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Robinson de Castro, do Ceará : "Ser presidente de clube é um ato de coragem"
Reportagem Seriada

Robinson de Castro, do Ceará : "Ser presidente de clube é um ato de coragem"

Atual principal dirigente do Ceará abre o jogo e conta detalhes do seu amor de criança pelo clube até os bastidores da temporada de sucesso em 2020
Episódio 3

Robinson de Castro, do Ceará : "Ser presidente de clube é um ato de coragem"

Atual principal dirigente do Ceará abre o jogo e conta detalhes do seu amor de criança pelo clube até os bastidores da temporada de sucesso em 2020
Episódio 3
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Presidente do Ceará, Robinson Passos de Castro e Silva, 54 anos, abre o jogo sobre os bastidores do clube e mostra lado da personalidade pouco conhecida pela torcida. Em quase duas horas de entrevista, o mandatário alvinegro conta sobre o início da relação de amor pela agremiação, a caminhada até a presidência, as curiosidades desta trajetória, a pressão do cargo e a temporada mágica de 2020, quando o Vovô foi bicampeão invicto da Copa do Nordeste, chegou até as quartas de final da Copa do Brasil, atingiu a melhor colocação na Série A (11º) e se classificou para a Sul-Americana.

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É um mergulho na história de Robinson de Castro, desde a infância até a presidência do Alvinegro. Os bastidores da renovação com o Vina. O período nos Estados Unidos, aos 8 anos de idade. Como os filhos o influenciaram a estreitar os laços com o clube. O relacionamento com a imprensa e até o papel de Raul Seixas na conquista do Nordestão.

O POVO - Como foi a tua infância?

Robinson de Castro - Minhas primeiras lembranças são na Eusébio de Souza, no bairro de Fátima. Morava numa casa lá. Quando tinha oito anos, meu pai foi fazer especialização nos Estados Unidos, em Syracuse, em Nova York. A gente ficou um ano lá. Fiz segundo ano primário, falava inglês, criança aprende rápido. Fomos eu e mais dois irmãos - Rui e Silvane. Quando voltamos pra cá, passamos uma temporada morando no Centro da cidade, perto da casa do meu avô, ali na Major Facundo. Era uma casa alugada. Meu pai comprou uma casa depois no Dionísio Torres. Até hoje mora lá.

O POVO - O que você fazia na infância?

Robinson - Jogava bola o dia todo. Era a minha maior diversão. Jogava na rua. Nem asfalto tinha, era calçamento. Jogava bila, subia em árvore, esconde-esconde.

 

O POVO - Como foi esse período nos Estados Unidos? O que você fazia?

Robinson - Eu era menino ainda. Por incrível que pareça, eu tirei primeiro lugar em leitura. Eu falava muito bem inglês. Chegava num local, no hospital por exemplo, meu pai não entendia uma coisa, eu explicava pra ele. Naquela época, existia uma diferença grande. O Brasil era muito mais atrasado do que os Estados Unidos. Essas máquinas de Coca-Cola já tinham lá. Aqui demorou muito para chegar. Lá eu brincava de trenó. Você descia no verde ou na neve. Fazia boneco de gelo, brincava de beisebol. Futebol não tinha na época no colégio. Brincava nos parquinhos. Meu pai viajava muito de carro para várias cidades. Fomos a Washington, São Francisco, Nova York. Conheci muita coisa lá. A televisão já tinha imagem colorida e com muitos canais. Foi um choque de desenvolvimento. Era 1974. Eu até perdi essa Copa. A primeira Copa que assisti foi em 1978. Lá não tinha interesse no futebol como tem hoje.

O POVO - E como começou o interesse pelo futebol?

