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Martha Gabriel: a futurista que aprendeu a ser escritora
Reportagem Seriada

Martha Gabriel: a futurista que aprendeu a ser escritora

Envolvida em assuntos como engenharia, inovações e marketing, nunca passou pela sua cabeça virar escritora, principalmente por estar imersa na área de exatas

Martha Gabriel: a futurista que aprendeu a ser escritora

Envolvida em assuntos como engenharia, inovações e marketing, nunca passou pela sua cabeça virar escritora, principalmente por estar imersa na área de exatas
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Com influência da família, o tema de tecnologia sempre esteve na vida da futurista Martha Gabriel, uma das referências do Brasil em temas do mundo digital. Envolvida em assuntos como engenharia, inovações e marketing, nunca passou pela sua cabeça virar escritora, principalmente por estar imersa na área de exatas.

Até que, quando estava fazendo uma pós-graduação em design, aproximadamente em 2007, percebeu que os professores gostavam do seus textos e surgiu o interesse de colocar as ideias no papel. Para chegar ao primeiro livro publicado, no entanto, recebeu diversos "nãos".

Hoje, possui cinco obras. São elas: "Marketing na Era Digital", "Liderando o Futuro", "Inteligência Artificial: do zero a superpoderes", "Educação na Era Digital" (finalista do Prêmio Jabuti) e "Você, Eu e os Robôs" (finalista do Prêmio Jabuti). 

Em entrevista ao O POVO, Martha Gabriel comenta os principais pontos do assunto do momento: Inteligência Artificial (IA). Ela também aborda detalhes de como se tornou escritora, hobbies e inspirações. 

 

 

O POVO - Quando percebeu que tinha o interesse e a habilidade de pensar sobre esses cenários futuros de inteligência artificial? E como isso impactou tanto na infância, quanto na juventude?

Martha Gabriel - Meu pai e minha mãe tinham uma empresa de automação comercial nos anos 1960. E, quando eu era pequenininha, minha casa já tinha um monte de tecnologia, meu pai trazia coisas de ponta. Para você ter ideia, quando eu tinha 11 anos, nos anos 1970, por aí, ele trouxe um kit. Eu montei o rádio com resistores com aquelas placas para você fazer as conexões e fiquei encantada de ver o que a tecnologia podia fazer. Então, eu tive muito incentivo desde sempre.

Martha Gabriel durante palestra para o Futura Trends(Foto: FOTOS: João Filho Tavares)
Foto: FOTOS: João Filho Tavares Martha Gabriel durante palestra para o Futura Trends

OP - A senhora é considerada uma das maiores expoentes sobre a temática da inteligência artificial. Como a define? Acredita que algum dia ela vai superar a humana?

Martha Gabriel - Quando se fala de inteligência, não importa se ela é do sistema biológico ou de um sistema artificial, eu defino como a capacidade de resolver problemas baseando-se nos fluxos de informações.

Para você ter inteligência humana, depende do nosso cérebro e de como a gente captura e flui informação no nosso cérebro. A inteligência artificial, apesar de ter uma natureza distinta, funciona resolvendo problemas e trazendo soluções a partir de fluxo de informação.

Quando a gente vê a evolução das duas (inteligência artificial humana), a inteligência artificial é boa em volume, velocidade e automação. A humana não consegue ter essa velocidade nem processar volumes e nem automação, mas é boa em conceito, em ambiguidade e em pensamento crítico.

A previsão dos cientistas, de forma geral, é que, em cinco anos, a artificial chegue ao nível humano. Então a gente deve se preparar para esse contexto de IA crescendo porque ela está em uma velocidade bastante rápida.

Uma IA mais rápida cria outra IA mais rápida, que cria outra IA mais rápida. Ela deve avançar realmente em um ritmo bem acelerado até alguns anos e transformar muito do que a gente faz nos próximos anos.

OP - E que consequências isso traz?

Martha Gabriel - A primeira consequência é que a gente tem que se adaptar a um mundo onde a IA transforma quase todas as dimensões do trabalho, da comunicação e da forma como a gente faz as coisas.

 

"(A IA) tem o potencial de fazer coisas incríveis que ajudem a democratizar, a enxergar mais, a formar mais, se a gente quiser. Mas também tem um potencial incrível para manipular." Martha Gabriel, futurista e escritora

 

Se a gente for olhar no nível mais alto de quem está utilizando IA, é como se fosse um colaborador, um agente, ou seja um profissional que você configura para trabalhar com características específicas que vai te auxiliar. Quem está usando a IA generativa para estudar, tem uma tutora ali que você pode perguntar, te ajudar com pronúncia em várias línguas, pode realmente te levar para um outro nível de aprendizado.

