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História olímpica: seleção brasileira feminina de vôlei e a prata da superação
Reportagem Seriada

História olímpica: seleção brasileira feminina de vôlei e a prata da superação

De desacreditadas a medalhistas, as atletas da seleção viveram momentos dramáticos fora e dentro da campanha
Episódio 13

História olímpica: seleção brasileira feminina de vôlei e a prata da superação

De desacreditadas a medalhistas, as atletas da seleção viveram momentos dramáticos fora e dentro da campanha
Episódio 13
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Elas não eram as favoritas. Quando a Olimpíada de Tóquio 2020 teve início, em julho, o time escalado por José Roberto Guimarães, a seleção brasileira feminina de vôlei, era visto como uma incógnita. Entre as convocadas, veteranas e estreantes, algumas vindo de cortes ou lesões. Desacreditado, o Brasil enfrentou um torneio dramático e chegou como invicto à final, conquistando o segundo lugar do pódio. Uma prata bem ao estilo brasileiro, com gosto de garra, talento e superação.

O grupo começou a ser construído em lento processo após a última Olimpíada, que ocorreu no Rio de Janeiro, em 2016. Naquela campanha, a seleção era composta por atletas como Sheilla, Fernanda Garay, Jaqueline, Natália e Dani Lins, grandes nomes da modalidade e campeãs olímpicas em 2008 e 2012. Nas quartas de finais, contudo, o time enfrentou a China e viveu uma derrota amarga, se despedindo do tão sonhado ouro.

A seleção começou novo ciclo de competições. Os torneios também serviam como uma preparação que definiria o — à época longínquo — futuro em Tóquio. Na tentativa de formar a equipe do tricampeonato olímpico brasileiro, José Roberto Guimarães encontrou desafios pelo caminho. Entre eles, pedidos de dispensas e lesões de atletas, que resultaram em desfalques no grupo em momentos importantes.

08.08.2021 - Jogos Olímpicos Tóquio 2020 - Vôlei Feminino. Final. Brasil x Estados Unidos. Na foto o técnico da seleção, José Roberto Guimarães(Foto: Gaspar Nóbrega/COB)
Foto: Gaspar Nóbrega/COB 08.08.2021 - Jogos Olímpicos Tóquio 2020 - Vôlei Feminino. Final. Brasil x Estados Unidos. Na foto o técnico da seleção, José Roberto Guimarães

O Brasil acumulou resultados ruins. Em 2018, a seleção ficou em quarto lugar na Liga das Nações e no Montreux Volley Masters. No Mundial daquele ano, a colocação foi ainda mais dramática, com o time ficando em sétimo, bem abaixo do padrão de resultados dos ciclos anteriores. A temporada foi marcada por lesões de jogadoras como Natália e Gabriela, que atuaram na campanha do Rio-2016. Em 2020, a pandemia da Covid-19 paralisou treinos e competições — e viria a adiar a Olimpíada, em decisão inédita na história dos Jogos.

Na Liga das Nações de 2021, contudo, o grupo mostrou que já havia se reconstruído, embora tenha ficado em segundo lugar, perdendo para os Estados Unidos. Em que pese o fato de algumas rivais terem poupado jogadoras antes da competição. Quando o nome das convocadas para atuar em Tóquio foi divulgado, uma surpresa: a oposta Sheilla foi cortada. A bicampeã olímpica, para muitos a melhor da história da posição no Brasil, havia ficado três anos sem vestir a camisa verde-e-amarela depois da última derrota olímpica, mas voltou e buscava recuperar a forma, sendo referência de liderança dentro de quadra para as demais.

As 12 jogadoras chamadas para representar o Brasil na campanha olímpica foram: Macris e Roberta (levantadoras), Tandara (oposta), Rosamaria (oposta/ponteira), Natália, Fernanda Garay, Gabi e Ana Cristina (ponteiras), Carol Gattaz, Carol e Bia (centrais) e Camila Brait (líbero).

Do lado das convocadas, um time que mostrava o processo de renovação na equipe brasileira, uma vez que Gabriela, Fernanda Garay e Natália eram as únicas remanescentes da Rio-2016. Com elas, atletas estreantes em competições olímpicas, como Rosamaria, Ana Cristina e Carol Gattaz. Juntas, enfrentariam o favoritismo de China e Estados Unidos, seleções que traziam amargas lembranças a equipe brasileira.