Robinson - Na família do meu pai, meu avô (Ruy de Castro e Silva) era alucinado pelo Ceará. Ele decorava a casa dele. Cheguei a morar na casa dele antes do meu pai alugar uma no Centro. Ele também era professor da Uece, foi quem fundou a escola de Administração da Uece. Ele tinha quatro formações: contador, advogado, administrador e economista. Uma figura extraordinária. Na casa dele, tinha uma biblioteca, e com muita coisa sobre o Ceará. Ele vivia ouvindo rádio e ia ao estádio, mas não me levou. Meus tios (Gilberto e Estevão) me levaram. Minha lembrança mais antiga foi em 1978, justamente o tetracampeonato. Naquela época, era tudo meio louco. A gente ficou (no estádio) justamente na linha de passe do Ivanir para o Tiquinho, na ponta-direita. O jogo se resolveu no final. Quando ele correu para comemorar o gol, ele tirou a chuteira e jogou para a torcida. Me disseram isso e até hoje conto como se ele tivesse feito isso, mas eu não vi.

O POVO - E quem foi teu primeiro ídolo como torcedor?

Zé Eduardo, ou, para os mais íntimos, Super Zé. O ex-camisa 10, dono de seis títulos estaduais pelo Vozão(Foto: Arquivo / Ceará / Divulgação)
Foto: Arquivo / Ceará / Divulgação Zé Eduardo, ou, para os mais íntimos, Super Zé. O ex-camisa 10, dono de seis títulos estaduais pelo Vozão

Robinson - Ah, o Zé Eduardo. Pra mim, jogador do Ceará que vi plasticamente jogar, que eu me espelhava, era o Zé Eduardo.

O POVO - E assim o Ceará virou rotina na tua vida?

Robinson - Eu ia muito com meus tios. Às vezes, eles não iam e acabava que eu também não ia. Quando não iam, eu acompanhava os resultados à distância. Meu avô sempre dizia. Me envolvi com o Ceará a partir disso. Nos anos 2000, eu comecei a levar meus filhos ao estádio. Ficava na cadeira social, o chamado lado do sol, era mais tranquilo. Gol do Zezinho também foi na minha linha. Tinha essa sorte. E o que me frustrou muito foi ganhar aquele jogo e não ser campeão. Me deu uma angústia. Em 2006, outra angústia. Ali tem um destaque. Eu levava meus filhos e o Ceará estava sendo goleado pelo Fortaleza e Ferroviário. Meus filhos disseram: 'ah, não vou mais torcer pelo Ceará'. E a torcida do rival tinha uma mania de fazer assim quando terminava o jogo: 'sai, sai, sai'. Aquilo ali, imagina o estádio todo, e a nossa torcida revoltada esculhambando presidente, treinador, jogadores. Eu fiquei pensando: 'vou acabar perdendo meus filhos assim'. Peguei meu carro no outro dia, após uma goleada para o Fortaleza, e fui lá no Ceará. Conhecia ninguém, não sabia de nada. Bati lá e pensei em ajudar o time, não sabia nem como poderia ajudar, se era dando opinião, pagando mensalidade qualquer. 'Olha, vim ajudar o Ceará. Quero me aproximar e ajudar de alguma forma'. Sempre fui assim. Quando as coisas estão ruins, eu sinto a missão de ajudar. Tem problema, conte comigo. Gosto de estar onde tem problema para ser solucionado. Fui com esse espírito. Levei um chá de cadeira de mais de duas horas. Lá para as tantas apareceu o Jocélio (ocupava cargo administrativo), ele era funcionário da Receita Federal. Como sou contador, eu sempre tenho relação com o pessoal da Receita Federal, embora não conhecesse o Jocélio. Ele me reconheceu e me perguntou o que eu estava fazendo lá. 'Pois faça o seguinte: compre um título de sócio-proprietário do clube. Depois, você vira conselheiro'. Fiz um cheque e paguei. Desapareceram, nunca mais me chamaram para nada.

 

O POVO - Mas como você se aproximou da parte interna do clube?

