Quando Erick Torres foi anunciado como CEO (diretor-executivo) da recém-criada unidade da ArcelorMittal no Pecém, em São Gonçalo do Amarante, há pouco mais de dois anos, o engenheiro metalúrgico nascido no subúrbio do Rio de Janeiro já tinha estudado bem a potencialidade da planta industrial cearense, administrada até então pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
Não era a primeira vez que ele deixava o estado natal para dar um passo decisivo em uma carreira que começou sem tantas perspectivas de ascensão, tanto pelas condições sociais que marcaram a sua infância quanto pelos próprios interesses profissionais iniciais, mais modestos.
“O meu propósito era assim: olha, eu vou ser um bom engenheiro”, lembra dos primórdios da carreira, em 2002.
“Você imagina: um garoto que veio do subúrbio do Rio de Janeiro, criado em um lugar onde não tinha acesso a ninguém, não conhecia nenhum engenheiro para dizer qual era o papel dele. Então, quando surgiu a oportunidade de trabalhar em uma das maiores empresas de produção de aço do planeta, foi como uma oportunidade de ouro na minha vida”, prossegue Erick Torres.
A chance apareceu em um estado vizinho, o Espírito Santo, na ArcelorMittal Tubarão, na cidade de Serra, onde começou como engenheiro trainee. “Foi a planta que mais me encantou na época. Ela tinha capacidade de produção de 7,5 milhões de toneladas. Eles nos receberam como alunos de forma única, com muita paciência. Aquilo me chamou muito a atenção”, disse.
Daí foram dez anos ascendendo e aprendendo gradualmente na ArcelorMittal, com a vida baseada em terras capixabas, até que surgiu uma oportunidade, em uma nova empresa, de voltar ao Rio de Janeiro, a ThyssenKrupp. “Foi uma experiência muito distinta: montar times e vê-los evoluírem, passando pela fase de aprendizado”, comparou.
“Meus filhos eram mais novos à época, e foi uma decisão importante para a nossa família. Foi essencial para que meus filhos tivessem a oportunidade de se conectar com meus pais e com os pais da minha esposa. Sem dúvida, valeu muito a pena”, acrescentou. A conexão com a família, a propósito, é uma constante em toda a carreira.
O pai foi um dos principais incentivadores para que ele não perdesse o foco nos estudos. “Meu pai teve a capacidade de enxergar isso, mesmo com toda a dificuldade de acesso. Ele dizia sempre: "Vamos trilhar o caminho da educação", recordou. “Eu sempre digo que a minha transformação veio através da educação e do amor”, enfatizou.
Ele lembrou também dos projetos transformadores que ele, agora, ajuda a tocar na ArcelorMittal Pecém. “É a possibilidade de um menino negro olhar para mim e dizer: ‘Caramba, a gente pode alcançar coisas diferentes’”, celebrou.
Aos 49 anos, além de curtir momentos em família, o tempo livre é dedicado à música, com uma coleção de mais de 3 mil vinis e ao Flamengo, clube do coração que pôde acompanhar ser campeão em fevereiro deste ano na terra da mãe dele, Belém.
Pará, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Ceará… Esses são apenas alguns dos locais dos quais Erick recebeu e transmitiu influência.
O primeiro CEO negro da Arcelor Mittal quer ver muitos outros garotos periféricos, Brasil afora, superarem obstáculos estruturais.
Mais que isso, ele quer ser voz ativa contra o racismo no ambiente corporativo e marca história na siderurgia nacional.
O POVO - Erick, como descobriu esse interesse pela área da engenharia? Conte-nos um pouco da tua infância e adolescência até chegar à universidade.
Erick Torres - Na verdade, não foi na infância que eu fui capturado absolutamente pela engenharia. Eu tive uma infância bem simples e humilde. Sou do Rio, sou carioca, e cresci em um bairro no subúrbio do Rio de Janeiro.
Minha infância foi em Irajá, um bairro muito suburbano, próximo à Pavuna. Esses são bairros periféricos.
Eu era apaixonado por futebol. Porém, desde o início da minha infância, a valorização da educação era muito presente na minha casa.
