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Maré de mudança: o que pensam estudantes e professores do novo campus Iracema
Reportagem Seriada

Maré de mudança: o que pensam estudantes e professores do novo campus Iracema

Destino de atual prédio do Labomar, localizado em área nobre e valorizada próximo à orla, ainda é incerto — enquanto maresia é nebulosa para cursos do ICA, que resistem à ida para a Praia de Iracema. Divididos, corpos discente e docente analisam mudança e aprofundam possibilidades da nova estrutura
Episódio 2

Maré de mudança: o que pensam estudantes e professores do novo campus Iracema

Destino de atual prédio do Labomar, localizado em área nobre e valorizada próximo à orla, ainda é incerto — enquanto maresia é nebulosa para cursos do ICA, que resistem à ida para a Praia de Iracema. Divididos, corpos discente e docente analisam mudança e aprofundam possibilidades da nova estrutura Episódio 2
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Um campus universitário que une tecnologia, ciências, cultura e arte à beira-mar. Um projeto criativo para dar uma finalidade auspiciosa a um impasse que aparentava não ter fim. 

Assim surgem as primeiras movimentações em torno do novo campus Iracema da Universidade Federal do Ceará (UFC): um mar de possibilidades no antigo leito do Acquário Ceará com ventos que sopram para um horizonte de descobertas e conhecimento.

Gif do aquário virtual criado pelo Laboratório de Visualizações Interativas e Simulações (Labvis) da UFC(Foto: Labvis/UFC)
Foto: Labvis/UFC Gif do aquário virtual criado pelo Laboratório de Visualizações Interativas e Simulações (Labvis) da UFC

Os primeiros passos já foram dados para que, dentro em breve, mais de 3 mil estudantes do ensino superior possam usufruir de ensino, pesquisa e extensão na nova sede — que deve aproveitar a estrutura já erguida e construir mais alguns pavimentos para, junto ao terreno antes pertencente aos Correios, abrigar o Centro Tecnológico de Ciências Naturais (CTCN) e os cursos do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) e do Instituto de Cultura e Arte (ICA).

Entenda onde fica cada unidade atualmente


A proposta também engloba um aquário virtual e um museu submerso no mar construídos em parceria com o Instituto UFC Virtual, com experiências imersivas feitas a partir de ambientes de fotorrealismo, presença de inteligência artificial (IA) e realidades virtual e aumentada.

O novo campus na Praia de Iracema deve apresentar, ainda, visualizações de ecossistemas marinhos extintos, exposições de fósseis do acervo da Universidade e descobertas arqueológicas — além da expectativa de uma sala de cinema equipada com projetos de estereoscópio/3D, com capacidade para 100 lugares, e espaços para exibição e manipulação de réplicas físicas de animais e fósseis.

De acordo com o coordenador do Laboratório de Visualizações Interativas e Simulações (Labvis), professor Adriano Oliveira, o trabalho desenvolvido pode ser empregado em temáticas como experiências imersivas em ambientes marinhos, com mídias interativas que podem ser importantes no conceito de aquário virtual.

“Mesmo sendo consenso que haverá o uso de projeções, é uma experiência diferente se essas projeções serão vídeos pré-renderizados ou filmagens, ou se serão conteúdos dinâmicos onde os peixes se movem de maneira aleatória ou guiados por inteligência artificial”, pondera.

“Isso abre oportunidade de uma experiência mais rica. É preciso, ainda, seguir uma série de passos como decisões administrativas e arquitetônicas”, afirma, enquanto salienta que o laboratório e o UFC Virtual estão preparados para apoiar a iniciativa a ser construída no campus Iracema.

No primeiro episódio desta reportagem seriada, O POVO+ mostrou os desdobramentos do anúncio do campus Iracema da UFC na estrutura do Acquário Ceará entre as comunidades vizinhas, no Poço da Draga. Mas, do outro lado, o que pensam estudantes e professores dos cursos que deverão acompanhar essa maré de mudança?

