São apenas três letras, ESG, mas o movimento é para que as agendas sustentáveis avancem e tornem o impacto autêntico e consistente em toda a cadeia produtiva.
A sigla, na tradução para o português, Ambiental, Social e Governança, também está alinhada com as inovações tecnológicas e comportamentais do setor industrial mundial, nacional e cearense.
A agenda ESG está diretamente ligada à redução de emissões de carbono, ampliação da diversidade entre colaboradores e transparência, o que gera credibilidade nos relacionamentos com os investidores e com os consumidores, impacto positivo e como consequência lucro.
Pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em parceria com o Instituto FSB, aponta que 81% das empresas entrevistadas consideravam ESG um tema importante e 55% esperavam aumentar investimentos em ações sustentáveis nos anos seguintes.
Porém, mostra que 72% dos executivos ainda estavam pouco ou nada familiarizados. A diretora de Inovação da CNI, Gianna Sagazio, afirma que investir em ESG dá às empresas a oportunidade de tornar seus negócios mais sustentáveis e inovadores.
“Vivemos um contexto desafiador como sociedade, cujos impactos atingem profundamente o Brasil e o planeta. As empresas que adotam um conjunto de parâmetros e valores éticos de ESG desenvolvem uma relação mais saudável com a sociedade e se preparam para os urgentes desafios do planeta.”
Carina Pereira Lins, gerente de sustentabilidade da Associação Brasileira de Automação GS1 Brasil, destaca que tanto a sustentabilidade como a agenda ESG têm que ser olhadas de forma sistemática, como uma cadeia.
“As empresas estão tentando encontrar maneiras de distribuir esse valor para toda a sua cadeia. Por exemplo, quando a gente fala em rastreabilidade, a grande indústria ela não consegue ter recurso, investimento para alcançar toda a cadeia, além do seu processo interno, com os outros atores da cadeia. Isso é um desafio pois a indústria é cobrada por esse compliance (ato de estar em conformidade com determinadas as leis, normas e regras)”, diz.
Mas ela diz que a GS1 tem sentido uma leve mudança já que para acessar capitais financeiros é preciso que todos estejam alinhados em relação aos compliances.
“Os pequenos muitas vezes estão embarcando nessa jornada, seja por regulamentação ou pela demanda do próprio mercado do grande cliente”, observa Carina.
Outro aspecto analisado na agenda ESG é a inovação dos produtos passar a ter dados e informações que deixem claro para o consumidor escolher na hora da compra e cita o exemplo que no futuro os produtos terão individualmente pegada de carbono.
“Assim o consumidor vai comparar entre o produto A e B na hora de consumir. A regulamentação na Europa já está nesse nível, que não só as empresas têm suas informações, mas cada produto em si. Isso alavanca a necessidade de forma absurda de termos dados para a sustentabilidade e o ESG como um todo”, visualiza a gerente da GS1 Brasil.
Atenta a essa tendência de mercado, a Federação das Indústria do Ceará (Fiec) criou, em 2022, o primeiro núcleo de ESG entre as federações do Brasil para certificar as indústrias cearenses que estão inseridas em suas formas produtivas e de relacionamento com a cadeira nas boas práticas ambientais, sociais e de governança.
O diretor financeiro e líder desse núcleo na Fiec, Edgar Gadelha, líder do Núcleo ESG/Fiec, avalia que o ESG é um tema transversal e muito importante, pois a própria inovação já atraia o apelo ambiental nas novas formas de produzir.
“A Fiec sempre teve essa preocupação por estar na vanguarda. Não vai a ver um crescimento sustentável de nenhum setor produtivo se a gente não tiver esse cuidado do ESG e atento as agendas globais, em virtude da competitividade”, declara Gadelha.
No Ceará, o diretor da Fiec, explana que a massa industrial é formada por micro e pequenos industriais, algumas médias e alguns investidores nacionais e internacionais. Os maiores já tem essa visão ESG mais consolidada e na política da empresa.