Minha família não tinha ninguém com formação superior. Meu pai foi o primeiro da família a se graduar, mas ele se formou quase junto comigo, na engenharia.
O que eu acho interessante foi a capacidade que meu pai teve de enxergar isso, mesmo com toda a dificuldade de acesso e sem conhecer muitas pessoas que servissem como exemplos. Ele dizia sempre: "Vamos trilhar o caminho da educação."
Eu sempre digo que a transformação da minha vida veio através da educação e do amor. A partir da educação, nossa vida foi se transformando. Eu fiz o Instituto Federal, que aqui é o IFCE.
Na época, era a Escola Técnica Federal, depois virou Cefet, e agora é IFRJ. Então, eu estudei lá, uma instituição pública, e a maior parte da minha vida foi em instituições públicas.
A partir dali, minha vida clareou. Foi quando comecei a me aproximar das ciências exatas. Comecei a entender: "O que eu vou fazer depois do técnico?" E aí, muitas pessoas começaram a dizer: "Você é bom em matemática, gosta de física, por que não faz engenharia?" Até então, eu não tinha essa conexão, mas ela surgiu quando tive a oportunidade de estudar
Logo cedo, comecei a trabalhar como técnico, mas continuei estudando. Também estudei em universidades públicas, que considero uma grande oportunidade. Acredito que a educação foi responsável pela transformação da minha vida e da minha família, como um todo. Depois, a minha geração foi a primeira a fazer graduação, e até meus tios e tias voltaram a estudar.
Minha mãe é do Pará, e, a partir dessa educação, toda a nossa família foi transformada. Ela sempre trouxe muito amor e cuidado com os filhos, e o projeto de transformação pela educação foi abraçado por ela e por meu pai de uma forma muito apaixonada.
O POVO - Entrastes na ArcelorMittal no início da sua carreira. O quanto ter passado por tantas etapas e momentos diferentes na empresa ajuda hoje?
Erick Torres - Eu comecei a trabalhar como técnico, mas não foi na ArcelorMittal. Foi em uma outra empresa, que hoje trabalha com a ArcelorMittal: a Praxair, que era controladora da White Martins.
A Praxair agora é outra empresa, a Linde plc. Comecei a trabalhar como técnico por volta da década de 1990 e, a partir daí, fui cursando a universidade. Escolhi engenharia, e, no segundo ano da universidade, houve a opção de escolher uma área. Lá na Universidade Federal Fluminense, você podia fazer essas escolhas depois do segundo ano, e eu escolhi a metalurgia.
Escolhi a metalurgia por uma razão interessante. O head de P&D (sigla inglesa para Pesquisa e Desenvolvimento) do Brasil e da Espanha na área era um brasileiro chamado Charles Martins, que era engenheiro da CSN e também dava aulas na universidade. Ele ia nas palestras da universidade mostrando o papel do engenheiro e aquilo me chamou muita atenção.
O mais interessante é que, mais tarde, trabalhei com ele como pesquisador, ele foi meu orientador no mestrado, e depois trabalhamos juntos na ArcelorMittal.
Então, comecei a estudar engenharia metalúrgica e a aprender sobre as plantas onde eu poderia trabalhar.
A planta da ArcelorMittal de Tubarão (em Serra, no Espírito Santo) foi a que mais me encantou. Ela tinha capacidade de produção de 7,5 milhões de toneladas. Naquela época, a planta nos recebeu como alunos de forma única, com muita paciência. Aquilo me chamou muito a atenção.
Paralelamente a isso, eu ainda trabalhava em outra empresa, mas queria voltar para a área de produção. Em um determinado momento, fiz o concurso para a Polícia Federal e, ao mesmo tempo, abriu o processo para a companhia de Tubarão. Minha esposa disse: "Por que você não tenta a vaga na ArcelorMittal? Esse negócio de polícia não é para você." Ela estava certa.
Eu nunca gostei de arma. Eu falei: - Sabe de uma coisa, isso não é para mim! Eu vou para Vitória!
Eu estava no Rio naquela época. Então, pedi demissão da empresa onde estava e fui para Vitória para começar como trainee na ArcelorMittal Tubarão.