 

 

Estreantes, veteranas e o caminho até ali

 

“Estava no quarto do hotel com a Rosamaria, após a final da Liga das Nações. Vimos as 12 escolhidas pela internet. E nós duas estávamos contempladas, ambas estreando na Olimpíada. Tive vontade de rir e chorar. Que momento especial, duas amigas sentindo aquela mesma aceleração do coração. E ao mesmo tempo. Nós duas juntas. Tenho muito orgulho do que a Rosamaria conquistou. E sei que ela sente o mesmo por mim”.

O trecho acima foi desabafo da central Gattaz ao jornal O Globo. A sensação que a atleta sentiu ao ser chamada para a campanha já dá indícios de que o caminho trilhado até alcançar esse feito foi difícil. Ela teve o nome cortado da lista final tanto dos Jogos de Pequim, em 2008, quanto de Londres, em 2012. Em ambas as disputas atuou como comentarista enquanto via a seleção brasileira levar o ouro. Frustrada em não ser vista, pensou em desistir da carreira e seguir outro rumo, como revelou em entrevista ao periódico.

Para o bem do torcedor brasileiro, ela não desistiu. Vindo de conquistas importantes, como a vitória na Superliga pelo Minas em abril deste ano, a central teve seu nome na lista de convocadas para olimpíadas pela primeira vez. Estrearia aos 39 anos. O sonho da sua vida profissional sendo realizado aos quase 40. Comprovando o timing do destino, recebeu a notícia ao lado de Rosamaria.

Seleção brasileira de vôlei de quadra feminino durante os Jogos de Tóquio 2020(Foto: PEDRO PARDO / AFP)
Foto: PEDRO PARDO / AFP Seleção brasileira de vôlei de quadra feminino durante os Jogos de Tóquio 2020

Antes de disputar a Liga das Nações deste ano, Rosamaria ficou fora da seleção brasileira por quase três anos. Mesmo com um vasto currículo de medalhas, ela tem no histórico uma difícil relação com a torcida do Rio de Janeiro. Isso porque, quando atuou pelo Minas, entre 2015 e 2018, torcedores reclamavam de seu desempenho e a chamavam de nomes como “pipoqueira” durante partidas das quais participava.

Em temporadas mais recentes, a jogadora esteve atuando na Itália, onde ganhou técnica e se transformou em uma aposta para a renovação que o técnico Zé Roberto conduzia. Ela e Gattaz, que são amigas próximas e compartilhavam percalços, dividiam agora o sabor da estreia. E que estreia.

Quem também viu seu nome pela primeira vez na lista de convocadas foi Camila Brait. A líbero foi cortada a menos de um mês da campanha de Londres-2012 e chegou a anunciar que não defenderia mais a seleção, mas voltou atrás na decisão. Em entrevista ao programa "Conversa com Bial", da Rede Globo, em junho deste ano, confidenciou ter mudado de opinião porque desejava que a pequena Alice, sua filha, a visse subindo em um pódio olímpico.

Dona de um ataque potente, a ponteira Tandara Caixeta também estava com um “quase” entalado na garganta, já que foi cortada da Rio-2016, apesar de ter sido parte da equipe que venceu em Londres-2012. Outro nome na lista de convocadas, Natália, vinha de um desafio diferente: uma série de lesões. A mais recente no início deste ano, quando machucou um dos dedos durante um treinamento.

 

 

O tornozelo de Macris e a frieza da talentosa Roberta

 

Passadas as dificuldades, era hora da redenção. O time brasileiro estava no Grupo A do torneio, ao lado de República Dominicana, Japão, Quênia, Sérvia e Coreia do Sul. No primeiro jogo, no dia 25 de julho, encontrou facilidade em passar pela Coreia e fez 3 sets a 0, com parciais de 25 x 11, 25x22 e 25x19. Grandes destaques da partida, Garay fez 17 pontos, enquanto Gabi fez 14. Rosamaria saiu do banco para ajudar a equipe nos momentos mais difíceis para o Brasil. Já Gattaz brilhou no bloqueio.