 

 

Labomar: o oceano como laboratório vivo para as ciências do mar

Para o Labomar, permanecer próximo ao mar seria “algo muito especial”. As palavras são da diretora do instituto, a geógrafa e doutora em oceanografia Lidriana Pinheiro.

“A escolha da nossa sede atual, na Praia do Meireles, feita pelo nosso diretor emérito e professor Melquíades Paiva, já refletia a necessidade de estarmos próximos ao mar, das áreas de desembarque da pesca, dos pescadores, do setor produtivo, do porto, e de todos os atores e circuitos produtivos que representam a essência da maritimidade de uma cidade, de um povo”, grifa.

Para a professora, “a decisão da UFC de aproveitar as infraestruturas disponíveis na orla de Fortaleza é muito interessante, principalmente quando as políticas públicas federais, estaduais e municipais convergem para o maior conhecimento, aproveitamento e ações de sustentabilidade cada vez maior dos nossos mares e zonas costeiras, incluindo o desenvolvimento da economia azul”.

 Vista aérea da sede do Labomar  (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Vista aérea da sede do Labomar

“Temos um problema de espaço físico muito importante hoje que limita boa parte das atividades de ensino, pesquisa e extensão já em andamento, e que gostaríamos de expandir. Nossa comunidade acadêmica, composta por servidores e estudantes, é altamente produtiva e ativa”, continua.

Segundo Lidriana, esse é um momento estratégico para que haja um engajamento ainda maior nas oportunidades proporcionadas pela Década das Ciências dos Oceanos da United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Unesco), “visando fortalecer a internacionalização, que sempre foi uma contribuição do Labomar para a Universidade”.

Para alcançar esse objetivo, salienta a docente, “é crucial ter espaços físicos adequados, acessíveis e que atendam a todos os requisitos para melhor servir à sociedade”. “A mudança para uma nova sede trará benefícios significativos, pois resolverá um problema grave que enfrentamos atualmente e nos permitirá expandir nossas atividades e colaborar cada vez mais com a nossa Universidade”, avalia.

A sede do Labomar está situada em um prédio construído na década de 1970, originalmente concebido para atender apenas a uma pequena parte das atividades realizadas atualmente, mais de 50 anos depois.

A diretora detalha que, “naquela época, não havia oferta de cursos de graduação e pós-graduação, nem toda a infraestrutura necessária para essas atividades educacionais. Enfrentamos uma significativa carência de espaços físicos para salas de aula, laboratórios de pesquisa, laboratórios didáticos, áreas de convivência para os alunos, coleções científicas, auditório, coleções científicas, gabinetes de professores, áreas administrativas, atendimento aos projetos de extensão na sede, e acessibilidade, entre outros”.

Fachada da atual sede do Labomar (UFC)(Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Fachada da atual sede do Labomar (UFC)

O fato de ter sido projetado há mais de cinco décadas torna a necessidade de um espaço novo “urgente” para o pesquisador e professor Luis Ernesto, doutor em Oceanografia.

“O instituto tem uma produção científica muito alta, uma das maiores da UFC, então precisamos de melhores condições de trabalho para os docentes e alunos. A ida para um prédio novo, desde que seja desenhada e executada para cumprir essas necessidades, é fundamental”, conjectura.

Não obstante, Luis Ernesto compreende que “a mudança para um prédio novo, mais espaçoso, com mais laboratórios, vai permitir que o Labomar também possa ampliar os cursos que são ofertados”.

“Hoje temos dois cursos de graduação, Oceanografia e Ciências Ambientais, e uma pós-graduação que é nota 6 numa escala que vai de 3 a 7. Então isso vai permitir essa expansão tanto da graduação, com a abertura de novos cursos, quanto da pós que, quem sabe, com a melhoria, pode atingir a nota 7”, projeta.

Labomar (UFC) terá nova sede no antigo Aquário Ceará, na Praia do Meireles (Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Labomar (UFC) terá nova sede no antigo Aquário Ceará, na Praia do Meireles

Se a mudança já era uma realidade iminente para os professores, a maioria dos estudantes soube dela pela imprensa. É o que afirma Linno Rodrigues, que cursa Oceanografia, e diz que “nem mesmo nosso corpo docente estava ciente”.

