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Furto de contêineres: empresas investigadas devem R$ 4,7 milhões e contas estariam vazias
Reportagem Seriada

Furto de contêineres: empresas investigadas devem R$ 4,7 milhões e contas estariam vazias

Empresários (dois chineses e uma cearense) foram condenados pela Justiça de São Paulo a pagar por taxa de excesso de permanência dos contêineres no porto do Mucuripe - os mesmos 12 furtados. As fachadas discretas dos estabelecimentos não seriam condizentes com o volume movimentado de importações
Episódio 6

Furto de contêineres: empresas investigadas devem R$ 4,7 milhões e contas estariam vazias

Empresários (dois chineses e uma cearense) foram condenados pela Justiça de São Paulo a pagar por taxa de excesso de permanência dos contêineres no porto do Mucuripe - os mesmos 12 furtados. As fachadas discretas dos estabelecimentos não seriam condizentes com o volume movimentado de importações
Episódio 6
Tipo Notícia Por

 

As duas empresas cearenses suspeitas de tramarem e executarem o furto de 12 contêineres do porto do Mucuripe, em Fortaleza, já têm um histórico de problemas comerciais e judiciais. Estão no ramo de importação, com 10 e 18 anos de funcionamento. Pertencem a um casal de empresários chineses e a uma empresária cearense. O POVO levantou que um dos imbróglios é ligado diretamente aos mesmos 12 equipamentos levados do pátio da Companhia Docas do Ceará (CDC). Todos estavam cheios, com uma carga de produtos contrabandeados avaliada em R$ 11 milhões. O caso é investigado pela Polícia Federal (PF).

Exatamente na mesma época em que o crime estava sendo cometido — segundo a PF, teria acontecido ao longo de oito meses, entre 2020 e 2021 —, essas duas empresas também estavam recebendo uma condenação pesada aplicada pela Justiça Estadual de São Paulo. Uma sentença de quase R$ 5 milhões, em valores atualizados, por terem excedido o tempo de permanência (taxa de demurrage ou sobre-estadia) daqueles 12 contêineres na área portuária de Fortaleza.

Desde 2019, os produtos haviam sido apreendidos em fiscalização alfandegária. Foram trazidos da China, mas sem impostos pagos e/ou com quantidade declarada não condizente. Eram peças de vestuário, tapetes e brinquedos. Já estavam selecionadas para perdimento (doação) pela Receita Federal quando desapareceram de dentro do porto do Mucuripe.

Como os equipamentos foram retirados ilicitamente, não foi dada baixa e a taxa de demurrage continuou em aberto. A condenação das duas empresas por essa dívida está em fase de cumprimento de sentença. Os processos já transitaram em julgado, não cabendo mais recurso. As decisões são da 5ª e 12ª Varas Cíveis da Comarca de Santos (SP). Foram anunciadas em junho de 2020 e em março de 2021.

Entrada da Companhia Docas do Ceará no bairro Mucuripe (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Entrada da Companhia Docas do Ceará no bairro Mucuripe

A punição é relacionada a duas de seis ações indenizatórias movidas pela Hand Line Transportes Internacionais, empresa sediada em Santos que realiza transporte marítimo, e são relacionadas à mesma situação. Faziam parte de um processo único e houve o desmembramento para dar celeridade ao trâmite. A tendência é que os valores aumentem com as novas sentenças relacionadas ao caso.

Nos bastidores, consta que as duas empresas cearenses estariam atuando até sem saldo nas contas bancárias indicadas à Justiça — apesar disso, ainda movimentando grandes volumes de mercadorias importadas. A informação das contas vazias está nos autos dos processos, confirmada em consultas feitas ao Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (Sisbajud). O sistema permite bloqueios e monitoramento financeiro a partir de ordens judiciais — convênio entre o Banco Central (Bacen) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

"Foram pedidos ofícios de bloqueio ao Sisbajud, para que sejam bloqueados valores em conta e nada é achado, ou muito pouco. Estamos com esses cumprimentos de sentença basicamente frustrados", descreve o advogado Marcelo Morelli, representante jurídico da Hand Line. As cobranças por demurrage são consideradas corriqueiras no ramo, segundo ele, mas essas estariam já com contornos de possível golpe.

"Juridicamente, estamos tomando as providências para tentar receber alguma coisa. Esse caso é surreal. Não são 12 caixas de fósforo, são 12 contêineres que sumiram. Em todos esses meus anos de atuação no direito marítimo internacional nunca me deparei com uma situação dessas, nem perto”, afirmou.

A mais antiga das duas empresas pertenceu, por muitos anos, apenas à empresária cearense. O chinês sob suspeita aparece como sócio a partir de 2019 — mesmo ano em que a carga contrabandeada foi identificada e tomada pela Receita. Ele entrou na sociedade e assumiu o papel de principal administrador. A empresa mais nova teria as maiores importações e é mais conhecida no mercado local de importados.