Por falar na central, o segundo jogo da equipe foi no dia do seu aniversário, 27 de julho. A comemoração, no entanto, quase foi ameaçada pela seleção da República Dominicana, que travou uma verdadeira batalha contra a equipe brasileira. Com a ofensiva Brayelin Martinez, que marcou 24 pontos na disputa, as dominicanas tiveram uma forte atuação e o jogo chegou ao quinto set, o chamado tie-break. Reagindo ao adversário, o Brasil ganhou por 3 sets a 2 e Gattaz completou 40 anos se presenteando com uma vitória.

Macris acabou pisando errado e torceu o tornozelo durante a partida do Brasil contra o Japão pelo vôlei feminino das Olimpíadas de Tóquio 2020(Foto: ANGELA WEISS / AFP)
Foto: ANGELA WEISS / AFP Macris acabou pisando errado e torceu o tornozelo durante a partida do Brasil contra o Japão pelo vôlei feminino das Olimpíadas de Tóquio 2020

Depois do sufoco com as dominicanas, a seleção brasileira foi para o terceiro jogo mais segura, no dia 29 de julho. Enfrentando o Japão, o Brasil venceu o jogo por 3 sets a 0, vencendo as donas da casa com parciais de 25x16, 25x18 e 26x24. No entanto, nem tudo foi fácil. No terceiro set, a levantadora Macris machucou o tornozelo e precisou ser substituída, preocupando a equipe.

Por "sorte", quem estava no banco era Roberta. Com frieza, a levantadora assumiu a responsabilidade e ajudou a equipe a vencer o jogo. Ao final da partida, todas as atletas brasileiras foram abraçar Macris, que precisou sair de cadeira de rodas, guiada por Rosamaria. Um momento de preocupação, mas que mostrou a força, a união e o carinho entre as jogadoras da equipe. Coração não faltava ao time.

No jogo seguinte, contra a Sérvia, no dia 31 de julho, foi Roberta quem liderou novamente. Brilhando nos levantamentos, a jogadora conseguiu manter a liga da equipe, que venceu a atual campeã mundial por 3 sets a 1. O time de Boskovic, uma das maiores atletas da modalidade no mundo, ganhou apenas o terceiro set. As parciais foram de 25x20, 25x16, 23x25 e 25x19, com Tandara sendo a maior pontuadora do jogo.

Entrando em quadra já classificada, a seleção brasileira enfrentou o Quênia no dia 2 de agosto, ganhando de 3 sets a 0, com parciais de 25x10, 25x16 e 25x8. Durante a disputa, o técnico José Roberto chegou a acionar do banco a central Ana Beatriz e as ponteiras Natália e Ana Cristina, que nos jogos passados ou não haviam entrado ou ficaram pouco tempo em quadra. Destaque novamente para Roberta, que brilhou com seus levantamentos e bolas de segunda.

 

 

Brasil faz virada memorável, marcada por bordões 

 

Invicta no campeonato até ali, a equipe brasileira chegou às quartas de final no dia 4 de agosto, enfrentando a Rússia, que veio para o torneio como Comitê Olímpico Russo (ROC). Os times mantém uma das maiores rivalidades da modalidade e protagonizaram um embate eletrizante. Brasil começou assustado, não conseguindo ficar à frente no primeiro set em momento algum, perdendo por 23x25.

O que as russas não sabiam, no entanto, é que o time brasileiro tinha talentos “na manga”. Ou melhor, no banco. No meio do segundo set, quando o Brasil seguia perdendo, Zé Roberto sacou Roberta por Macris, que, em tempo recorde, estava recuperada da lesão sofrida no jogo contra as japonesas.

A levantadora brilhou, fazendo levantamentos importantíssimos, principalmente para Gattaz. O entrosamento das duas, que atuam juntas no Minas, era impecável e resultava em jogadas de ataque como a chamada “China”, quando, em uma finta, a bola é levantada para a central, por trás, enganando o adversário.

Tandara também saiu, e Rosamaria entrou fazendo a função de oposta. A catarinense mudou a energia do grupo, desfilando no ataque e vibrando de forma explosiva. Não demorou muito e o Brasil conseguiu virar, vencendo o set por 25x21. Era, de repente, um outro time que aparecia ali.

