceará a cada década 

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De acordo com o doutor em Meteorologia e pesquisador da Funceme, Francisco Vasconcelos Júnior, responsável pela elaboração do estudo, para analisar a série histórica anual de temperatura média do ar foi utilizado o teste de tendência de Mann-Kendall. "Ele é baseado em identificar tendências monotônicas em séries temporais, sem pressupor uma distribuição específica dos dados. Ele verifica se há uma tendência significativa de aumento ou diminuição ao longo do tempo", explica.

Ainda segundo Júnior, o fato é que a tendência das temperaturas, principalmente as máximas e as temperaturas médias, estão aumentando. "Às vezes, a gente não percebe, mas ao longo do tempo, vamos observando sempre aquele abafado, aquela temperatura mais alta, e é fruto sim desse aquecimento”, diz Júnior.

Francisco Vasconcelos Júnior, doutor em meteorologia, pesquisador da Funceme e um dos coordenadores do estudo Análise de Tendência da Temperatura do Ar no estado do Ceará(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Francisco Vasconcelos Júnior, doutor em meteorologia, pesquisador da Funceme e um dos coordenadores do estudo Análise de Tendência da Temperatura do Ar no estado do Ceará

O estudo alerta para uma tendência no aumento da temperatura média do ar em uma escala de 0,2ºC a 0,3ºC por década. Durante o período analisado, foi identificado que os anos de 1983, 1993, 1998, 2016 e 2021 registraram temperaturas médias elevadas no Ceará: 27,6ºC, 27,7ºC, 27,4ºC, 27,6ºC e 28,5ºC, respectivamente.

Glícia Garcia, bolsista de transferência tecnológica do Programa de Pesquisa em Ciências Ambientais, incluindo meteorologia e seus impactos nos setores de recursos hídricos, agricultura e energias da Funceme, que participou do estudo Análise de Tendência da Temperatura do Ar no Ceará.(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Glícia Garcia, bolsista de transferência tecnológica do Programa de Pesquisa em Ciências Ambientais, incluindo meteorologia e seus impactos nos setores de recursos hídricos, agricultura e energias da Funceme, que participou do estudo Análise de Tendência da Temperatura do Ar no Ceará.

O pesquisador da Funceme afirma que os períodos estavam sob o efeito de El Niño, fenômeno climático de aquecimento das águas do oceano pacifico, com exceção de 2021, que foi um ano de La Niña, fenômeno de resfriamento anormal das águas. “Ele [El Niño] tem uma capacidade intensa de modificar a temperatura em nível global. Anos de El Niño tendem a ter um impacto bem marcado na temperatura com o aumento mais elevado, não só no Ceará, mas em todo o continente de forma geral.” 

Outros efeitos característicos durante as altas temperaturas são o surgimento das ondas de calor, eventos climáticos caracterizados por temperaturas extremas.

A mestre em meteorologia Glícia Garcia, bolsista de transferência tecnológica do Programa de Pesquisa em Ciências Ambientais, incluindo Meteorologia e seus impactos nos Setores de Recursos Hídricos, Agricultura e Energias da Funceme, que participou do estudo, explica que as ondas de calor são caracterizadas por períodos com temperaturas de três a quatro graus acima da média, com no mínimo de três a cinco dias consecutivos com temperaturas elevadas em pelo menos 25% de uma região.

A pesquisa observou que o ano de 1998 foi marcado por 15 eventos de ondas de calor no Ceará. Na época, a maior duração do evento aconteceu entre 6 de abril e 8 de maio, com 33 dias consecutivos de temperaturas extremas. As maiores intensidades dos eventos foram de temperaturas de 37,1°C em 1998, além de 36,9°C e 36,6°C em outubro de 1997 e dezembro de 2019. O registro mais recente aconteceu em outubro do ano passado, quando o Estado teve 16 picos de temperatura igual ou superior a 40°C.

 

Quantidade de dias com onda de calor por década (1974 a 2023)

 

De acordo com Glícia, as mudanças climáticas e o aumento das temperaturas favoreceram o surgimento das ondas de calor nas regiões. Ela destaca que os acontecimentos foram observados, principalmente, no segundo semestre, entre Agosto e Dezembro. "Durante a transição do inverno e primavera há um aumento desses eventos por serem períodos mais secos, devido a pouca nebulosidade, e por ter muita disponibilidade de radiação solar nesse período", explica.

A publicação também traz o aumento dos dias com ondas de calor nas últimas décadas em todo o Ceará. Os eventos tiveram uma concentração na região central e Sul do Estado, principalmente na parte noroeste do Sertão Central e Inhamuns. O litoral, por sua vez, foi a região que sofreu menos impactos das ondas de calor em relação às demais áreas do Estado.