“A forma como as decisões da reitoria foram tomadas inicialmente gerou descontentamento, pois não houve inclusão do Labomar nas reuniões decisórias. Imagina descobrir pelo jornal que seu campus vai mudar de endereço? Porém, não há pessoas contra essa mudança. Apesar do início turbulento, há expectativa de colegas discentes para a entrega do campus, pois gostaríamos de usufruí-lo”, relata.

De acordo com o jovem, a localização do Acquário “é potencialmente perigosa” e “é preciso uma reestruturação dos arredores, o que inclui reformas nas calçadas e ruas, policiamento e maior incentivo ao comércio para aumentar o fluxo de transeuntes”.

Estudante analisa materiais recolhidos no mar em laboratório do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da UFC(Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Estudante analisa materiais recolhidos no mar em laboratório do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da UFC

Ainda conforme Linno, existe uma preocupação com o transporte dos equipamentos de pesquisa para o novo endereço, de modo que o translado não afete o conteúdo contido e prejudique as pesquisas em andamento.

“Porém, um prédio novo vai possibilitar conforto aos corpos discentes e docentes, assim como os técnicos administrativos e terceirizados. Os laboratórios terão mais espaço para acolher mais estudantes em seus projetos e, quem sabe, obter recursos para a compra de novos equipamentos para o desenvolvimento de pesquisas do mar”, observa.

O estudante queixa-se de que não há espaços de conforto ou convivência no atual prédio do Labomar e que “a estrutura carece de grandes intervenções para a adequada continuidade de suas atividades. Reformas pontuais são realizadas, mas há constantes problemas de ar-condicionado nas salas de aula e de estudos, assim como vazamentos”.

O destino para o atual prédio ainda é incerto, por sinal. Localizada em uma área nobre e valorizada próximo à orla da Capital, a sede funciona na avenida Abolição, no bairro Meireles, próximo à avenida Beira Mar e ao Jardim Japonês, e por enquanto não tem um rumo definido.

Somente quando o processo licitatório do campus Iracema estiver concluído e as obras em andamento, informa o reitor Custódio Almeida ao O POVO+, é que “a administração superior deverá iniciar as tratativas no âmbito da gestão e das instâncias deliberativas da Universidade para posicionar-se sobre essa questão”.

A ligação entre Labomar e Acquário não é algo novo para a estudante de ciências ambientais Thalita Florêncio, que recorda de uma dinâmica na anual Semana de Ciências do Mar sobre a “Carta do Museu do Mar” em que “existiria um possível museu onde o Acquário está localizado”.

Restaurante universitário do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), atualmente localizado em prédio na avenida Abolição(Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Restaurante universitário do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), atualmente localizado em prédio na avenida Abolição

“Eu, como moradora bem próxima, já que resido no Centro, e frequentadora árdua da região onde se encontra o Acquário, acredito que o campus só trará impactos positivos. Mas é necessário que o Labomar se entrose e participe também da luta da comunidade, tendo em vista que agora serão os novos moradores dessa região”, constata.

Thalita sublinha que o instituto deve aproveitar o momento para pensar em questões como a acessibilidade para pessoas com deficiência (PCDs), algo que, segundo ela, “ainda carece no campus”.

“Ali, por ser em uma das regiões mais privilegiadas da Cidade, os preços das coisas ao arredores costumam ser exorbitantes, considerando que nosso campus é formado por ainda alunos em graduação e pós-graduação. O tamanho do restaurante universitário (RU) também carece com a quantidade de pessoas que fazem uso dele, sofrendo quase sempre lotação em horários de fim de aula (meio dia)”, elenca.

A estudante reforça, por fim, que, por ser mais afastado dos demais campi, o Labomar “já sofreu muitos problemas com o transporte da UFC, o intercampi, chegando a passar semanas sem funcionamento. Isso é algo que deve ser levado em conta”.

 

 

Instituto de Cultura e Arte e a “revolução cultural” no Dragão do Mar

Uma revolução cultural. Assim definiu o antropólogo Paulo Linhares, um dos gestores à frente da criação do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC), a ida da UFC para a Praia de Iracema.