Robinson - Alguns meses depois, bate na porta da minha empresa o Dimas e o Jurandir Júnior. Foram me visitar. Após alguns meses chegou uma comitiva de diretores do Ceará. Esse grupo chegou, e acho que o Evandro estava também, e explicou que precisava incluir o Ceará na Timemania. Estava uma bagunça grande. Não existia informação nenhuma. 'Quanto tempo nós temos?' '30 dias, me disseram'. Era um negócio que tinha um ano de prazo e deixaram para os últimos 30 dias. Eu disse que ia fazer o trabalho. Perguntaram quanto eu ia cobrar e falei que não cobraria nada. Mobilizei minha empresa na época e incluí o Ceará na Timemania. Depois, eles começaram a me visitar para outras coisas para organizar a contabilidade, a parte administrativa. Nessa época, eu já tinha ocupado a presidência do Conselho de Contabilidade. Muito novo, fui presidente do meu Conselho (em 1998). Na minha profissão, eu já era referência desde muito jovem. Eu fazia parte também do Centro Industrial do Ceará (CIC), que era ligado à Federação das Indústrias. Embora não fosse um industrial, fui eleito presidente do CIC em 2008. Aí o Evandro me procura: 'Robinson, queria que você participasse da minha chapa'. 'Cara, mas eu não tenho a menor condição de assumir esse cargo, acabei de assumir a presidência do CIC'. 'Eu preciso que você vá. A história do Ceará era feita por grandes empresários presidindo o clube, e eu sou funcionário público. Não tenho esse lastro. Como você tem essa proximidade com a classe empresarial, o setor produtivo, preciso que venha comigo para o pessoal confiar que posso ser o presidente'. 'Eu vou por causa de você'. Na época que frequentava o estádio, em 2006 por ali, quando terminavam os jogos, eu sempre encontrava o Evandro e falava que ele ia ser o presidente do Ceará. Não tinha amizade, mas éramos contemporâneos do Colégio Santo Inácio. Quando ia na Sefaz resolver problema de cliente, ele estava no balcão atendendo. E em racha também nos encontrávamos. A gente se conhecia. Eu via a luta dele, pagando jogador em aeroporto, apagando incêndio. Coincidentemente, em 2008, ele me procurou e disse que o Eugênio iria renunciar, que ele assumiria, mas tentaria se candidatar para complementar o mandato. Aí a chapa era Evandro, o Gothardo Figueiredo e eu. Lembro que fui para a posse do Ceará, se tivessem 20 conselheiros eram muitos. Dei um suporte mais administrativo para o Evandro.

Robinson de Castro (à esquerda) e Evandro Leitão (à direita) (Foto: Ceará SC / Divulgação )
Foto: Ceará SC / Divulgação Robinson de Castro (à esquerda) e Evandro Leitão (à direita)

O POVO - E você já entra como segundo vice-presidente em 2008?

Robinson - Isso. Em 2009, no acesso do clube, no segundo semestre daquele ano, o Evandro foi a uma reunião comigo e com outras pessoas. 'Olha, precisamos injetar um empréstimo para o clube subir. O time está bem, mas vai faltar dinheiro para pagar a folha'. Então, cotizamos. Eu estava nessa cota. Fizemos a injeção e o time subiu. Fui o último a ser pago porque já estava lá dentro do clube. Nem juro cobrei. Me pagaram em três, quatro anos. O time subiu em 2009. Em 2010, a gente jogou a Série A. Teve aquele início do PC (Gusmão). Naquele momento, ele era a grande referência para o clube, trazia ideias novas para melhorar a infraestrutura. Ele tinha várias exigências. Depois que o PC saiu, em 2010, eu já estava muito próximo do futebol. O Evandro sempre me teve como uma pessoa que confiava muito. Eu vivi muito intensamente o futebol em 2010, passei a viajar mais. Fomos a vários jogos. Ele sempre queria ouvir a minha opinião. Eu vinha do mundo de negócios, tinha perfil um pouco diferente do pessoal que estava no futebol, mais emocional. Eu sou mais pragmático, a emoção não contribui em nada para o planejamento, a execução, as finanças. A emoção é arte, poesia, sou prosa. Ele foi candidato a deputado em 2010, não foi eleito, mas ficou como suplente. Chegou a ocupar a Assembleia em alguns momentos. Quando foi em dezembro de 2010, ele recebeu convite para ser secretário do Trabalho do governador Cid. Ele me chamou até a casa dele e me contou sobre o convite. E o Evandro acumulava a presidência com a diretoria de futebol. Ele me chamou para ser Diretor de Futebol também. Eu aceitei, já tinha terminado meu mandato no CIC. E nós ganhamos o primeiro título do Evandro justamente quando eu estava como diretor de Futebol. Ganhamos o Tetracampeonato Cearense, a Copa do Nordeste, ficamos em terceiro lugar na Copa do Brasil. Minha história como vice e diretor de Futebol com o Evandro foi muito rica. Ganhamos tudo juntos.