E o desafio é levar a cultura da sustentabilidade para os pequenos e médios empresários cearenses. “O empresário industrial quer se inovar, quer estar dentro do contexto, mas é preciso adequarmos as agendas para o porte dele”, considera.
A motivação para que uma empresa cearense procure a certificação do selo ESG-Fiec é diversa. Como a necessidade de adequação por solicitação de contratantes ou busca por reconhecimento e melhor posicionamento no mercado que atuam e até mesmo o acesso à linhas de financiamento e crédito.
“Além disso tem ainda a cobrança de novos investidores para fechamento de contrato, para avaliar o nível de maturidade do seu modelo de gestão atual”, sinaliza a coordenadora do núcleo de ESG da Fiec, Alcileia Farias.
Entre as empresas instaladas no Ceará que já receberam a certificação estão Qair, BCP, BSPar, Cerbras, Solar Coca-Cola, Vulcabras, Jangadeiro Têxtil, 3E Soluções.
E as de menor porte Intraplast e Alimempro. Outras 20 estão no processo como M. Dias Branco, Durametal, Jacauna, Amendoas do Brasil, Cinco Quinas, Duggê Sorvetes e Benatêxtil.
Alcileia ressalta que fica claro no decorrer do programa de certificação que as empresas já possuíam boas práticas na governança de seus negócios, mas o que falta muitas vezes é uma estruturação dessas ações.
“Algo que facilite a visualização pelo time de colaboradores, pela alta gestão, pelos conselheiros, investidores, clientes e até mesmo pela sociedade. O Selo ESG-Fiec nasceu com esse objetivo, potencializar o posicionamento da marca destas indústrias e aperfeiçoar seu modelo de gestão gerando novas oportunidades de negócio”, afirma.
Em quase dois anos de gestão do programa, que conta com parceria do certificador independente e internacional, Bureau Veritas, maiores dificuldades percebidas pela coordenadora de ESG da Fiec é o envolvimento tardio da alta direção.
Mas com o passar do tempo elas percebem que o ESG os ajuda a otimizar a operacionalização da empresa por meio de uma melhor eficiência na execução das atividades diárias, diz Alcileia.
Para a obtenção da certificação, o processo acontece em etapas, que se inicia com uma auto avalição e a adequação e atendimento aos critérios do programa. Posteriormente, vem uma auditoria.
O desenvolvimento de políticas e práticas dura até 12 meses e nesse período a empresa deverá apresentar evidências das práticas já realizadas e até mesmo desenvolver políticas e práticas específicas para abordar questões ESG.
A coleta de dados e respectiva apresentação das evidência se dá por meio de uma plataforma digital, que facilita a inserção de dados e informações por parte do usuário e a aferição do auditor.
Outra indústria cearense, mas de menor porte, que aderiu a certificação ESG da Federação Nacional das Indústrias do Ceará (Fiec) foi a Intraplast, que atua no setor químico.
O diretor da empresa e vice-presidente do Sindicato das Indústrias Químicas, Farmacêuticas e da Destilação de Petróleo no Estado do Ceará (Sindquímica), Beto Chaves, informa que no DNA da empresa já o cuidado com o meio ambiente, o desenvolvimento de seus colaboradores e o respeito com o mercado ao qual está inserido.
Para ele, tudo se inicia dentro da fábrica, com os processos bem definidos norteados através do sistema de gestão da qualidade (SGQ), com a certificação da ISO 9001.
“Assim temos controle e a rastreabilidade de tudo em nossa indústria, logo, conseguimos controlar desperdícios e encaminhamentos de todos os materiais e produtos manipulados dentro da Intraplast”, explica.
Com essa iniciativa da rastreabilidade, o diretor reforça que fica mais fácil demonstrar ao mercado, que a empresa é uma indústria forjada nas bases do ESG e toda a sustentabilidade, ambiental, social e empresarial, que isso gera.
