Comuns na lista de compras dos fortalezenses, ovo, café e achocolatado foram os produtos que mais tiveram aumento de preço entre fevereiro e março de 2025 nos supermercados de Fortaleza.
A carestia é resultado de efeitos da dinâmica internacional de preços, vide que a matéria-prima desses itens - como milho, grão de café, cacau e soja - é diretamente influenciada pelo dólar e pela demanda de grandes consumidores globais.
Chamadas de commodities, essas mercadorias são produzidas em larga escala e negociadas no mercado internacional em bolsas de valores. A turbulência no Exterior desde as eleições americanas tem influenciado esses negócios e trazido efeitos para o consumidor final no Brasil.
Isso fez com que as gôndolas tivessem remarcações de até 22,8% entre o segundo e o terceiro mês do ano, como aponta o projeto Preço Comparado - iniciativa do O POVO com o Departamento Municipal de Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor (Procon Fortaleza).
A pesquisa pública feita pelo órgão municipal envolve mais de 30 supermercados onde 100 produtos são investigados. Destes, O POVO destacou 20, no mesmo recorte de 13 estabelecimentos que serão avaliados durante todo o ano. O levantamento deste mês foi realizado entre os dias 6 a 20 de março.
Nas duas primeiras colocações de maior elevação de preço entre fevereiro e março estão as bandejas de ovos. A de 20 unidades de ovos brancos médios ficou 22,8% mais cara, sendo encontrada entre R$ 13,99 e R$ 19,99.
Já a de 30 unidades de ovos brancos médios ficou 21,08% mais cara no período, tendo os valores encontrados entre R$ 24,95 e R$ 35,90 nos supermercados de Fortaleza.
O motivo tem explicação no mercado americano, o qual teve as granjas abaladas por gripe aviária e resultando em uma escassez de ovos nos Estados Unidos.
Aliado ao comprometimento da produção, o milho - commodity que é alimento dos frangos - teve o preço da saca saltando de R$ 72,84 para R$ 89,74 em três meses e agravando a carestia do ovo.
Já o café renovou a alta observada entre dezembro e janeiro (17,17%) entre fevereiro e março. O pacote de 250 gramas do produto da marca Santa Clara saltou 12,49% no último período.
O preço mais alto cobrado pelo item foi de R$ 18,99, segundo o levantamento do Procon Fortaleza, enquanto o mais em conta encontrado foi de R$ 14,59.
Mais uma vez a explicação está no Exterior, uma vez que é mais vantajoso para o produtor exportar café. A cotação da saca de 60kg chega a R$ 2.57,60, enquanto, há um mês, era calculada a R$ 5.59,06.
O achocolatado em pó da marca Nescau de 200 gramas, cujo preço subiu 4,63% de fevereiro a março, deve seguir o exemplo do café nos próximos meses.
Encontrado entre R$ 6,49 e R$ 10,49, o produto deve ficar mais caro devido à alta de 189% na cotação do cacau.
"O cacau é um dos insumos mais voláteis do mundo e 70% da produção vem da África Ocidental. O aumento do seu valor vem acontecendo por diversos fatores, principalmente o climático, isso porque as chuvas fora de época e as secas intensas derrubaram a produção", indica Leandro Rosadas, especialista em gestão de supermercados.
Ele acrescenta que as plantações em Costa do Marfim e Gana foram destruídas pelo fungo Vascular-streak Dieback, o que resultou em menos cacau no mercado.
Com o clima desfavorável e a praga sobre as lavouras, explica Rosadas, "grandes compradores correram para estocar (cacau), aumentando o preço".
"Para os supermercadistas que buscam manter as vendas dos ovos de Páscoa altas, há diversas estratégias que podem ser adotadas. Por exemplo, fechar pedidos antecipados com os fornecedores para garantir preços melhores, além de aproveitar o mix de marcas, já que nem sempre a marca mais famosa e a que vende mais. Negociar prazo para pagar após a Páscoa, mantendo seu caixa respirando também é importante", sugere.
Na outra ponta dos 20 itens selecionados pelo O POVO nesta edição do Preço Comparado e tão comuns na lista de compra dos fortalezenses quanto os demais, a laranja, a farinha de milho amarela, o arroz, o óleo de soja e o açúcar tiveram os preços até 12,19% menores e ajudam a equilibrar os gastos com alimentação.
Também parte importante do mercado internacional, esses itens sofreram influência externa para que os valores cobrados aos consumidores de Fortaleza estivessem mais em conta.
O principal produto em baixa foi a laranja pêra, cujo quilo caiu neste percentual máximo de 12,19%, sendo encontrada entre R$ 3,98 e R$ 6,99.
Levantamento da Citros em parceria com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo indica que os preços seguem em queda devido à baixa qualidade das frutas destinadas ao processamento e à desvalorização do suco de laranja no mercado internacional.
De forma semelhante se comporta a farinha de milho amarela da marca Vitamilho de 500 gramas usada para fazer cuscuz, cuja baixa nos supermercados de Fortaleza chega a 9,55%.
O item tem no milho a principal matéria-prima e a commodity vem em um movimento de queda que, em um mês, a saca saiu de US$ 494,25 para US$ 464,50.
Mais commodities interferiram para a baixa na pesquisa do Procon Fortaleza e resultaram em diminuição nos preços de arroz (-5,21%), óleo de soja da marca Soya de 900 ml (-2,15%) e pacote de açúcar de 1 quilo da marca Caeté (-1,4%).
Já as carnes tiveram comportamento diverso. Enquanto presunto de peru da marca Sadia de 1 kg (+2,34%), mortadela do menor valor de 1 kg (2,34%) e a carne bovina tipo chã de dentro/coxão mole de 1kg (+0,79%) subiram de preço, a carne bovina tipo chã de fora/coxão duro de 1 kg (-0,57%), o presunto de peru perdigão de 1 kg (-1,1%) e a carne bovina de segunda/lombo com osso de 1 kg (-2,48%) registraram recuo.
O boletim mensal elaborado pelo Instituto Pacto Contra a Fome com os dados expostos no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atesta a carestia apontada pelo Preço Comparado entre fevereiro e março.
Ao observar os dados e o cenário futuro, o gerente de Inteligência Ricardo Mota demonstra preocupação com as famílias de baixa renda, uma vez que elas possuem orçamento enxuto e sem flexibilidade para cortar gastos.
O alerta, diz ele, ascendeu ao se observar uma tendência futura de alta e, mesmo com os salários reajustados acima da inflação, o percentual considerado é de todo o IPCA.
"Quando a gente olha a inflação só dos alimentos, isso acaba corroendo muito o poder de compra das classes mais baixas, que têm o dobro do peso do alimento no orçamento. Nas classes mais altas chega em torno de 8%, enquanto as classes mais baixas podem chegar até 22%", explica.
Mota aponta as mudanças climáticas como principal elemento a interferir nas ofertas de alimentos, afetando o consumo dessa forma e diz ver “os movimentos do governo de forma muito positiva”.
“Algumas ações, como a isenção do ICMS pedida aos estados, podem trazer um efeito mais imediato de redução de preços. Mas, ao mesmo tempo, a gente entende que existe uma limitação. A principal delas é a mudança climática, mas tem também a questão do câmbio, dos juros e as crises econômicas a nível global”, analisou.
O projeto Preço Comparado - Supermercados é uma parceria entre O POVO e o Procon Fortaleza. Mensalmente, são analisados 100 itens de 36 supermercados da Capital e gerado um conteúdo exclusivo para os leitores do OP+