O POVO - Pelo o que você conta, nem passava pela sua cabeça ser presidente do Ceará?

Robinson de Castro concede entrevista em seus primeiros meses à frente da presidência do Ceará(Foto: Diego Camelo em 15 de fevereiro de 2015)
Foto: Diego Camelo em 15 de fevereiro de 2015 Robinson de Castro concede entrevista em seus primeiros meses à frente da presidência do Ceará

Robinson - Não, não. Tu sabes que naquela época, em 2008, não era todo mundo que queria ser presidente do Ceará. Acho que até hoje. Todo mundo quer, mas não tem coragem. Eu nem conhecia o ecossistema do futebol. Quando fui me candidatar (2015), eu sabia que não tinha ninguém mais preparado do que eu. O clube estava na lanterna da Série B. Ninguém queria mais assumir. Eu disse que sair seria um ato de covardia, embora meus filhos me pedissem para não ir, minha família, porque seria o primeiro presidente do Ceará na Série C. Eu vou porque é uma missão. Estava tão convicto que a gente não iria cair, não sei nem de onde veio isso. O Ceará não vai cair e comecei a dizer que iria subir. A linguagem é muito importante. No momento de dificuldade, você sempre tem que mirar no positivo. Aprendi isso com o Segredo, li o livro, assisti ao documentário. O segredo da vida é o positivo. Claro que você tem que trabalhar, dar o seu máximo, mas a mente tem que ser forte.

O POVO - Como você suporta toda a pressão como presidente?

Robinson - Ser presidente de clube é um ato de coragem. Quando as coisas não andam bem, a artilharia se forma de todo jeito. Começa pela imprensa, que é muito resultadista. Se o pessoal da imprensa pudesse passar seis meses dentro de um clube, mudaria muito a opinião. Mas não tem culpa, é outro universo. Talvez, chegasse até a conclusão de que esses caras à frente dos clubes são heróis. Normalmente, o herói é todo mundo, menos os dirigentes. Vale a pena tudo isso que você passa, sem qualquer contrapartida? Você perde sua privacidade totalmente. Não tem um lugar que você vá, que não seja visto, apontado. Quando você chega em um canto, já vê alguém cochichando, não se sabe se está falando bem ou mal, se quer uma foto ou quer lhe xingar. Os jogos são nos horários nobres das pessoas. Remuneração zero. Estou cheio de cabelo branco pensando como vou pagar aquela conta, resolver aquele problema. Ao mesmo tempo, o futebol te mantém vivo. O que me leva para o futebol é o desafio. Você precisa disso? Não. Se angustia com alguma coisa? Me angustio com pessoas, me decepciono muito com pessoas, mas não passo isso para ninguém. Eu guardo comigo. Talvez seja um defeito. Eu aprendi a conviver com isso de uma forma equilibrada. É claro que sinto, mas é algo reservado. Mas quem está à frente não pode deixar perceber qualquer situação. O líder tem que ter essa capacidade. Não é frieza, mas é preciso ter uma forma inteligente para lidar com isso.

 

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O POVO - Quem te dá suporte nestes momentos de pressão? A família?

Robinson - Eu não levo esses problemas para ninguém. Não quero transferir para ninguém preocupação minha. Não levo problema, angústia, decepção. Eu me fecho muito. Eu alinho os astros, minha mente com meu espírito, a parte física. Fico saudável para seguir. Se estou me sentindo pesado, vou fazer minha religação. É do meu jeito, não tenho nenhuma doutrina. A minha mente é extremamente importante. Quando estou cansado, vou dar uma caminhada, andar na praia, dar um mergulho, respirar ao ar livre, dormir, descansar, ouvir uma música que adoro, que me energiza. Vou buscar me ajustar. É a melhor coisa que faço. É o meu momento de impor minha existência.

 

O POVO - Qual é a música que você gosta de escutar para refletir?