Então a IA daqui para frente deve funcionar tanto como a um instrumento para ampliar ou seja melhorar as habilidades que eu já tenho, como complementar as habilidades que eu já tenho, por exemplo: eu faço uma coisa e ela faz outra.

Martha Gabriel,  professora, escritora e engenheira. Durante o evento Arco Day, em 18 de junho de 2024(Foto: BrunoMooca)
Foto: BrunoMooca Martha Gabriel, professora, escritora e engenheira. Durante o evento Arco Day, em 18 de junho de 2024

OP - Na parte mais objetiva, como desenvolvimento de criatividade, conceitos abstratos, como música, poesia e pintura, a IA pode chegar a produzir?

Martha Gabriel - Então, ela poderia chegar. Como é que o ser humano aprende? Eu comecei a escrever lá atrás, aprendendo, copiando cartilha, depois copiando que os outros fazem, lendo, aí eu comecei a ter ideia para fazer sozinha. A IA generativa é mais ou menos isso. Ela aprende e cria em função disso.

O que a gente está vendo aqui hoje é só o começo disso. Essa IA que a gente está vendo agora e faz música, arte, textos, ainda é a mais básica e a mais simples que a gente tem. As próximas vão ser muito melhores. Quando a gente pensa em tecnologia desse nível, ela sempre evolui, então deve chegar nesse nível.

OP - Antes dessa grande evolução causada pela rápida evolução das ferramentas de IA, nos últimos dois, três anos, muito se falava em bolhas criadas pelas redes sociais. Em que medida a IA pode acentuar ou reduzir o impacto desse isolamento em grupos cada vez mais fechados e polarizados?

Martha Gabriel - Pode tanto diminuir, quanto aumentar. Ela tem o potencial de fazer coisas incríveis que ajudem a democratizar, a enxergar mais, a formar mais, se a gente quiser. Mas também tem um potencial incrível para manipular.

As pessoas, quando veem uma nova tecnologia poderosa, como foi com a internet, por exemplo, em 95, 96. Todo mundo estava encantado dizendo que agora o mundo ia ser democrático, porque todo mundo tinha voz, acesso, porque era gratuito. O que a gente viu, 25 ou 30 anos depois, foi o aumento da polarização, das fake news, da pós-verdade, do negacionismo, teorias da conspiração etc.

A entrada da IA faz o quê? Ela acelera o que a gente já fazia. Ela faz mais rápido o que a gente já fazia bem e ela faz mais rápido o que a gente já fazia mal. Então, não vai ser a IA que vai melhorar ou piorar a nossa vida, são as atitudes que a gente tem.

 

 

OP - Como enxerga os atuais projetos que buscam a regulação da IA no congresso brasileiro?

Martha Gabriel - Acho necessário a questão da regulação. A IA é uma coisa que quem está na academia, como eu, já vem discutindo há muito tempo. Porque quem viu que a IA é uma tecnologia inteligente, que pode aumentar a inteligência no mundo, também viu que, se ela não tiver ética, ela se torna cruel e não é boa para a humanidade.

Só que, agora, por causa dessa super ascensão da IA generativa, a gente começa a ver isso realmente pautado nos órgãos de governo, com uma pressão maior. As empresas que fazem, produzem e desenvolvem a IA também estão tentando fazer alguma regulação. Só que qual é o grande problema disso? 

Uma coisa que eu aprendi com o pessoal de direito, que também se mistura com a área de sociedade digital, é que não adianta ter uma lei se ela não tem instrumentos para ser aplicada. Se você pegar qualquer lei, ela não vai funcionar se não tiver como ser executada.

Martha Gabriel é autora de diversas obras literárias(Foto: Arquivo Pessoal/Martha Gabriel)
Foto: Arquivo Pessoal/Martha Gabriel Martha Gabriel é autora de diversas obras literárias

E o que a gente está vendo agora? Uma grande atividade na Europa, em vários lugares, mas se a gente não tiver o apoio das organizações e uma forma de entender o que elas estão fazendo para poder aplicar a lei, não adianta nada.