Envolto em uma série de discussões sobre sua manutenção e com fechamento de bares e boates no entorno, o gigante complexo artístico-cultural que recentemente completou 25 anos passa por um momento de revitalização.

Diante do contexto delicado, Linhares aposta que transformar a PI em um bairro universitário seria “um melhor a mais inteligente projeto possível para a área”.

Comunidade do Poço da Draga e, ao fundo, o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC)(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Comunidade do Poço da Draga e, ao fundo, o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC)

“A ideia é muito boa e merece seguir em frente. Será uma revolução cultural na PI. O bom urbanismo diz hoje que a Universidade deve estar nos espaços de grande vitalidade urbana e não nas margens, como se pensou durante algum tempo. Univer/Cidades. E nada mais atrativo para os turistas do que conhecer um bairro boêmio da cidade repleto de estudantes universitários”, escreveu em artigo publicado no O POVO.

Em entrevista ao O POVO+, o professor acrescenta que vislumbra a possibilidade de uma grande mudança urbana e que, nesse processo, “a própria Universidade vai defender a comunidade do Poço da Draga, que é um território cuja disputa é histórica e longa”.

“É a primeira população portuária, uma comunidade que é fundadora da Cidade. Se você pesquisar, entende que é lugar de gente que lutou por liberdade, de grandes líderes pela libertação como Manoel Jacaré, José Luís Napoleão, Preta Simoa. É seminal ali. A PI é esse lugar de liberdade. Aquela comunidade tem de ser toda preservada e participar do processo acumulando informações”, frisa.

Paulo Linhares acredita que, com esse movimento, haverá “uma nova centralidade da Cidade”: “Novos equipamentos, novos restaurantes, inovações gastronômicas mais acessíveis, um lugar maravilhoso de se viver”.

“Diziam que o Dragão iria gentrificar a PI e isso não aconteceu. Gentrificaram foi o Dragão, na verdade. A ida da Universidade vai fazer o contrário. Um público com sociabilidade como o de estudantes não tende a ter esses processos”, reflete.

A priori, a divisão inicial do que deve se constituir o campus Iracema reserva o terreno cedido pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) ao Instituto de Cultura e Arte (ICA), unidade acadêmica atualmente sediada no campus do Pici — onde funcionam oito dos seus nove cursos: Cinema e Audiovisual, Dança, Design de Moda, Filosofia, Gastronomia, Música, Publicidade e Propaganda e Teatro. Apenas o curso de Jornalismo, historicamente localizado no campus do Benfica, funciona longe do núcleo de cultura e arte.

De acordo com os representantes estudantis da unidade, que possui pelo menos 2,5 mil discentes, o anúncio pegou a todos de surpresa e não foi bem recebido.

Estrutura do Instituto de Cultura e Arte (ICA) da Universidade Federal do Ceará (UFC)(Foto: Ribamar Neto/UFC)
Foto: Ribamar Neto/UFC Estrutura do Instituto de Cultura e Arte (ICA) da Universidade Federal do Ceará (UFC)

Victor Viana, estudante de Publicidade e Propaganda, relata que a comunidade dos cursos do ICA reagiu com espanto e rejeição à notícia do projeto: “que, inclusive, chegou à gente ao mesmo tempo em que para a sociedade geral, por meio de uma entrevista na rádio”.

Entre os docentes, afirma Victor, “é possível observar uma grande aceitação e apoio à ideia". Já em relação aos discentes, são vários pontos que os afligem: "como a dificuldade de locomoção até o local, seja para quem mora na Capital, na Região Metropolitana ou em municípios do Interior”.

Quem cursa Música, cita ele, teme pela conservação dos instrumentos devido à maresia; “assim como a própria estrutura do prédio projetado, que seria degradada com mais facilidade. Com isso, emerge um questionamento: se degradar, tem dinheiro para consertar? A resposta é muito simples: não”.