 

Cada nuance da partida foi marcada por bordões criados pela jogadora Thaisa, bicampeã olímpica, que comentava o jogo ao lado do jornalista Luís Roberto, em transmissão para a Globo. Entre eles: "Carol Gattaz, (a bola) não volta mais", “Gabriela é o nome dela” ou “Aqui não, bebê” para cada ataque ou bloqueio feito pela atletas da seleção brasileira.

Luís Roberto, além de replicar as frases, também foi responsável por inventar bordões como "Fé Garay”, em alusão à jogadora Fernanda Garay, ou “Rosamariaaa” para cada ataque da catarinense. A narração personalizada viralizou nas redes sociais e deu um ar mais leve ao jogo, que teve como destaque ainda a atuação completa de Gabriela, as defesas gigantes da líbero Brait e a boa atuação de Ana Carolina, que brilhou no bloqueio em momentos importantes.

A equipe brasileira venceu o terceiro set por 25x19 e o quarto por 25x12. O último ponto selou o feito do time quase como uma pintura. Na cena, um saque russo encontra os braços milagrosos de Brait, que passa a bola para Macris. Por sua vez, a “fada vegana”, como é chamada pelas colegas, usa toda técnica e faz o levantamento para Rosamaria. A catarinense então dá um salto e explode a mão na bola, sem dar chance alguma para as russas. Com a garra de um equipe agigantada, o Brasil passa para a semifinal.

 

 

O susto de um doping retardatário

 

Dia 5 de agosto. Era quase meia-noite quando começaram a surgir os primeiros rumores nas redes sociais: “Urgente. Nossa oposta Tandara Caixeta foi pega no antidoping e está voltando ao Brasil”, escreveu a jornalista esportiva Nathalia Movilla no Twitter. A primeira atitude do "voleifã", que havia acabado de se recuperar do susto de ver Macris lesionada e de uma vitória marcante contra o Comitê Russo, foi desacreditar. Na véspera de uma semifinal olímpica, essa era a última coisa que poderia acontecer.

“Me diz que é meme pelo amor de Deus”, reagiu uma seguidora. Não, não era. Em nota publicada, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) informou ter sido notificado sobre o resultado positivo do exame, que foi realizado ainda no Brasil, no dia 7 de julho. Com isso, a atleta não apenas foi suspensa provisoriamente, como deveria retornar ao País.

“O Comitê Olímpico do Brasil recebeu nesta madrugada no Japão, através da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), a notificação quanto à suspensão provisória por potencial violação de regra antidopagem pela atleta Tandara Caixeta, da seleção feminina de voleibol. O teste foi realizado no período fora de competição no centro de treinamento da modalidade em Saquarema no dia 7 de julho. Tandara retornará ao Brasil.”

A nota deu brecha para questionamentos como o motivo pelo qual o resultado havia saído só naquele momento, semanas depois da realização do exame. Tandara teve de se despedir da equipe e do sonho olímpico, mesmo antes do resultado da contraprova. Em pronunciamento, a equipe dela disse à época que a oposta só se manifestaria após a conclusão do caso. 

Em paralelo ao silêncio da atleta, torcedores questionavam como seriam os próximos jogos da seleção. No banco, talento não faltava para ocupar a vaga, restava apenas saber o quanto custaria ficar sem a forte e decisiva atuação de Tandara. Além disso, havia uma preocupação sobre as jogadoras entrarem em quadra abaladas com a saída da colega, o que poderia prejudicar o desempenho do grupo.

Time Brasil de vôlei feminino contra a República Dominicana na Arena Ariake nas Olímpiadas de Tóquio 2020(Foto:  ANGELA WEISS / AFP)
Foto: ANGELA WEISS / AFP Time Brasil de vôlei feminino contra a República Dominicana na Arena Ariake nas Olímpiadas de Tóquio 2020

Chegou o dia da semifinal. O adversário do Brasil era a Coreia do Sul — que já havia sido batida pela equipe brasileira na fase de grupo, mas tinha no elenco a gigante Kim Yeon Koung. Atuando como ponteira, a atleta foi peça fundamental no jogo contra o Japão, que a equipe coreana venceu por 3 sets a 2. De todos os pontos da partida, 30 foram feitos por Kim, uma atuação para ficar na história olímpica.