Depois consegui ficar como supervisor, e acabei passando pelas áreas todas como engenheiro. Eu fiquei muito tempo em alto forno, que foi onde comecei, e fiquei muito tempo lá. A siderurgia tem isso. Ela te apaixona. A partir dessa experiência, pude estudar e desenvolver projetos.
Eu continuei crescendo. Passei a ser gerente da área responsável pelo alto forno. Depois eu tive uma responsabilidade maior, que foi ser gerente da unidade técnica. Depois fui gerente do LTQ (sigla inglesa para Laminados a Quente), e, depois, fui responsável por toda a planta de Tubarão e de Vega (em Santa Catarina).
Depois, me fizeram um convite para avaliar essa empresa, como líder da avaliação. E, após essa avaliação, eu fui convidado para ser líder da planta do Pecém, E, nesses últimos dois anos, eu estou feliz da vida porque o Ceará tem grandes similaridades e uma conexão muito grande comigo.
O POVO - Nesse meio tempo tens uma passagem pelo ThyssenKrupp. Queria saber um pouco sobre o aprendizado e sobre as lembranças daquela época e do que foi importante também para ajudar a moldar o Erick que retornou à ArcelorMittal?
Erick Torres - Foi muito importante, sim. Eu digo que foi um capítulo importantíssimo na minha carreira.
Por quê? Porque era diferente da ArcelorMittal, onde eu tinha nascido na base e tinha um grupo de pessoas. A minha saída de lá foi em 2012, após 10 anos de empresa. Eu tinha entrado na ArcelorMittal em 2002. Isso tinha me dado um conhecimento de pessoas. Porém, a unidade de Tubarão, quando eu cheguei nela, já tinha mais de 20 anos de operação.
Quando tive a oportunidade de ir para ThyssenKrupp, era uma empresa que tinha acabado de entrar em produção. Então, foi uma experiência muito distinta. Montar times e ver esses times evoluírem, passando pela fase de aprendizado, foi muito importante e decisivo para mim.
Eu formei grandes amigos e fiz parcerias valiosas. Por exemplo, foi lá que conheci a Patrícia, que hoje é nossa gerente geral de Relações Institucionais e Sustentabilidade.
Aquela experiência me fez conhecer diferentes momentos e diferentes níveis de maturidade de uma empresa e me ajudou a desenvolver muita maturidade pessoal também. Aprendi muito sobre como formar times e como deixar um legado, um aprendizado e uma construção que são fundamentais para o crescimento de uma organização.
Eu não tenho nenhum arrependimento daquela época; foi uma época de muito trabalho. Trabalhei lá por dois anos e meio, e durante esse período só consegui passar três finais de semana em casa, pois a planta estava em fase de início de operação e precisava de muito suporte e atenção.
Mas, apesar disso, foi um momento muito feliz. Paralelamente, eu voltei para o Rio de Janeiro. Meus filhos eram mais novos na época, e foi uma decisão importante para a nossa família.
Foi essencial para que meus filhos tivessem a oportunidade de se conectar com meus pais e com os pais da minha esposa.
Foi uma decisão que, sem dúvida, valeu muito a pena. Hoje, vejo como esse contato com os avós e tios tem sido muito valioso para eles. O carinho e cuidado da família são algo muito legal e bacana.
O POVO - Vamos dar um salto no tempo e chegar ao Pecém. Como foi aquele primeiro momento, como foram aquelas primeiras impressões? Já conhecias o Ceará antes?
Erick Torres - Eu vou te contar o que aconteceu cinco meses antes para explicar como foi. Em um período anterior, eles me chamaram para me deslocar e liderar o time responsável para fazer essa Due Diligence, que é a avaliação da planta como um todo. O time era grande e eu fiquei na liderança dele. Tínhamos pessoas da área operacional, da controladoria, da área comercial e de logística.
Então, viemos para cá para fazer a avaliação da empresa. Ficamos dois dias, mas na verdade passamos um dia preparando e planejando como faríamos isso, já que tínhamos apenas dois dias para fazer essa avaliação. Após as visitas, no quarto dia, fizemos um relatório, mas ainda tínhamos algumas dúvidas.