Robinson - Eu tenho fases. A música que me inspira muito é a ► Maluco Beleza, do Raul Seixas. Você tem que ter certa loucura, mas misturada com a lucidez. Eu ouço muito essa música. Tem algo interessante para caramba. Eu assisti um documentário do Raul e fiquei fascinado. Não era tão Raul, hoje adoro o cara. Eu comecei a ouvir as músicas dele, como criou as canções e quem o influenciou. A metamorfose que ele mesmo foi na vida dele. Eu lembro que na Copa do Nordeste, um amigo nosso lá de Salvador me chamou para ir até a casa dele à beira da praia. Lá eu disse: 'bota uma música aí, nós vamos ganhar a Copa do Nordeste com essa música (Maluco Beleza)'. Era hora de misturar um pouco dos conceitos e preconceitos. Foi um negócio que energizou. Integrou ideias e mentes. Nós alinhamos ali estratégias para o campo. As escolhas dos jogadores, as estratégias táticas. 'Vamos ganhar os duelos individuais. A gente vê o Fernando Sobral bem pelo lado. Vamos buscar agora o William e o Fabinho. Liga para o Dadá. Estão bem? Como foram nos Aspirantes? Então vamos trazer os dois. Vamos pensar fora da caixa'. Foi muito bacana. É a minha música do momento.

O POVO - E o elenco também embarcou na música do Raul Seixas?

Robinson - É outra música que gosto, Tá Escrito (Revelação). Essa foi a música que a gente contagiou o grupo na Copa do Nordeste. Maluco Beleza foi mais para os estrategistas. Tá Escrito foi mais para o grupo. A gente não era favorito. Ninguém acreditava no Ceará. Acreditavam em todo mundo, que Fortaleza e o Bahia fariam a final. Despachamos os dois.

 

O POVO - A experiência de Prass e Sobis para o elenco na temporada foi importante?

Robinson - Nesse tempo em Salvador (reta final da Copa do Nordeste), isso uniu muito o grupo, longe de casa, virou uma família. Caras como Prass e Sobis deram uma mensagem de espírito vencedor. Os caras ganharam tudo, deram exemplo, os que mais treinam, os que mais se indignam com resultados. Aquele jogo épico do River, no meio da lama. O Sobis ensopado, todo sujo me procurando. Eu pensei: 'ele vai pedir as contas, não vai mais jogar aqui no Nordeste'. E ele veio me dar a camisa dele toda suja e disse: 'Obrigado pela oportunidade'. Pô, o cara me dizer aquilo. O Prass sai do time, vai pro banco, como é o comportamento desse cara? Foi uma aula de profissionalismo. Ele está em outro nível, puxou o grupo.

 

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O POVO - O ano de 2021 é o seu último ano de mandato. Você pensa em continuar?

Robinson - Eu aprendi a viver no futebol o dia a dia. Pelo menos agora, eu não tenho nenhum plano. Não sei se posso ser candidato, nem isso fui examinar. Houve mudança de estatuto pra lá e pra cá. Já chegou gente dizendo que posso, que não posso. Fico muito alheio a essa questão. É difícil eu te dizer. Eu preciso sentir que cumpri minha missão, aquilo que vem de dentro. Essa resposta não está presente hoje em mim. No fundo, eu não estou no clube por questão financeira e comercial. Nem tinha, nem pretendo ter. Não tenho remuneração. Não preciso de visibilidade. No dia que eu perceber que minha missão acabou, espero que seja em um momento bom, porque futebol é ingrato, injusto.

 

O POVO - E como você classifica a tua relação com a imprensa? Há momentos em que você bate de frente, vai ao Twitter, expõe uma manchete e dá sua opinião.