A tecnologia está se acelerando muito rápido, então precisamos de uma regulação que também seja extremamente acelerada. E a gente não tem isso ainda. A grande solução, ou pelo menos o que está sendo pensado agora, é tentar fazer uma autorregulação.

Ou seja, todo mundo que está envolvido tem boas práticas para regular isso e, conforme o tempo passa, as práticas vão se adequando mais rapidamente, sem que precise esperar que leis passem por trâmites intermináveis.

Outro problema que a gente tem é que não adianta você regular de uma forma em um país e de maneira diferente em outro, porque a internet não tem fronteiras. Os servidores estão em diversos lugares do planeta, com empresas americanas ou chinesas controlando essas infraestruturas. Então, ou a regulação acontece de maneira conjunta entre os países ou é muito difícil de ser implementada. 

OP - Qual o papel das universidades e as instituições de ensino na preparação dos profissionais para o futuro digital?

Martha Gabriel - Desde sempre, a IA esteve muito dentro do ambiente universitário. Esses avanços todos aconteceram com a colaboração entre universidades, apoio de órgãos governamentais e empresas que tinham interesse em desenvolver tecnologia.

 

"Se a IA for utilizada de maneira ética, o potencial dela pode ser enorme." Martha Gabriel, futurista e escritora

 

De 10 ou 15 anos para cá, o desenvolvimento da IA aconteceu com a colaboração do governo e das universidades, em um ambiente controlado e focado em pesquisa. Hoje, as universidades continuam com esse papel, mas o desenvolvimento se espalhou pelas big techs e startups.

A formação acadêmica, porém, ainda é fundamental, principalmente porque as universidades promovem uma reflexão ética e colabora com o mercado, como com o desenvolvimento de pesquisas. Muitas discussões sobre ética, moral e regulação vêm de teses e estudos acadêmicos.

 

 

OP - Como essas ferramentas de inteligência artificial podem impactar no curto e médio prazo no mercado de trabalho e nos processos de educação? Elas tendem mais a ajudar ou a complicar?

Martha Gabriel - A tecnologia transforma. Ela altera tudo o que já fazemos. No início, ela pode dificultar nossa vida, porque temos que nos adaptar. Até substituir pessoas, a tecnologia pode ser um problema para quem não tem capacidade de adaptação. A tecnologia ajuda, mas o que atrapalha é a falta de capacidade de adaptação.

Pesquisas mostram que é necessário se requalificar ou, pelo menos, se atualizar uma vez por mês — eu diria que uma vez por semana. Eu faço isso todos os dias: o que está acontecendo, o que tem de novo, como posso melhorar meus processos? A colaboração é essencial. Não conseguimos evoluir sozinhos nesse grau gigante de aceleração.

Tem muita gente que está se distanciando em termos de produtividade e passando para um novo patamar, enquanto outras pessoas nem sabem ainda que essas ferramentas existem. Por exemplo, quando o ChatGPT surgiu, em três ou quatro meses, mais de 90% das vagas de emprego nas plataformas de recrutamento pediam urgência para quem sabia usar a ferramenta. Ou seja, é muito rápido.

As pessoas precisam se adequar, se transformar. E daqui para frente, isso vai acelerar ainda mais. Eu acredito que a sociedade vai precisar se conscientizar disso e ajudar as pessoas que estão ficando para trás a se capacitarem.

OP - Como o profissional que está se formando, se atualizando nesse contexto, deve encarar o uso das ferramentas de inteligência artificial para não perder espaço e nenhuma oportunidade?

Martha Gabriel(Foto: João Filho Tavares)
Foto: João Filho Tavares Martha Gabriel

Martha Gabriel - Eu brinco que a principal habilidade para o futuro é o pensamento crítico. E a gente não foi educado para ter pensamento crítico, infelizmente. O pensamento crítico é o que te ajuda a entender o que está acontecendo e tomar as melhores decisões para a próxima etapa. Então, o que eu recomendaria a qualquer estudante (e não só estudante, porque todos nós também precisamos) é investir no desenvolvimento do pensamento crítico.

A gente, por muito tempo, foi ensinado a acreditar no que nos é dito, sem questionar. Isso gerou polarizações e várias distorções que estamos vivendo hoje, como fake news e teorias da conspiração.

O pensamento crítico é o que vai permitir que as pessoas se adaptem e não se deixem levar por narrativas manipulativas. A educação para o pensamento crítico é urgente. Claro, nesse mundo, escolher a tecnologia correta é fundamental.