Segundo Júnior, isso acontece porque o litoral é a região mais próxima do oceano, que estabiliza as temperaturas. “Quando você vai para dentro do Estado, você está mais próximo de um clima de deserto. São altas temperaturas durante o dia, e à noite você tem uma rápida diminuição. O litoral é muito associado ao oceano. Ele absorve muita energia em forma de calor e vai liberando isso ao longo da noite. Então, você tem uma temperatura mais estável”, explica.

Ondas de calor combinadas a secas podem resultar no aumento de incêndios florestais, impactando na degradação do solo(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Ondas de calor combinadas a secas podem resultar no aumento de incêndios florestais, impactando na degradação do solo

O especialista afirma que a análise estatística dos dados foi realizada olhando a evolução desde o primeiro ano até o último ano, onde foi observada a tendência de aumento das temperaturas médias em 0,3ºC a cada dez anos. Ele destaca que mesmo em anos mais quentes e outros mais frios, há um aumento contínuo da temperatura média do ar.

“A gente fica falando em média porque não dá pra afirmar que um ano tal estava acima de tanto, o ano tal não. A gente faz uma avaliação. É algo que é uma tendência positiva não só no Ceará, é algo global”, salienta Júnior. Ainda na avaliação do especialista, a tendência dos próximos anos é de eventos severos com temperatura de 38 ou 39ºC acontecendo em vários dias consecutivos. “Nós teremos isso sendo observado no Ceará”, pontua.

O estudo revela que, assim como no mundo, o Ceará está aquecendo por conta do aumento dos gases causadores do efeito estufa, que pioram o aquecimento global, e os impactos são registrados para além da sensação térmica. No Ceará, o semiárido, que corresponde a 92% do território, é o que mais sofre com a variabilidade do ar e, consequentemente, com as mudanças climáticas e os efeitos das altas temperaturas.

 

 

Os impactos no semiárido cearense: de secas prolongadas a perda de plantações

A variabilidade e, principalmente, o aumento das temperaturas no Ceará têm impactos para além do desconforto térmico, em outras palavras, vão além daquela sensação de abafado durante o dia. As mudanças são observadas, sobretudo, no semiárido cearense com a perda de plantações e registro de secas mais prolongadas.

O impacto acontece em virtude dos solos que são danificados com aumento da temperatura média do ar. De acordo com especialistas, o semiárido cearense é considerado o principal afetado pelo aumento da temperatura média do ar. O Ceará possui cerca de 92% território composto por regiões semiáridas, com 184 municípios característicos do clima.

Nos locais, as altas temperaturas podem causar estresse nas culturas, reduzir a produtividade e afetar a qualidade das plantações e colheitas, além do calendário agrícola. Além disso, a evolução das temperaturas aumentam a taxa de evaporação, o que pode intensificar as condições de seca, onde o solo e a vegetação perdem mais água porque a temperatura está mais quente e a superfície não consegue esfriar.

Aumento da temperatura do ar impacta nas plantações cearensesem virtude de solos danificados e secas mais prolongadas no Ceará(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Aumento da temperatura do ar impacta nas plantações cearensesem virtude de solos danificados e secas mais prolongadas no Ceará

À medida que as temperaturas continuarem subindo, os efeitos se tornarão mais sérios, principalmente no setor agrícola, é o que avalia o coordenador do curso de Mestrado Profissional em Climatologia (MPClimatologia) da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o meteorologista Emerson Mariano da Silva.

“A produção diminui e os preços aumentam, além da qualidade de frutas e verduras que são afetadas, principalmente na agricultura familiar, que depende essencialmente das condições climáticas e da disponibilidade hídrica nas regiões que produzem esses alimentos”, exemplifica.

O estudo da Funceme também traz um alerta, salientando que as ondas de calor combinadas com condições de secas podem levar ao aumento de incêndios florestais e à degradação do solo, afetando a fertilidade da vegetação.

O ano de 1998 foi marcado por 15 eventos de ondas de calor, de acordo com o estudo da Funceme(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE O ano de 1998 foi marcado por 15 eventos de ondas de calor, de acordo com o estudo da Funceme

O documento exemplifica os impactos a partir de um estudo que mostra a influência do aumento da temperatura nas culturas de milho e feijão no estado do Ceará entre 1981 a 2015. Nas observações, foram identificados um aumento nas temperaturas máximas e mínimas e na evapotranspiração, principalmente na parte central do Estado.