Pedimos à empresa para que, após 15 dias, nos recebesse novamente, focando em pontos específicos. E assim foi. Com a nova visita, a gente teve a certeza de que seria um bom negócio para a empresa e levamos esse comunicado para lá.
Paralelamente, eu ainda estava como vice-presidente de operações em Tubarão, Vega e Contagem (em Minas Gerais), que também está dentro do grupo. Tinha uma pessoa que estava no meu lugar lá e eu recebi um convite para participar de uma reunião do CEOs Office, em Londres.
Fui convidado, embora eu não fosse CEO, ainda não estava nesse cargo, mas isso era normal, pois às vezes outras lideranças que trabalham com os CEOs são convidadas. Nessa reunião, o Aditya Mittal, que é o nosso chairman, o número um da empresa, me chamou e perguntou: "Senhor Erick, eu queria ouvir de você, como é que foi realmente, o que você acha?"
Eu respondi: "Olha, Aditya, eu acho que a compra é devida, a empresa é muito bem estruturada, vamos precisar fazer alguns ajustes, mas está excelente para realizar a compra. Inclusive, brincando com ele, disse: 'Se o dinheiro fosse meu, eu comprava'."
Algum tempo depois, ele me ligou e disse: "Você não falou que se o dinheiro fosse seu, você comprava? Agora você vai para lá para liderar a empresa". E assim foi. No limite disso, nós tivemos a avaliação do Cade, e essa avaliação é muito séria.
Paralelamente, minha filha estava no nono ano e precisava vir para cá, mas ainda não estava aprovada.
Eu vim morar aqui antes de ter a compra finalizada. Depois de um mês, meu filho e minha esposa vieram para cá, e a Vitória já estava estudando aqui. Iniciamos esse processo que, como eu disse, foi muito importante. Eu repito: o povo cearense é muito acolhedor, e esse acolhimento foi fundamental para minha família.
Eu gosto de relatar isso para o pessoal da Europa, porque eles falam: "Mas você está dentro do seu país."
Claro, estou dentro do meu país, mas é como se eu fosse de Portugal para a Alemanha. A distância de Portugal para a Alemanha é a mesma daqui para lá. Ou seja, é uma mudança de vida significativa, não é algo simples.
Não dá para simplesmente pegar um avião e em três ou quatro horas estar em outro lugar, além de que a passagem não é barata.
"O povo cearense é muito acolhedor, e esse acolhimento foi fundamental para minha família."
O POVO - Sobre a planta do Pecém, o que ela representa e qual o peso dela dentro da estrutura da Arcelormittal. E também o que enxergas, até mesmo pensando nacionalmente e internacionalmente, sobre o peso dela?
Erick Torres - A aquisição da planta do Pecém teve muita importância e aspectos interessantes. Por exemplo, no Brasil, já tínhamos uma planta na região Sudeste e outra em Santa Catarina.
A concentração da ArcelorMittal estava muito no Sudeste, e ter uma planta no Nordeste e com localização estratégica pela costa, como é a característica dela, começou a abrir uma oportunidade de acessar mercados internos e externos aos quais não tínhamos tanto acesso e facilidade antes da aquisição.
Portanto, a posição estratégica da planta já se mostrou crucial desde o início.
Outro ponto importante foi a questão da energia renovável na região. A potencialidade dessa energia e as condições futuras para que possamos seguir em um processo de descarbonização – que é um compromisso da empresa – foram fundamentais na decisão de aquisição. Ter a oportunidade de contar com essa vocação foi muito relevante.
As conexões com a Europa, Estados Unidos e Canadá também foram decisivas. Além disso, o próprio equipamento era muito bom. A gente tinha uma planta muito nova, com apenas 6 ou 7 anos de operação, e contava com instalações muito bem estruturadas. Essa foi a primeira atração nossa e a conexão com a planta.