Robinson - Às vezes, fico indignado com algumas coisas. Nessa hora, eu defendo a instituição. Às vezes, um atleta. Nesses dias, teve um analista que atacou um atleta. Foi uma opinião pessoal contra o cara, a gente nota quando é pessoal. Fazer uma crítica a um jogador que foi mal no jogo é normal. E gosto desse cara pra caramba, é um cara seríssimo. Mas dão puxão de orelha em mim? Eu tenho que dar também. Não pode ser só eu (a levar). Quando achar que o jornalista falou uma besteira, agiu com o coração, foi clubista, eu vou pra cima. Não vão pra cima de mim? Eu tenho que ter maturidade para aceitar. Às vezes, o jornalista não tem. A gente fala, liga, mas a pessoa não entende. Tem que ter responsabilidade. Eu falo com todos os veículos. É com todo mundo, não é pessoal. Quando estava em condição difícil no Brasileiro, eu lembro as manchetes depreciativas. É complicado. Mas estou me policiando. É algo que não posso ficar me irritando. Eu vou melhorar. A imprensa nacional parece valorizar mais a gente do que a imprensa local, envelopa melhor o nosso produto. Aqui é muito depreciativo, quer discutir uma coisa e dar dimensão para algo pequeno. Criam muita coisa.

 

O POVO - E você teve Covid-19 no começo da pandemia aqui. O que significou esse momento?

Robinson - Foi um momento de fragilidade, em um dos piores momentos porque ninguém sabia direito o que era, não tinha tratamento. Era uma loteria. Eu não sabia se iria sair. Eu me compliquei um pouco porque demorei a me tratar. Confesso que em determinado momento... Eu mandei mensagem para os familiares. Acho que o negócio não vai evoluir. Senti a possibilidade de fazer uma viagem. Mas isso coloca nossos pés no chão, faz você valorizar o que é importante. A primeira fundamental é respeitar todo mundo. É coisa básica, todo mundo é igual. Não adianta quem tem mais dinheiro, mais cultura, mais poder. É igual. Uma coisa que não admito é desrespeito, humilhação. O que mais exijo no Ceará é respeito. São coisas que vão formando você. Foi um momento de reflexão.

O POVO - Qual patamar a temporada de 2020 está na história do clube?

Robinson - Os números falam por si. Acho que a gente poderia ter feito melhor. Tínhamos condições. A gente pode evoluir mais. Sinto muito isso. Não chegamos ao nosso limite enquanto clube, profissionalismo, estratégia, entrega. A gente tinha mais potencial do que entregamos em 2020. Mas foi sensacional, temos que agradecer muito porque foi bacana.

O POVO - Quando vocês contrataram o Vina para 2020, já imaginavam que ele seria o protagonista ou foi uma surpresa?

Robinson - Ele deu trabalho para vir. Ele não queria. Foi difícil convencer. A gente já achava um jogador diferente, 'fodido', um cara de decisão, tem espírito diferente. Ele tem personalidade, é fominha, quer jogar, quer ser o cara, o protagonista. Se ele vai ser ou não é outra coisa. Mas ele quer. Ele precisava só deixar de querer, e ser. Então, acho que a gente viabilizou ele ser. Pegamos informações com o Mancini (técnico do Corinthians) e com o Anderson Batatais (auxiliar-técnico de Mancini). 'Esse cara é fera', me falaram. Não entendi porque ele não era sempre protagonista nos times. Às vezes, ele não quer fazer algumas funções táticas e os treinadores pegam no pé. Como jogador que faz a diferença taticamente, ele não é o melhor do mundo. O Thiago Galhardo, ano passado, taticamente não era o melhor do mundo, o Magno Alves também, mas eles resolvem. Com o Magno, alguém tinha que fazer o serviço sujo. O Felippe Cardoso fazia para o Galhardo. A bola vai chegar nele e ele vai resolver.

 

O POVO - Qual a importância da renovação do Vina com o Ceará até o fim de 2024 para a imagem do clube no mercado?

Robinson - Nós fincamos uma bandeira: 'respeite o Vozão'. Estamos no jogo de verdade. Não é só no jogo 90 minutos. Compra, vende, renova, concorre, paga. Não se encerra só no Vina.

O POVO - E como é a relação agora com os jogadores no mercado, quando ele recebe uma ligação do Ceará?