A planta que fica localizada no Polo Químico de Guaiuba foi toda concebida e planejada nas bases do ESG. Todos os equipamentos de movimentação, como patinhas e empilhadeiras, são elétricas, trazendo mais conforto para os colaboradores.
“Fazemos parte do programa indústria legal do Sesi, onde as medições de temperaturas e ruídos estão todas controladas em níveis que não trazem riscos aos colaboradores”, destaca o diretor.
Chaves conta que utiliza como matéria-prima o PET-PCR, um plástico reprocessado depois de consumido, em grau alimentício com respaldo da Anvisa.
“Ou seja, trabalhamos com matéria prima 100% reciclada em tecnologia que se retira os gases e as impurezas do PET, para o contato com o alimento sem o risco de migração. Isso, sem contar que incentivamos a cadeia da economia circular do plástico”, explica o processo.
No dia a dia laboral, o industrial comenta que os colaboradores são orientados para o não desperdício, como um gesto simples, em que o último a sair apagar a luz.
E diz que pode parece uma bobagem, mas esse simples ato de conscientização, gera economia ao colaborador, quando entra no automático e leva essa prática para seu lar.
Hoje, 100% da energia consumida na Intraplast vem da própria usina fotovoltaica, o que ameniza o impacto no meio ambiente.
Em relação a emissão de carbono da empresa já está na agenda de 2024 a contratação de uma empresa especializada para calcular o crédito de carbono, para que ele volte ao mercado.
Quanto a água, a empresa possui uma cisterna que armazena 135 millitros de água da chuva, sendo que 35 mil litros são destinados da própria reserva técnica de combate a incêndio e os outros 100 mil litros são destinadas as tubulações sanitárias, sendo utilizada da Cagece, apenas a água para as pias e chuveiros dos lavatórios e vestiários.
A empresa faz semestralmente um relatório de impacto ambiental, trazendo todas as informações das movimentações de materiais gerados pela Intraplast. Por exemplo, embalagens de matéria-prima de fornecedores, a cada 60 dias é destinado para um reciclador com cadastro ativo na Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace).
“Nunca destinamos materiais para empresas de reciclagem que não tenha cadastro na Semace, pois assim, conseguimos fazer a rastreabilidade do produto”, aponta.
Na parte social, uma iniciativa para qualificar a mão de obra foi solucionada levando um profissional do Senai Ceará para dentro da empresa. “Contratamos um professor de um tema pré-definido e treinamos todos os colaboradores em nossa sala de treinamento equipada de com todos os recursos.
Não treinamos apenas os líderes, pois partimos da premissa que todos nossos colaboradores são líderes”, acredita.
Referencial mundial, a Coca-Cola está presente no Ceará com forte atuação para o Nordeste por meio da Solar Coca-Cola, umas das empresa já certificadas pelo Selo Fiec-ESG.
Na empresa, agenda de sustentabilidade faz parte rotina dos negócios desde o engajamento de colaboradores, clientes e fornecedores conta Orlando Fiorenzano, diretor de SupplyChain da Solar Coca-Cola.
“Além disso, a força da marca e a capilaridade da empresa permitem liderar mudanças para um futuro melhor. Esse reconhecimento é uma chancela para continuarmos seguindo neste caminho.
Internamente, trabalhamos a governança, a representatividade e o protagonismo”, diz o executivo.
A empresa tem um Comitê de Sustentabilidade formado por acionistas e conselheiros que orienta a condução do tema, fortalece o compromisso e acompanha a execução das iniciativas.
E para olhar a agenda toda, existem outros grupos temáticos de colaboradores com voz ativa na definição de políticas afirmativas ligadas à raça, gênero, etarismo e toda forma de inclusão e diversidade.
Já para o público externo o foco está em ações sociais e ambientais. Fiorenzano conta que desenvolveram iniciativas ligadas à segurança alimentar, à capacitação de jovens para o mercado de trabalho, ao empoderamento feminino por meio do empreendedorismo.