A partir daí, você passou a ter no Ceará a produção de 9,5% do aço bruto do Brasil. Hoje, o Ceará é o quarto maior produtor de aço do País. Além disso, a produção do Pecém representa 22% da produção da ArcelorMittal no Brasil, que é a maior produtora da América Latina.
Então, a planta ganhou um peso e uma posição muito forte para o grupo no Brasil, a partir da capacidade de entregar aços especiais e de alta qualidade. Hoje, ela começou a se destacar no mercado mundial.
Hoje, no Pecém, nós produzimos aços que só são produzidos aqui. Isso conectou muito bem com as oportunidades de abastecer não apenas o mercado interno, mas também o mercado externo.
O POVO - A propósito, tem se falado muito nos chamados aços inteligentes e também no aço verde. Como é que está esse processo de desenvolvimento, produção e, até de posicionamento da ArcelorMittal dentro desses novos conceitos?
Erick Torres - Quando a gente pensa no compromisso da empresa de alcançar a neutralidade até 2050.
Esse não é um compromisso apenas da empresa no Brasil, mas sim um compromisso global.
É lógico que, para essa trajetória até 2050, existe um planejamento de curto, médio e longo prazo. A curto prazo, a gente enxerga que as iniciativas que estamos tomando têm sido muito eficazes.
Estamos ampliando o consumo de sucata, porque o aço, como a Patrícia sempre diz, é 100% reciclado e infinitamente reciclável. Essa frase, para mim, é perfeita, porque traz a capacidade do aço de estar conectado com o futuro, de ser utilizado novamente em condições adequadas, o que é fundamental para o futuro que acreditamos ser necessário.
Ao aumentar o consumo de sucata, temos a capacidade de melhorar nossas emissões, nesse momento, no curto prazo. E estamos fazendo isso ao melhorar a performance da planta. No último ano, de 2023 para 2024, conseguimos reduzir nossas emissões em 4,5%, focados na melhoria da performance da empresa.
Paralelamente, estamos buscando alternativas para utilizar materiais diferentes na planta, de forma a ampliar a capacidade de redução de emissões. No médio prazo, vejo oportunidades para o uso de equipamentos alternativos, como o gás natural.
Se o preço se tornar viável, o gás natural pode ser uma boa alternativa. Temos uma planta em Tubarão que pode utilizar gás natural imediatamente, e na nossa planta aqui em Pecém, com um projeto finalizado, que não demanda tanto tempo e nem tantos investimentos, podemos adaptar nossos equipamentos para utilizar esse recurso.
O que vemos como barreira no momento é o preço do gás natural, mas acreditamos que ele pode ser um processo de transição interessante. O gás natural é um hidrocarboneto, e já contém hidrogênio, o que nos permite dar o primeiro passo para explorar o uso de hidrogênio.
A longo prazo, vejo um grande potencial para a energia renovável, como a eólica e a solar, além da produção de hidrogênio verde, que será conectado aos nossos futuros equipamentos.
Eu vejo isso muito claramente, e acredito que esse é o caminho. Essa potencialidade não pode estar desconectada do que priorizamos durante a aquisição da planta. No entanto, é necessário um percurso a ser realizado, que também requer a participação do setor público.
Quando olhamos para o Canadá e para a Europa, vemos que os investimentos públicos no setor são essenciais para alavancar ativos industriais. O setor siderúrgico globalmente está calcado na utilização de carvão, e a adaptação para alternativas mais sustentáveis exigirá não apenas tecnologia e pesquisa, mas também investimentos, tanto públicos quanto privados.
O POVO - Sabe-se o quanto o aço tem essa capacidade de ser reciclado nesse processo de transição energética, mas queria entender sobre outras ações da chamada agenda ESG que são implementadas pela Arcelormittal no Pecém...
Erick Torres - Eu falo com muita felicidade sobre isso.
Acredito que, onde temos nos posicionado como planta e unidade, temos realizado um trabalho muito ligado a essa parte de ESG. Vamos iniciar pelas letras, né? Vou começar ao contrário, pela parte de governança. Essa capacidade da gente se relacionar de forma geral e de ter a empresa conectada com os valores das pessoas internas também.