O técnico Zé Roberto tinha a opção de usar a ponteira Natália como oposta no jogo. Além do talento, a campeã olímpica já havia atuado com Kim no turco Fenerbahçe, onde as duas viraram amigas. Assim, conhecia bem a maior adversária. No entanto, era inegável o merecimento que Rosamaria havia conquistado após sua atuação contra a Rússia.

Era da garra da catarinense que o grupo parecia precisar naquele momento, e foi isso que ele teve. Rosamaria entrou em quadra assumindo a responsabilidade de uma veterana e marcou dez pontos na partida. O Brasil repetiu o placar do embate das duas equipes na primeira fase do torneio, vencendo por 3 sets a 0, todos com parciais de 25 a 16.

Em entrevista ao SporTV, ao fim do jogo, a líbero Camila Brait falou sobre a ausência de Tandara e mandou uma mensagem à colega. “Fico muito triste né, a Tandara faz muito parte desse grupo. A gente vai torcer pra ela conseguir provar a inocência dela. E agora vamos jogar por ela, pra gente conseguir ganhar essa final por ela, pelo grupo, o time tá muito forte e é isso Tand, beijo, fica com Deus e vai dar tudo certo”.

Se a mensagem foi recebida não se sabe, mas não foi só nas quadras que Tandara encontrou conforto. Em vídeo publicado por seu marido nas redes sociais, é possível ver a atleta abraçada com a filha, Maria Clara, que a pergunta sobre sua chegada precoce. “Era sim pra mamãe voltar em quatro dias, mas ela escolheu voltar e ficar com você”, responde a atleta. O vídeo circulou nas redes sociais e emocionou fãs e torcedores.

Àquela altura, já havia sido informado que a substância encontrada no exame de Tandara era a ostarina, um modulador hormonal que imita a testosterona. ''Confiamos plenamente que comprovaremos que a substância Ostarina entrou acidentalmente no organismo da atleta e que não foi utilizada para fins de performance esportiva'', destacou a equipe de Tandara em nota nas redes sociais. Caso não seja comprovado o uso acidental, Tandara, que atualmente joga pelo Osasco, pode ficar fora de campeonatos importantes como a Superliga — com início em outubro.

 

 

Sonho "mascado" pelas norte- americanas

 

O lugar no pódio estava garantido. Já era certo que a filha de Brait a veria sendo medalhista olímpica, como a líbero desejava. Também já era confirmado que Gattaz se tornaria a mulher brasileira mais veterana a ganhar uma medalha daquele porte pelo Brasil. Acima dos feitos individuais, contudo, havia um coletivo: a equipe chegou onde muitas pessoas não acreditavam que chegaria. O melhor de tudo: invicta.

Faltava agora o ouro, mas para isso a seleção teria que vencer os Estados Unidos na final. No último embate entre os times, na Liga das Nações, o Brasil foi derrotado. Contudo, essa seria a terceira final olímpica entre as seleções. Nas campanhas Pequim-2008 e Londres-2012, as brasileiras levaram a melhor contra as norte-americanas, que ainda não tinham sido campeãs olímpicas.

O jogo aconteceu na madrugada do dia 8 de agosto. Em quadra, a equipe de Zé Roberto entrou após ter mostrado ser capaz de se reinventar, tendo sido colocadas à prova em nuances dramáticas durante o torneio. Quando a partida teve inicio, o Brasil sentiu a força do ataque dos EUA, que chegou por várias vezes a abrir vantagens de quatro pontos ou mais durante o primeiro set, ganhando por 25 a 21.

 

No segundo set, as brasileiras ainda estavam coagidas pelo poder ofensivo das adversárias, que exploravam problemas de recepção de Fernanda Garay, quebrando o passe e impedindo o forte ataque da ponteira. Sem conseguir virar as bolas, o time só conseguiu esboçar uma reação quando Roberta entrou em quadra, ainda assim a equipe norte-americana venceu por 25 a 20.

O terceiro set não foi muito diferente. Zé Roberto tentou fazer algumas substituições, mas a equipe brasileira não conseguiu reagir e perdeu por 14 a 25. Essa foi a primeira vez que a equipe norte-americana, cuja atletas são chamadas de "chicleteiras" pelo costume de mascarem chiclete durante as partidas, se consagrou campeã olímpica. Enquanto elas comemoravam, as brasileiras sentiam o gosto de ter chegado tão perto de voltar para casa com um medalha dourada no peito.