“Na questão ambiental temos um trabalho muito forte em projetos ligados à resíduos sólidos, conservação de recursos hídricos, acesso da população à água potável e desenvolvimento de fontes renováveis de energia”, cita como exemplo.
A Solar, como integrante do Sistema Coca-Cola, comprometeu-se globalmente a atingir até 2030 a neutralidade do equivalente a 100% das embalagens que vendem.
Isso significa retirar, por meio de iniciativas de coleta de resíduos, um volume de garrafas ou latas pelo menos igual àquele que é colocado no mercado.
No Ceará, inclusive, essa meta foi atingida em 2023, quando ações lideradas pela companhia tiveram efeito de retirar mais plástico e alumínio do que o volume de embalagens usado nos nossos produtos à venda no estado.
“Uma das iniciativas é o Recicla Solar, projeto que desde 2021 reúne a busca por ações voltadas para um mundo sem resíduos, a eficiência produtiva e o desenvolvimento sustentável por meio do fomento à inclusão social e geração de emprego e renda. Até o final de 2023 deveremos chegar ao número acumulado de 20 mil toneladas de PET pós consumo coletados desde o início do Recicla Solar nos estados em que atuamos”, prevê o diretor.
A empresa deve terminar 2023 utilizando mais de 8 mil toneladas de resina reciclada em nossas garrafas PET, o maior índice da história da companhia.
Hoje, todas as nossas embalagens individuais de água mineral já são feitas com 100% de resina reciclada. Outra iniciativa dentro desse movimento é o investimento em embalagem retornável.
No que diz respeito à economia de energia e volume de emissões, atua pela mitigação dos gases de efeito estufa (GEE), pautada em reduzir, até 2030, 25% das emissões totais.
E também participa, desde 2020, do Programa GHG Protocol, metodologia que contabilização e cálculo de emissões.
“A gestão da energia é tema fundamental para a Solar. Reduzir o consumo e aumentar a eficiência em máquinas e equipamentos faz parte dos objetivos da Companhia. A empresa assumiu o compromisso de, até 2025, abastecer com 100% da energia oriunda de fontes renováveis todas as suas 13 fábricas e mais de 50 centros de distribuição”, detalha.
Fiorenzano antecipa que para o ano o objetivo é levar o programa Recicla Solar para mais dois estados, chegando a 10 territórios de atuação.
“No âmbito social, a meta é ultrapassar a marca de 200 mil jovens formados pelo Coletivo, fortalecer nossas ações de inclusão e diversidade e seguir com impacto positivo nas iniciativas de segurança alimentar realizadas em parceria com o terceiro setor, iniciativa privada e poder público”, finaliza.
Localizada no município de Marco, interior do Ceará, o Grupo Jacauna produz móveis para todo o Brasil. E decidiu entrar no processo de certificação do Selo Fiec-ESG, pois traz como um dos pilares da indústria a responsabilidade socioambiental.
A empresa utiliza para produzir seus artefatos madeira certificada 100% reflorestada e reutilização de serragem. E também investe em reflorestamento e possui um parque de energia solar próprio.
O diretor industrial da Jacauna, Roger Aguiar, conta que decisão de entrar no processo de certificação, ainda em fase inicial, é reforçar o compromisso sustentável e social. “O selo beneficia os negócios da empresa, pois valida e dá transparência e reconhecimento sobre nossas práticas”, acredita.
Além das questões ambientais, Roger destaca algumas iniciativas sociais que a empresa realiza como o cuida com a saúde, segurança e educação, além de manter políticas de RH e adequação salarial.
“Também nos preocupamos com a proteção de dados e privacidade de nossos clientes, fornecedores e colaboradores. Proporcionamos impacto positivo no aspecto econômico e fazemos ações solidárias voltada para a comunidade local”, informa.
Reportagem seriada com três episódios sobre o futuro da indústria sustentável