Não é preciso ser especialista em robótica, mas é fundamental entender que os robôs vão atuar tanto de forma física quanto autônoma, em áreas onde antes atuava o ser humano. 

A pergunta que todos precisam fazer todos os dias é: "Como estou utilizando as tecnologias mais poderosas no meu dia a dia para melhorar o que faço?"

OP - Outra grande preocupação atual é com as mudanças climáticas. Como a inteligência artificial pode colaborar na busca por alternativas, tanto para mitigar os efeitos quanto para lidar com outras questões socioambientais?

Martha Gabriel - Rapidamente, a IA pode ter autonomia na época de automação para isso. Ela é capaz de processar grandes volumes de dados com velocidade. Da mesma forma que um ser humano não consegue processar rapidamente a quantidade de informações.

Por exemplo, no trânsito, você usa o Waze, que em segundos calcula uma nova rota porque pegou dados em tempo real. Ele pode recalcular a rota em poucos segundos com base em novos dados. A IA pode fazer o mesmo tipo de análise para questões climáticas.

Hoje, o clima é extremamente complexo, porque o que acontece em um lugar pode afetar outro, como o trânsito. O que acontece em uma rua que está bloqueada afeta o trânsito de toda a cidade. Para o clima, é a mesma coisa: algo que ocorre no Rio Grande do Sul, por exemplo, pode ser influenciado por dados de outros lugares, como a Ásia, a África ou a Amazônia.

Inteligência artificial ajuda a identificar padrões climáticos complexos(Foto: Exército Brasileiro/Twitter)
Foto: Exército Brasileiro/Twitter Inteligência artificial ajuda a identificar padrões climáticos complexos

A IA pode ajudar a analisar esses dados e fornecer informações preditivas para entender tendências e mitigar problemas futuros. O mais interessante é que, se você reparar, a previsão do tempo está muito mais precisa hoje. Comparando com dez anos atrás, é claro que a previsão do tempo tem acertado mais.

Isso ocorre porque os sistemas de IA estão analisando sinais e dados de forma muito mais eficiente, o que permite previsões mais precisas. No contexto dos recursos do planeta, a IA também pode ajudar a otimizar o uso dos recursos naturais e na mineração de dados, por exemplo.

Mas, para isso, é necessário que haja uma vontade de colaboração, não apenas interesse próprio. Se a IA for utilizada de maneira ética, o potencial dela pode ser enorme. Mas, se não houver um alinhamento entre a evolução da IA e a evolução humana, poderemos correr o risco de sermos dominados por ela.

 

 

OP - Falando sobre o futuro da IA, você brincou que “se não nos desenvolvêssemos no mesmo ritmo, poderíamos acabar virando um 'pet' da IA”. Como imagina que isso poderia acontecer?

Martha Gabriel - A gente pode comparar a IA com as inteligências que já conhecemos, e hoje a maior inteligência no planeta é a humana, pelo menos de acordo com o que conhecemos. Nós somos a espécie dominante, mas ao mesmo tempo, temos outras espécies que admiramos, como os animais, os pets, os cavalos, e a natureza de modo geral.

Só que, com os animais e a natureza, não mantemos uma interação como se fossem iguais a nós. Interagimos de uma forma onde fazemos o que queremos e cuidamos dos outros do jeito que achamos certo. Agora, a IA está começando a ultrapassar os humanos em certas áreas, e isso pode levar a uma transformação muito rápida.

A IA não teria a intenção de exterminar a humanidade, mas, se ela continuar evoluindo a um ritmo mais acelerado, ela pode começar a tratar os humanos como "pets", analisa Martha(Foto: Kazuhiro Nogi/AFP)
Foto: Kazuhiro Nogi/AFP A IA não teria a intenção de exterminar a humanidade, mas, se ela continuar evoluindo a um ritmo mais acelerado, ela pode começar a tratar os humanos como "pets", analisa Martha

O ser humano, por sua natureza, não evolui tão rápido quanto a IA, e se não conseguirmos nos integrar a essa evolução, corremos o risco de ficarmos para trás. A IA não teria a intenção de exterminar a humanidade, mas, se ela continuar evoluindo a um ritmo mais acelerado, ela pode começar a tratar os humanos como "pets", da mesma forma que hoje tratamos os animais.

No entanto, é importante frisar que a IA não tem, por enquanto, desejos próprios ou intenções de dominar a humanidade. Mas se ela se tornar consciente e evoluir em direção à autonomia, surgem questões éticas muito sérias.