"Esse caso é surreal. Não são 12 caixas de fósforo, são 12 contêineres que sumiram. Em todos esses meus anos de atuação no direito marítimo internacional nunca me deparei com uma situação dessas, nem perto" Marcelo Morelli, advogado da Hand Line

Nos imóveis utilizados pelo grupo constam uma sala no nono andar de um prédio comercial e uma loja de varejo, ambas no Centro de Fortaleza, e três depósitos de mercadorias nos bairros Meireles, Centro e Luciano Cavalcante (o maior deles). São estabelecimentos que, a partir das fachadas dos seus imóveis, não aparentam a movimentação que têm — descrição dada por uma fonte que investiga o caso.

Apenas a loja de varejo tem letreiro na porta da frente. As outras sedes são mais conhecidas por clientes atacadistas. O POVO opta por não divulgar nomes e localizações das duas empresas porque ainda nem há a certeza se foi um crime ou apenas um erro no registro de saída de cargas do porto.

À época, a Companhia Docas do Ceará (CDC) ainda sofria consequências de dois ataques cibernéticos que derrubaram os sistemas eletrônicos de segurança do local e de entrada e saída de mercadorias e pessoas. O porto ficou vulnerável física e virtualmente. Essa informação era de amplo conhecimento entre quem frequentava a zona portuária regularmente. Os ataques aconteceram em outubro de 2019 e junho de 2020. O fato foi abordado no início da série de reportagens "Pane no Porto de Fortaleza", do O POVO, começada em agosto.

PF segue investigando furto de 12 contêineres do Porto do Mucuripe, em Fortaleza. (Imagem ilustrativa)(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA PF segue investigando furto de 12 contêineres do Porto do Mucuripe, em Fortaleza. (Imagem ilustrativa)

Todos os contêineres levados eram do tipo Dry 40. Medem 12 metros e, vazios, pesam mais de três toneladas cada. O furto só foi percebido em 22 de setembro do ano passado. As mercadorias entraram no Brasil com o registro de compra feita pelas duas empresas. Foi o que permitiu o rastro para a PF chegar até o nome delas na investigação.

O advogado da Hand Line esclarece que o serviço prestado não permite que a empresa saiba, de fato, o que está sendo trazido de fora do Brasil pelos contratantes. "A gente efetivamente não tem ciência do que ele importou, do que não importou, porque a gente trabalha apenas com o frete marítimo. O contêiner é lacrado lá no exterior e aberto só aqui no Brasil. Não tem como a gente saber. A gente tem ciência do que é trazido só pela declaração do próprio importador", explica. Marcelo Morelli acrescenta que “a operação geral (com as duas empresas) ocorreu em muito mais contêineres”, além dos 12 apreendidos e depois desaparecidos.

O destino dos contêineres, das cargas e quem levou os equipamentos (se furtados ou não) estão sendo investigados pela PF. Por enquanto, ninguém sabe, ninguém viu ou não se contou o que realmente aconteceu. No último dia 25, foram executados 11 mandados de busca e apreensão como parte da Operação Fuzanglong. Além dos sócios das empresas, também foram alvo da operação um funcionário da Companhia Docas do Ceará e pelo menos três empregados terceirizados do porto (ex-funcionários entre eles).

 


Bastidores da investigação

Saiba mais detalhes sobre o furto dos contêineres do Porto do Mucuripe. Passe o mouse por cima do i para ter mais informações

 


Fuzanglong: PF aguarda perícia de material apreendido e agendará depoimentos

Segundo o delegado Olavo Pimentel, da Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários da Polícia Federal no Ceará (Delefaz/PF), as duas empresas ainda estão na condição apenas de suspeitas do crime. “Não temos como garantir ainda. Pode ser que tenham sido eles, podem ter sido outras pessoas. Ainda precisamos de mais informações”, afirmou. A linha de investigação segue a tese do furto.

Em 22/9/2021, 12 contêineres sumiram do pátio interno do Porto do Mucuripe, em Fortaleza. O caso gerou um inquérito, ainda em andamento, na Polícia Federal  (Foto: Demitri Túlio)
Foto: Demitri Túlio Em 22/9/2021, 12 contêineres sumiram do pátio interno do Porto do Mucuripe, em Fortaleza. O caso gerou um inquérito, ainda em andamento, na Polícia Federal

O delegado aguarda principalmente a análise pericial do que foi apreendido durante a operação Fuzanglong "O nome da operação da Polícia Federal, Fuzanglong, é referenciado da mitologia chinesa. Significa um dragão que protegia tesouros escondidos, enterrados" , no último dia 25, em 11 endereços residenciais e comerciais dos investigados. Após periciados, os computadores, celulares, mídias e documentos, incluindo contratos comerciais, poderão contar mais sobre o paradeiro do que foi levado do porto.