Hoje, temos um trabalho muito bacana com os nossos empregados, focado no desenvolvimento deles e na capacitação. Pregamos muito que as pessoas se coloquem em desafios diferentes para que possam crescer. Nos conectamos muito com a localidade, trazendo e gerando riqueza.
Para se ter uma ideia, hoje, São Gonçalo do Amarante e Caucaia, que são as duas cidades mais próximas de nós, receberam, no último ano, 950 milhões de reais em compras feitas por nossa empresa. Isso representa quase 70% das nossas compras totais no ano.
Considerando que esses são os municípios mais próximos de nós, acreditamos muito no desenvolvimento regional e setorial. Não queremos ser vistos como uma empresa que está apenas explorando o local, mas sim como parte de uma comunidade. Queremos que mesmo aqueles que não trabalham conosco saibam que estamos gerando algum tipo de riqueza para a região.
Temos feito isso com plenitude e muita seriedade. Temos projetos de desenvolvimento em parceria com a educação. Um projeto muito bacana é o de jovem aprendiz, que pega várias pessoas da região, especialmente dessas duas localidades, que depois se tornam empregados nossos.
Temos exemplos de pessoas que começaram a fazer engenharia a partir dessa vocação, ao enxergar ali uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional. Paralelamente, trabalhamos muito com a questão da sustentabilidade. Nossa planta é tecnologicamente muito forte e tem vários equipamentos ambientais de última geração.
Temos essa vocação, e o próprio compromisso com a descarbonização, visando a neutralidade até 2050, é algo muito forte, que conecta com toda essa condição de ESG, que para mim, deixou de ser apenas um estudo ou algo a ser falado e se tornou ações concretas executadas pela empresa. Eu consigo ver claramente os valores da empresa conectados aos nossos valores, como cidadãos. Isso me traz uma felicidade imensa.
O POVO - O quanto a vivência ajuda, por exemplo, a ser um líder com o olhar de inspirar pessoas que têm experiências de vida, talvez, até similares? E como é a questão da diversidade dentro do ambiente de trabalho? És o primeiro CEO negro da Arcelormittal. Como trabalham isso?
Erick Torres - Vou tentar responder a primeira pergunta porque ela também traz muita paixão para a gente. Eu estou com 49 anos, e você chega na empresa e vê pessoas passando por essa fase que a gente vivenciou lá atrás e que estão tendo uma oportunidade na indústria. Você se identifica com elas e elas se identificam com você. Isso é algo muito único e especial, sabe? Me emociona muito falar sobre esse assunto.
A vida da gente se faz presente em momentos em que, realmente, você não acredita que as coisas vão acontecer de forma clara, limpa e adequada, porque você não conhece como a oportunidade vai surgir e de que maneira ela vai aparecer.
Eu sou um homem negro, vindo de uma família na qual meu pai trabalhava como servente e segurança, fazendo dois turnos e a minha mãe fazia unha. O que se configurava para a gente era uma situação de trabalhar para ganhar dinheiro e colocar comida na mesa.
Minha condição era de ajudar meus pais e melhorar nossa situação. A partir do momento que a educação entrou na minha vida. Eu peço desculpa por estar repetindo sobre a educação e o amor, mas acredito que essas são coisas que me conectam muito.
E quando a gente enxerga um programa dentro da empresa que oferece oportunidades para os jovens aprendizes, que vêm de regiões onde não é tão simples a conexão de visão, por exemplo, de viver a realidade de trabalhar em uma indústria como a ArcelorMittal — de nível mundial — e você vê o brilho no olhar deles, isso reviver coisas que me emocionam muito. São coisas conectadas à minha própria vida.
Então, faço questão de bater um papo com eles quando chegam. Não abro mão de contar minha história e dizer para eles: "Olha, de onde eu vim e como essa oportunidade é única, mas não se limita a isso. Existem outras alternativas. Você pode ser um jornalista bem-sucedido, um advogado — como meu pai é hoje — ou o que você quiser, basta entender qual caminho seguir."
Eu não quero relativizar de forma alguma e dizer que basta querer para alcançar seus objetivos. Eu não gosto dessa ideia de que "basta querer e você vai conseguir."