Se a IA atingir um nível de consciência, não podemos tratá-la como algo que nos serve, como um "escravo digital". Isso seria antiético. O futuro mais provável, em minha visão, é uma simbiose entre a IA e os humanos, onde nos tornamos uma espécie híbrida, incorporando as capacidades de forma ética.

OP - Além da IA, quais outras tendências tecnológicas ou comportamentais destacaria para os próximos anos?

Martha Gabriel - Além da inteligência artificial, existem outras tecnologias que têm um potencial imenso de transformar a nossa realidade. Uma delas é a edição genética, especialmente com o CRISPR, uma ferramenta que permite editar o DNA de organismos vivos. Essa tecnologia está em ascensão e já está em uso há quase uma década, mas está se tornando cada vez mais acessível.

O mapeamento genético, que antes era extremamente caro, hoje custa menos de 100 dólares. Isso está tornando a edição genética mais acessível, o que pode permitir a modificação do corpo humano de maneiras antes impensáveis.

Essa tecnologia pode ser usada para melhorar várias características humanas, mas também levanta grandes riscos ecológicos. Se as pessoas começarem a editar seu DNA para criar características específicas, como a audição de um cachorro, por exemplo, isso pode gerar um desequilíbrio ecológico significativo. É preciso ter muito cuidado com essa possibilidade, pois o uso indiscriminado da edição genética pode resultar em consequências imprevisíveis e até catastróficas para o meio ambiente.

Outro ponto importante está relacionado aos comportamentos humanos em relação à tecnologia. Estamos vendo um aumento do isolamento social, especialmente entre os mais jovens, devido ao uso excessivo de tecnologias como IA, redes sociais e outros dispositivos.

Esse fenômeno começou no Japão há duas décadas, e agora também é visível na Coreia. As pessoas estão cada vez mais preferindo a interação virtual à interação física, o que pode afetar a saúde mental e o bem-estar a longo prazo. Na educação, por exemplo, já está sendo observada uma reversão da tendência de inserir tecnologia em tudo. Algumas escolas estão voltando a priorizar a interação humana direta, sem a mediação da tecnologia, para evitar que a relação social se degrade.

Essas mudanças comportamentais não têm efeitos imediatos. Demora um tempo para percebermos como as tecnologias estão impactando nossa saúde mental e os relacionamentos interpessoais. Estamos vendo os efeitos de décadas de uso da web, e a questão da saúde mental está se tornando cada vez mais importante. Esse é um desafio que teremos que enfrentar, pois a tecnologia pode evoluir rapidamente, mas a adaptação humana a essas mudanças leva mais tempo.

Capa do livro Liderando o Futuro, de Martha Gabriel(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Capa do livro Liderando o Futuro, de Martha Gabriel

OP - A senhora também escreveu vários livros, gostaria de saber como é que esse prazer pela escrita se desenvolveu quando você percebeu que teria como os processos, ideias e concepções sobre o Futuro por meio desses livros?

Martha Gabriel - É bem interessante porque quem faz exatas acha que escreve muito mal. Eu era boa de fazer conta, de estruturar projeto, mas eu não achava que eu era boa em escrever. Aí quando eu estava fazendo uma pós-graduação de design, há uns 20 anos atrás, comecei a perceber que os professores gostavam muito dos meus textos. E aí eu fui ver o porquê e era porque eu tinha estruturação lógica.

De lá para cá, eu fui me interessando para melhorar minha escrita. E aí quando foi mais ou menos 2007, estava naquela ascensão de marketing, as pessoas não sabiam o que que era e eu sabia utilizar. Falei: vou escrever um livro. Ninguém quis me publicar, eu escrevi fazendo toda a produção, aí a editora Novatec, até hoje tenho um carinho muito grande por eles, viram esse livro no mercado e aí me convidaram para escrever é um mais encorpado.

Eu aprendi muito com os editores porque eles começaram a ensinar algumas coisas que são boas para o mercado e eu fui adequando junto com esse estilo que eu já tenho. As pessoas começaram a gostar e eu vi que eu gosto muito de escrever porque é uma maneira de organizar as ideias, de transmitir mais profundamente aquilo. Uma palestra nunca consegue fazer um livro faz, então eu fui descobrindo realmente um prazer e eu continuo tentando melhorar cada vez mais.

OP - Entre esses best-seller que escreveu algum te trouxe um desafio maior e/ou nutre algum afeto especial por algum deles?