Projeto "Musicando no campus" no Instituto de Cultura e Arte da UFC(Foto: Monalisa Araújo/ICA-UFC)
Foto: Monalisa Araújo/ICA-UFC Projeto "Musicando no campus" no Instituto de Cultura e Arte da UFC

É o caso de Isaac Jucá, que estuda Música e julga “aquele local já privilegiado por ser o centro cultural e turístico da Cidade. Levar o ICA, que é um polo com alto potencial artístico-cultural, para lá, é compactuar com uma centralização da arte, do acesso à cultura”.

“Não é nem uma questão de proibição direta, mas a partir do momento em que eu dificulto o acesso, eu já estou proibindo a participação de alguém. E esse alguém são pessoas que moram afastadas desses grandes pólos culturais. Nós não temos que pensar na facilidade de ter o apoio do Dragão, temos que acessar os locais que não são acessados. Dar voz e palco para os cantos da Cidade que nunca têm acesso. Os grandes shows sempre serão na PI, avenida Beira Mar, nunca serão em Caucaia, por exemplo. Temos que cortar vínculos com essas práticas centralizadoras”, opina.

Já Grasieler Martins, aluna do curso de Jornalismo, questiona: “por que direcionar recursos para um novo campus em vez de priorizar e finalizar a melhoria das instalações existentes?”.

Materioteca no espaço do Instituto de Cultura e Arte da UFC(Foto: Agda Sophia/ICA-UFC)
Foto: Agda Sophia/ICA-UFC Materioteca no espaço do Instituto de Cultura e Arte da UFC

A possível ida do ICA para o campus Iracema chegou aos estudantes com desconfiança e preocupação, segundo Grasieler, “especialmente quando se considera que o atual campus onde funciona o ICA, o Pici, enfrenta problemas de infraestrutura não resolvidos — incluindo a não conclusão das obras destinadas a abrigar o curso de Jornalismo”.

A falta de transparência, comunicação e consulta sobre as possíveis dificuldades de locomoção e distanciamento de outros campi são alguns dos pontos considerados para que o corpo estudantil ache a criação de um novo local “desnecessária e não bem vinda”.

Para quem estuda Cinema e Audiovisual como Ana Sousa, uma das maiores questões seria a degradação de equipamentos como câmera, gravador, boom, iluminação, entre outros, “que são caros e que, atualmente, sobrevivem de consertos feitos pelos técnicos, mas sem dinheiro algum da UFC para manutenção”.

Oficina de fotografia realizada no Instituto de Cultura e Arte da UFC(Foto: Priscila Gomes/ICA-UFC)
Foto: Priscila Gomes/ICA-UFC Oficina de fotografia realizada no Instituto de Cultura e Arte da UFC

“E lá, devido à maresia, como seriam feitas essas gambiarras? Ou perderíamos ainda mais cedo esses equipamentos? Todo cineasta que já gravou na praia sabe os cuidados dobrados que se precisa ter para garantir a redução de danos, mas se o equipamento vai estar o tempo todo à mercê da areia da praia, esse cuidado precisa ser ainda maior”, manifesta.

Ana argumenta que “no Conselho Pleno, o Diretor (do ICA) disse que não teríamos garantia de manutenção de absolutamente nada, igual temos hoje. Então ir ou não, não muda nada. Ter um prédio novo e bonito que estará em ruínas daqui a uns anos não é muito diferente de ter um prédio inacabado há anos. Queremos esse dinheiro da construção para finalizar nosso espaço atual, para melhorar o lugar que já é nosso e ao qual já pertencemos”.

Sobre a destinação do prédio atual, no Pici, os estudantes dizem que ainda não há nada estabelecido, mas que a diretoria da unidade acadêmica indicou que “outras unidades do Pici que precisassem iriam utilizar o espaço”.