Robinson - Começa pelo Vina. Ele disse que queria ficar. Tem alguma coisa aí diferente. Mas para isso a gente teve que investir em infraestrutura, ampliação de academia, centro médico, já tinha a nossa cozinha famosa e maravilhosa. O cara está vendo. Vamos reformular a área do campo de treino. Vai ser uma área enorme, vamos mudar todo o gramado. Serão dois campos oficiais para treino com grama padrão Fifa. Estamos terminando uma loja oficial no clube gigante. Vai no CT da base. Cinco campos, estamos fazendo mais um. Salário na conta. E é porque não viram tanto a torcida na arquibancada. Quando virem, aí já era.

 

O POVO - E os bastidores da renovação com o Vina? Foi difícil?

Robinson - Com ele nunca foi difícil. Ele sempre quis ficar. A gente tinha que fazer o negócio da permanência dele, dar as condições que o mercado daria a ele. E aí envolve os agentes. Foi difícil para você viabilizar esse investimento e chegar a uma engenharia financeira com tempo, valores, prêmios e etc, essas coisas que fazem parte do contrato. A gente demora por conta disso (elaboração de contrato). Vi o pessoal noticiando que o Vina fechou com o Corinthians. 'Ah, o Vina vai se apresentar no Corinthians'. Em nenhum momento isso aconteceu. Depois, falaram que o Vina já tinha fechado com o Ceará, mas não tinha acontecido ainda. Ele não queria vir (em 2020), hoje não quer mais ir. Mudou o patamar do clube, essa renovação mexeu com o mercado.

O POVO - Ceará tem estrutura para receber estrangeiros?

Robinson - A gente tem condições de trazer qualquer jogador. O problema é ter convicção de que o jogador vai dar resposta. 'Ah, por que o Yony não jogou no último ano?'. Ele era um cara que estava no Corinthians, emprestado, se jogasse X jogos, o time era obrigado a fazer a compra. Por isso ficou sem jogar. Depois foi para os Estados Unidos e veio a pandemia. O clube dele, que ia participar de torneio, não foi por causa da pandemia. Ficou sem jogar também. Quando começou o campeonato, ele jogou alguns jogos. Mas aí acabou o campeonato. É diferente do cara que não jogou por lesão, porque foi mal. A gente analisa isso com cuidado para fazer as escolhas. O (Sérgio) Dimas é o cara que a gente deu a missão para organizar toda a operação do futebol, treino, logística, vestiário, hotel, horário, trechos. É engrenagem, gestão interna do clube. O Jorge é mercado. O lado bom do Jorge é porque é um cara que tem abertura. Ele consegue chegar na pessoa que pode trazer o Yony. Antes, eu não conseguia chegar. Ele é um cara de ótimo relacionamento, todos os agentes do Brasil respeitam ele. Curioso que entrevistei os dois na época e a intenção era trazer apenas um. Coloquei eles em hotéis diferentes. Mas eles se falam, jantaram juntos. No final, sem saber disso, eu gostei dos dois e decidi trazer os dois. Foi a melhor decisão.

 

O POVO - O Guto, em termos de resultados, teve os melhores em comparação com qualquer treinador que passou pelo clube. Você coloca ele na prateleira de melhor treinador da história do clube?

Robinson - Os treinadores que conquistam acesso para mim são fundamentais. E temos que destacar o PC Gusmão e o Marcelo Chamusca, deram dois acessos. E os caras que mantêm você na Série A. Tem que destacar aqui o Lisca (2018), grande treinador. Destaco o Dimas em 2010 e o Guto em 2020. O ano de 2019 foi muito difícil. Não daria mérito. Até disse que foi muito mais demérito do Cruzeiro que a gente continuou na Série A. Eu destaco muito esses caras. O Dimas, Guto e Lisca na Série A foram gigantes.

 

O POVO - Qual o objetivo na Sul-Americana?

Robinson - Preciso sentar com o Guto para melhorar alguns aspectos. Precisamos nos aprofundar um pouco nessa competição, não conhecemos. Vou precisar que ele estude um pouco mais a competição. Não sei se precisa de um analista específico, se precisa mandar alguém lá, ver alguma coisa. A gente precisa antever o que a gente vai ter pela frente. Alguma coisa temos que mexer aí para não chegar lá, desembarcar, entrar no hotel e jogar.

>>Análise

A importância da renovação de Vina

Por Fernando Graziani

 

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