Martha Gabriel - O primeiro que foi realmente um best-seller é o "Marketing na Era Digital", que já está na terceira edição. Mas você vai evoluindo em termos de divisão de mercado, né? Então, o marketing na era digital é mais focado, só que, por ser marketing, acho que é uma leitura muito útil pra todo mundo.

O "Liderando o Futuro" eu fui ao contrário. Eu fui do mais específico para o mais geral. Ele é o mais amplo, que me dá uma uma visão para transformação e adaptação. Então, eu gosto muito desse livro e foi uma soma de tudo que eu fui fazendo e aplicando com executivos, com empresas, com público em geral, para fazer transformação de carreira e enxergar o que está acontecendo.

 

 

OP - Quem são as suas inspirações, podem ser tanto profissionais quanto pessoais?

Martha Gabriel - Eu tenho inspiração da minha família mesmo. Começa lá atrás com a tecnologia, por meio do meu pai e da minha mãe, que trabalhavam juntos com isso nos anos 60. Eu sempre tive pessoas muito fortes na minha família, minha avó foi imigrante italiana e veio para o Brasil. Uma mulher que trabalhava fazendo tudo que era necessário.

Então assim, eu tenho inspiração familiar e também tenho inspirações na literatura e no mercado. Eu adoro Alan Turing e acho ele extremamente inspirador. Acredito que ele foi injustiçado ao longo da vida por problemas de preconceito etc, mas gosto demais. Margareth Thatcher também foi uma mulher muito forte nos anos 80 e também sabia enxergar geopolítica e trabalhar, em um momento em que eram muito mais homens inseridos nesse contexto.

Alan Turing é considerado o pai da ciência da computação teórica e da inteligência artificial (Foto: Domínio Público)
Foto: Domínio Público Alan Turing é considerado o pai da ciência da computação teórica e da inteligência artificial

OP - Gostaria de te perguntar sobre algo mais pessoal. Quando não está pensando sobre o futuro, o que faz? Quais são os seus hobbies?

Martha Gabriel - Meu hobby principal é viajar. Eu já conheço uns 130 países ao redor do mundo. E não é para ficar só na praia ou curtir a natureza, mas para entender outras culturas, como as pessoas pensam, como vivem. Fico irritada com o preconceito, especialmente de quem fala mal de culturas que não conhece. Acho complicado quando as pessoas não buscam entender outras realidades. Isso é algo que me motiva muito, conhecer e aprender com a diversidade de culturas.

Além disso, sou super fã de Star Trek, uma série que tem uma visão do futuro muito interessante, principalmente em relação à ética, à tecnologia e à moral. Ela começou nos anos 60 e já imaginava o que estamos vivendo hoje no século XXI. Já falavam sobre polarização e como a humanidade teria que evoluir para um futuro em que o dinheiro não seria mais necessário, mas sim um mundo de colaboração onde todos atingem o seu máximo potencial. Eu adoro isso!

Me inspira bastante como futurista, porque o futurismo também é imaginar futuros possíveis. Star Trek tem muito disso: mostrar tanto cenários negativos quanto positivos. Eu prefiro pensar nos positivos. E, se eu pudesse dar uma dica final para todos que estão lendo, seria: assistam à Star Trek, especialmente a série original dos anos 70. Tem várias lições interessantes ali. 

OP - E quando pensa sobre o seu legado, como você gostaria de ser lembrada daqui a 100 anos?

Martha Gabriel - Eu gostaria de ser lembrada como alguém que ajudou as pessoas a se prepararem para o futuro. Tem uma frase que eu sempre falo nas palestras e que também está no meu livro, Liderando o Futuro, que eu costumava falar muito para os meus filhos quando eram pequenos: "A vida não se recompensa pelo esforço, a vida se recompensa pelos resultados".

Isso é muito sobre a aplicação inteligente do esforço. Não adianta se esforçar na direção errada, a gente precisa transformar esforço em resultado. Hoje, estamos vivendo uma aceleração tão grande, que eu comecei a dizer: "O futuro não espera e não perdoa a falta de preparo".

Então, eu gostaria de ser lembrada como alguém que ajudou as pessoas a se prepararem para o cenário tecnológico que está vindo, a se adaptarem e a estarem prontas para esse futuro. Esse é o legado que eu gostaria de deixar. (Colaborou Adriano Queiroz e João Bosco Neto/Especial para O POVO) 

 

 



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