Eles observaram redução nas áreas plantadas e na produção de feijão e milho, principalmente na parte oeste do Ceará. Ainda segundo Emerson, a vegetação nativa do Estado pode se perder por não se adaptar à variabilidade climática, necessitando de ações de controle da temperatura para evitar as perdas extremas nas regiões.

 

 

Queimadas, desmatamento e urbanização: a emissão de gases associados ao efeito estufa no Estado

“Quanto mais CO2 [gás carbônico] estiver na atmosfera, mais o mundo vai esquentar”, diz o cientista do clima e professor do MPClimatologia da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Alexandre Costa. O especialista destaca que as atividades humanas vêm aumentando consideravelmente a emissão dos gases do efeito estufa e, consequentemente, deixando o Estado cada vez mais quente.

Dentre as atividades, destacam-se o desmatamento, as queimadas e o processo de urbanização. A pesquisadora da Funceme Glícia Garcia reitera que o uso e cobertura do solo pode ser um dos principais fatores para o aumento da temperatura. "O aumento de áreas urbanizadas e o desmatamento podem contribuir para o aumento da temperatura local", afirma.

Alexandre Costa tem doutorado em Ciências Atmosféricas pela Universidade do Colorado (EUA) e pós-doutorado por Yale (EUA). É professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e um dos grandes especialistas no tema da mudança climática(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Alexandre Costa tem doutorado em Ciências Atmosféricas pela Universidade do Colorado (EUA) e pós-doutorado por Yale (EUA). É professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e um dos grandes especialistas no tema da mudança climática

Em 2023, o Estado teve um aumento de 28% no desmatamento em comparação ao ano anterior, saindo 23.434 em 2022 para 32.486 hectares (ha) de terra desflorestados no ano passado. Atualmente, o Ceará é a 14º unidade federativa que mais desmata no Brasil, com 12.224 ha desmatados neste ano. Os dados são do MapBiomas Alerta. 

Em relação aos pontos de queimadas, o Ceará registrou, neste ano, até segunda-feira, 30 de setembro, 986 focos de queimadas em vegetação. O Estado teve uma redução de 7%. No mesmo período no ano passado, a região teve 1.016 focos, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima (OC), em 32 anos, de 1990 a 2022, foi observada uma redução de 36% da emissão de CO2 no Ceará, saindo de 35 milhões de toneladas de CO2 para 22 milhões. Apesar da redução, o cenário ainda é de alerta, principalmente pela tendência do aquecimento no Estado.

El Niño e La Niña influenciaram nas mudanças de temperaturas no Ceará(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE El Niño e La Niña influenciaram nas mudanças de temperaturas no Ceará

Alexandre ressalta que a queima de combustíveis fósseis — carvão, petróleo e gás — vem se destacando na região. “No Ceará, juntando as termelétricas com o uso de combustíveis no transporte, isso supera as emissões do uso da terra e também da agropecuária. Estamos mais próximos do cenário do mundo em relação à emissão, que é através da queima de combustíveis fósseis”, alerta. 

O coordenador do mestrado em Climatologia da Uece reforça que o debate sobre as mudanças climáticas é antigo e que as consequências estão sendo cada vez mais observadas, o que, no entanto, poderia ter sido evitado.

“Grupos de pesquisas falaram das discussões, mas não chegaram à sociedade de forma efetiva. As informações chegaram para os tomadores de decisão, e parece que [eles] não acreditaram e pagaram para ver. Apenas hoje tem uma preocupação do mundo inteiro para tomar medidas de mitigação”, comenta Emerson.

Estudo alerta para uma tendência no aumento da temperatura média do ar, com indicativo de temperatura mais quente nos próximos anos(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Estudo alerta para uma tendência no aumento da temperatura média do ar, com indicativo de temperatura mais quente nos próximos anos

Ainda segundo o especialista, é preciso seguir as orientações dos especialistas para frear as consequências do aumento das temperaturas médias do ar. Alexandre reitera as ações de mitigação para diminuir os impactos, como acordos climáticos. Dentre eles, o Protocolo de Montreal, tratado internacional aplicado em 1982 que buscou proteger a camada de ozônio.

O acordo buscou eliminar a produção e consumo das substâncias responsáveis por sua destruição (SDO), como o uso de gases clorofluorcarbonetos (CFCs), hidroclorofluorcarbonos (HCFCs) e semelhantes. Na época, a adoção das medidas determinadas pelo protocolo possibilitou diminuir as emissões e eliminar 98% dos gases danosos ao ozônio no mundo.

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