O que a imperatriz Maria Leopoldina, a primeira brasileira a se formar em Ciências Naturais, e uma escola de samba têm em comum? Resposta: um dinossauro!
E não é qualquer dinossauro, mas uma nova espécie de terópode abelissaurídeo brasileiro que, na avaliação do diretor do Museu Nacional (MN/UFRJ) Alexander Kellner, pode ser uma das principais descobertas da última década na paleontologia do País. Isso porque a descrição do animal abre um leque de questionamentos sobre a evolução dos terópodes, um grupo de dinossauros bípedes e principalmente carnívoros.
Mas já, já falamos sobre isso. Primeiro, vamos conhecer a protagonista dessa história.
A Berthasaura leopoldinae foi escavada entre 2011 e 2014, no município de Cruzeiro do Oeste (PR), em uma região conhecida como Cemitério dos Pterossauros.
Lá, os paleontólogos encontraram fósseis muito bem preservados do crânio, cauda, coluna vertebral e pélvis do espécime, com datação aproximada de 70 a 80 milhões de anos.
Pelos ossos, foi possível identificar que o animal era jovem, medindo um metro de comprimento e, provavelmente, cerca de 80 centímetros de altura.
De acordo com o geólogo Luiz Weinschütz, do Centro Paleontológico da Universidade do Contestado (Cenpaleo), a boa preservação dos fósseis ocorreu pelas condições climáticas da época de Berthasaura. O que hoje é uma região com temperatura mais fria (pergunte a qualquer paranaense), no período Cretáceo superior era um local de clima árido, com poucas áreas úmidas e tendências de se criar oásis.
O
Também foi a segunda mulher no País a assumir um cargo público, no Museu Nacional, e organizou o Primeiro Congresso Feminista do Brasil, em 1922. O currículo é grande, mas aqui vai uma demonstração da influência de Bertha: fez parte da conferência que fundou a Organização das Nações Unidas (ONU).
Já o
O nome ainda acaba homenageando a Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense, que em 2018 levou para a avenida o enredo Uma Noite Real no Museu Nacional. No mesmo ano, comemorava-se o bicentenário da instituição.
A Berthasaura faz parte de uma família de dinossauros chamados terópodes abelissaurídeos. Eles são bípedes, específicos do
Diferente dos companheiros da família, a Berthasaura é banguela — ou edêntulo, em termos científicos. "É o abelissaurídeo mais completo do Brasil e um dos terópodes mais completos. Mas o crânio (em formato de bico) é peculiar", explica Geovane Souza, que desenvolveu a pesquisa para a tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Zoologia do Museu Nacional/UFRJ.
A ausência dos dentes é tão incomum no grupo que Geovane confessou até questionar a classificação de Bertha. Bem no começo, ele acreditava que ela era um ornithomimosauro, dinossauros parecidos com as aves modernas. Mas cada vez mais que ele olhava para o fóssil, ficava se perguntando como iria explicar cientificamente que ela fazia parte desse grupo...
Então ele revisou, analisou tudo de novo e fez uma microtomografia computadorizada. E era isso mesmo, havia nenhuma evidência de dentes em um abelissaurídeo. "É o primeiro dinossauro edêntulo da América do Sul", reparou Geovane. A ficha caiu na pergunta seguinte: então o que a Berthasaura comia?
A partir de agora, os paleontólogos têm um leque de questionamentos para investigar. Pelo visto, a perda de dentes entre os terópodes era mais frequente do que se imaginava até então. Algumas outras espécies já indicavam redução dos dentes, a partir dos da frente até os de trás.
Em outros animais, por exemplo, a evolução foi fazendo o caminho contrário: as aves do Cretáceo tinham dentes, o que foi sendo perdido aos poucos. Onde a Berthasaura se encaixa?
O que os paleontólogos entendem é que o fato dela ser banguela não a impede, necessariamente, de ter hábitos carnívoros como a maioria dos terópodes. "Gaviões, falcões e corujas conseguem comer carne mesmo sem dentes", pontua Geovane. Além disso, há também a hipótese de que a Bertha fosse onívora.
"Por isso, considero essa uma das top cinco descobertas científicas do Brasil", comemora Kellner. A Berthasaura faz parte dos novos materiais que irão compor o acervo do Museu Nacional, após a tragédia do incêndio na instituição em 2018. Diversos materiais fósseis, culturais e históricos foram perdidos na ocasião. Desde então, as pesquisas em parceria com o programa de pós-graduação do museu têm ajudado a reconstruir acervos e exposições.
O estudo que descreve a Berthasaura foi publicado na revista científica Nature, no dia 18 de novembro.
Reportagens do O POVO exploram o universo dos fósseis do Brasil e do mundo