 

 

Pedido pela prata, aposentadorias e o futuro da seleção

 

O momento era de frustação. No entanto, aquele era o Brasil, e, como boas brasileiras, as jogadoras transformaram as lágrimas em sorrisos durante a cerimônia de premiação. Conquistaram a prata, afinal. Para um time que começou desacreditado, essa era uma medalha que valia ouro. Prova disso é o carinho que a levantadora Roberta teve com a insígnia, levando ela aos lábios e a sentindo no rosto por alguns segundos. Uma das imagens mais emocionantes da campanha, que acabou viralizando.

As "meninas prateadas" voltariam para casa após um torneio inesquecível. Um show de atuação individual e coletiva. Carol foi eleita como uma das duas melhores centrais da competição, ficando ao lado da norte-americana Haleigh Washington. Fernanda Garay não figurou entre as melhores ponteiras, perdendo o título para Michelle Bartsch-Hackley e Jordan Larson, mas tinha tudo para entrar na lista.

Ovacionadas por torcedores na chegada ao Brasil, as atletas exibiam a medalha prateada cientes de que haviam calado os críticos. Para o técnico José Roberto, a convocação que para muitos poderia ter parecido "arriscada" se mostrou ser o caminho certo para a renovação do time.

Levantadora Roberta beija medalha de prata em cerimônia de entrega.(Foto: Gaspar Nóbrega/COB)
Foto: Gaspar Nóbrega/COB Levantadora Roberta beija medalha de prata em cerimônia de entrega.

A eficiente e completa jogadora Gabriela, que na Rio-2016 ficou no banco, agora era a titular e uma figura líder do grupo, fazendo uma atuação com seus ataques cravados nas diagonais e seus famosos toques com o pé. Gatazz e Ana Carolina foram gigantes nos bloqueios. A primeira, dizendo estar na melhor fase, quebrou o tabu da idade dentro da modalidade. A segunda, tornou-se ainda uma das maiores sacadoras da equipe.

Macris brilhou com seus levantamentos cheios de técnica. Segura e confiante, Roberta não ficou para trás, mostrando que pode assumir, e genialmente, o posto de levantadora titular. Brait "varreu o fundo de quadra" e buscou bolas que pareciam inalcançáveis. Rosamaria foi uma explosão de talento, que deu sangue e resgatou o time. Tandara, mesmo não chegando à final, registrou sua passagem deixando a potência de seus ataques nas memórias das adversárias. Até mesmo quem entrou poucas vezes durante a campanha, como Natália, Bia e a jovem Ana Cristina, mostrou a "fome de vitória" da equipe.

Um time que agora se desfaz — para em breve se "refazer". Depois de um tempo preparando o torcedor para essa possibilidade, Fernanda Garay anunciou aposentadoria. "Digo adeus de cabeça erguida, orgulhosa de ter sempre deixado em quadra todo o meu esforço físico e mental, de ter tratado o esporte com respeito e ter feito do vôlei e da seleção minha prioridade nesses anos todos", escreveu nas próprias redes sociais.

Quem também se aposenta é a líbero Camila Brait. Em uma postagem emocionante no seu perfil do Instagram, ela desabafou. "Foram anos me dedicando a essa camisa, sonhando em um dia disputar uma olimpíada e finalmente estou aqui vivendo um grande sonho e levando uma medalha olímpica pra casa. Tenho certeza que tudo valeu a pena. Hoje me despeço da seleção brasileira com a certeza de que dei tudo de mim em todos os momentos e que inspirei outras meninas a buscarem esse sonho".

Em entrevista ao Globo Esporte, a atleta de 32 anos ainda revelou que sua filha havia pedido pela medalha de prata antes do jogo final. Consagrada como uma das melhores da posição no Brasil e atendendo aos desejos da pequena Alice, é como se despede a jogadora da seleção. 

Com o desfalque de Garay e Brait, o time já se prepara para o Campeonato Sul-Americano, em setembro próximo. Entre os nomes convocados que não atuaram na campanha de Tóquio-2020 estão Lorenne (oposta), Kasiely (ponteira), Mayanne (central), Natinha e Nyeme (líberos). É o prosseguimento de uma renovação na seleção. Uma promessa para as Olimpíadas de Paris, que ocorrem logo ali, em 2024.

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