Os depoimentos dos investigados serão agendados logo após essa avaliação e coleta de novas pistas. Mesmo sem terem sido citados nos mandados judiciais, os motoristas dos caminhões usados para retirar os contêineres também serão investigados. Eles já teriam sido identificados. Deverão esclarecer onde deixaram os equipamentos, quem recebeu e quem pagou pelo frete dos 12 contêineres. E quem autorizou a liberação da carga em sequência dentro do porto do Mucuripe.

 


Números dos processos, detalhes da Fuzanglong

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Chinês fora do Brasil? Bens na mira para confisco

Uma das informações que estaria sendo levantada pela Polícia Federal é se o empresário chinês investigado na operação Fuzanglong estaria de fato no Brasil. O POVO tentou confirmar a pista diretamente nas empresas dele em Fortaleza, por meio de contato telefônico, sem se identificar. A mensagem repassada por uma atendente no escritório foi que ele estaria “em compromisso fora da empresa”, sem detalhar local nem quando voltaria.

FORTALEZA CE, BR, 12.08.22  Cais do Porto - Entrada da Companhia Docas do Ceará no bairro Mucuripe - (Foto: Fco Fontenele/O POVO)(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE FORTALEZA CE, BR, 12.08.22 Cais do Porto - Entrada da Companhia Docas do Ceará no bairro Mucuripe - (Foto: Fco Fontenele/O POVO)

“Pelo que eu tenho conhecimento, ele nem no Brasil está”, afirmou ao O POVO o advogado Marcelo Morelli, representante da empresa Hand Line, que executou o serviço de transporte marítimo da carga nos 12 contêineres antes de tudo desaparecer do porto do Mucuripe. Segundo ele, uma das empresas cearenses do chinês chegou a acertar o parcelamento da dívida da condenação judicial pela taxa da demurrage, mas pagou por poucos meses e abandonou o acordo.

Sem dinheiro nas contas bancárias das duas empresas investigadas, uma das estratégias para tentar cobrar os R$ 4,7 milhões impostos na condenação é que a Justiça considere a penhora de bens ou do faturamento das pessoas jurídicas. Nos processos que tramitam na Comarca de Santos (SP), já há despachos nesse caminho. Veículos, imóveis e a movimentação comercial estariam na lista de pedidos para serem confiscados.

 

 

Companhia Docas diz que colabora com PF e tratará sobre ressarcimento dentro do processo

Como vem se posicionando publicamente desde a descoberta do furto dos contêineres, com nenhuma entrevista e apenas declarações por meio de notas curtas e sucintas, a Companhia Docas do Ceará (CDC) voltou a usar o recurso de "nota de esclarecimento" para falar do caso.

Em 25 de novembro de 2022, Polícia Federal lança operação para investigar sumiço de contêineres no Porto do Mucuripe, em Fortaleza  (Foto: Divulgação / Polícia Federal)
Foto: Divulgação / Polícia Federal Em 25 de novembro de 2022, Polícia Federal lança operação para investigar sumiço de contêineres no Porto do Mucuripe, em Fortaleza

Novamente procurada pelo O POVO, a empresa federal afirma que "está acompanhando e colaborando com a Polícia Federal na investigação do desaparecimento de contêineres de uma zona de alfândega do Porto de Fortaleza, desde setembro de 2021".

A Hand Line Transportes Internacionais cobra da CDC o valor de restituição dos contêineres. Por contrato de uso da área portuária, cada equipamento estaria avaliado em R$ 18 mil na hipótese de desaparecimento (R$ 216 mil pelas 12 unidades), o que seria impensável até acontecer.

A empresa de transporte marítimo disse que, apesar do furto, segue pagando o aluguel dos contêineres à Real Reefer, proprietária das 12 caixas. "No mínimo houve culpa da Companhia Docas por falta de aparato, de equipamento de segurança", afirma o advogado Marcelo Morelli, da Hand Line.

Na nota, a direção da CDC afirma que "irá responder à empresa Hand Line Transportes Internacionais (empresa responsável pelo aluguel dos contêineres) dentro do processo".

O POVO apurou que a seguradora contratada pela Companhia Docas teria sido incluída nos processos como "terceira parte interessada", o que poderá ajudar a definir o ressarcimento pelos equipamentos furtados.

"Sobre as mercadorias apreendidas nos contêineres, a CDC informa que se tratavam de produtos com procedência duvidosa, por isso as mesmas foram apreendidas pela Receita Federal. Portanto, não é possível validar o valor apresentado pela empresa responsável pela mercadoria", concluiu a nota.

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