Eu sei que existem outros mecanismos por trás de tudo, que criam uma dificuldade maior para quem vem de algumas condições específicas. Isso se conecta diretamente com a questão da diversidade e inclusão, porque sabemos que ainda há muito a evoluir, mas é necessário começar a criar caminhos para que as pessoas possam avançar nessa trilha.
E isso é muito bacana, né? Quando falamos sobre o programa dentro da empresa, que já completou seis anos — desde 2019 —, vejo que quando comecei, ainda estávamos engatinhando para entender as melhores práticas.
Hoje, por exemplo, nós verificamos que 50% das gerentes gerais da nossa planta são mulheres. Isso é sensacional, considerando que estamos em um ambiente siderúrgico predominantemente machista, em um mundo machista.
Trabalhamos com essa condição, onde também conseguimos montar um grupo de estagiárias composto 100% por mulheres. As meninas estão arrebentando dentro da empresa, todo mundo gostando do trabalho delas.
Estamos tendo a oportunidade de criar uma base e de olharem para mim e ver de onde eu vim. É a possibilidade de um menino negro olhar para mim e dizer: "Caramba, a gente pode alcançar coisas diferentes." Isso mexe muito comigo.
O POVO - Falastes muito da questão do amor, da família, do Flamengo também… Quando se desconecta do mundo do trabalho e vai realmente ter esse momento de contato com a família, com amigos, com as paixões, hobbies... Quem é o Erick fora da ArcelorMittal?
Erick Torres - Eu tenho algumas paixões. Uma coisa muito bacana é estar com meus filhos, o que me encanta muito. A gente faz muita coisa que eu gosto juntos.
Eu sou apaixonado por cinema e teatro, e eles também são. Então, conseguimos fazer isso juntos, eu, eles e a minha esposa. Isso é magnífico! A gente adora viajar e passear; todo mundo gosta, né?
Quem não gosta? Também sou apaixonado por esportes, principalmente futebol. Meu filho também gosta muito, e minha filha é apaixonada.
Acho que essas experiências são uma forma de nos desconectarmos e é importante nos religarmos com as coisas que realmente têm valor para nós. E isso é muito importante e necessário.
Eu gosto de estar na praia, e não há lugar melhor para isso que aqui. Eu sou típico carioca, gosto de praia, de chinelo, de bermuda. Se você me ver na rua, é assim que estarei. Não almejo grandes coisas para ser feliz no meu dia livre, gosto de praia, de futebol, de estar com a minha família, de ir ao cinema e ao teatro.
Ah, eu tenho uma coleção de discos de vinil, com mais de 3 mil álbuns. Sou apaixonado por música e gosto muito de variar o estilo. Sou bem eclético, mas só gosto de música boa.
Tem rock muito bom, blues, jazz, música popular brasileira, que é o que mais me fascina, tem forró muito bom. Se a música for boa, eu gosto. Sempre brinco com o pessoal quando convido para ir à minha casa ouvir música: - Escolha uma música, uma banda e um gênero, e eu vou achar os três nos meus discos. Normalmente, eu acho.
Colega do irmão mais novo
Um ano mais velho que o irmão Leonardo, Erick entrou junto com ele no curso de Eletrotécnica no Cefet do Rio de Janeiro, mas decidiu migrar para a siderurgia. Outro caminho que se apresentou para o executivo foi o acadêmico, quando chegou a fazer mestrado em Engenharia de Materiais.
Futebol, família e pé-quente
Erick aproveitou a partida entre seu time do coração, o Flamengo, contra o Botafogo, pela Supercopa do Brasil, realizado no dia 2 de fevereiro para visitar, com a filha, a terra da mãe: Belém do Pará. No estádio Mangueirão, a dupla acabou dando sorte para o Rubro-Negro que venceu a competição.
Mérito Industrial 2025
O executivo foi um dos três agraciados com a Medalha do Mérito Industrial de 2025, concedida pela Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), em solenidade realizada no dia 8 de maio no Centro de Eventos. Além dele, foram homenageados João Fiúza e Antônio Edmilson Lima Júnior.
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