Oficina de siriri no Instituto de Cultura e Arte da UFC(Foto: Olívia Alencar/ICA-UFC)
Foto: Olívia Alencar/ICA-UFC Oficina de siriri no Instituto de Cultura e Arte da UFC

“O colegiado de Jornalismo aprovou, no semestre 2023.1, o indicativo de interesse de fixação administrativa no Centro de Humanidades, no campus do Benfica (onde funciona há mais de 50 anos, desde sua fundação), deixando de ser um curso do ICA. Ao meu ver, essa transição caminha a passos lentos, mas se for realizada, tem chances de trazer benefícios ao curso, considerando que atualmente ele segue num limbo — está geograficamente em um local e administrativamente em outro, o que, muitas vezes, dificulta a obtenção de materiais básicos”, explica Victor.

A integração com a comunidade do Poço do Draga é um dos grandes pontos quando se trata do projeto e, para os discentes, “na teoria, a ideia é incrível mesmo”.

“Trazer a extensão como foco, fazer a Universidade conversar com a sociedade. Porém, quando trazemos como exemplo o ICA atual, que divide muros com a comunidade do Pici e não dialoga em nada com ela, percebemos que não é bem assim”, pondera Viana.

Oficina de produção de paçoca e carne de caju nas dependências do Instituto de Cultura e Arte da UFC(Foto: Rômulo Santos/ICA-UFC)
Foto: Rômulo Santos/ICA-UFC Oficina de produção de paçoca e carne de caju nas dependências do Instituto de Cultura e Arte da UFC

Ana completa que “não há uma conversa com a comunidade ao redor do campus atual. Não conversamos com os moradores do Pici, nem mesmo os que vivem dentro do campus. Inclusive, quando se fala com a segurança do ICA, muitas vezes eles querem é impedir a circulação desses moradores dentro do nosso espaço, sendo que eles estão aqui antes mesmo de nós”.

Pelas conversas e reações entre os agentes envolvidos na possível mudança, os universitários creem que “ir para a Praia de Iracema é uma vontade deles e algo completamente turístico”.

“E sabemos que quando algo é pensado para turista, não valoriza nossa arte como ela é. Se querem turismo, não querem a gente lá. Não é a nossa arte que eles querem. O diretor atual do ICA falou sobre a construção de um corredor cultural que começaria ali na praia e terminaria no Benfica. O ICA já é visto como à margem da UFC, nossa arte é desvalorizada, até o local onde está pode se observar que tem a intenção de deixar ele mais afastado das outras pessoas”, pontua Ana.

Desfile de estudantes de Moda no Instituto de Cultura e Arte da UFC(Foto: Rômulo Santos/ICA-UFC)
Foto: Rômulo Santos/ICA-UFC Desfile de estudantes de Moda no Instituto de Cultura e Arte da UFC

Apesar de já saber da intenção antes do anúncio oficial por parte da reitoria, o professor Ivânio Azevedo, diretor do Instituto de Cultura e Arte da UFC, explica que a ida da unidade acadêmica para o novo campus foi apresentada como uma possibilidade e que o ICA tem prioridade nessa mudança, mas salientou que “ainda não há nenhuma decisão, do ponto de vista institucional, com a comunidade acadêmica”.

“Tem muita gente a favor e tem gente que não quer ir, mas está disposto a dialogar. Nós temos uma instância colegiada que é o Conselho Pleno, onde já discutimos um pouco esse tema e combinamos que a UFC precisa nos responder alguns questionamentos antes de levarmos a decisão para o coletivo”.

Entre as indagações citadas pelo professor estão a quantidade de vagas (o que engloba alunos, servidores e terceirizados), de recursos para a construção do prédio (que está previsto para funcionar no lugar do imóvel dos Correios transferido para a Universidade), a autonomia da unidade acadêmica no processo e o compromisso com a mobilidade urbana.

Produções de uma oficina de bordado no Instituto de Cultura e Arte da UFC(Foto: Olívia Alencar/ICA-UFC)
Foto: Olívia Alencar/ICA-UFC Produções de uma oficina de bordado no Instituto de Cultura e Arte da UFC

“Ainda vamos estabelecer uma agenda de debate comunitária, coletiva, para fazer uma série de discussões com vários atores que participam e que têm interesse nesse processo. Porque muita gente tem interesse, como o Centro Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura e a comunidade do Poço da Draga, por exemplo”, detalha o docente do curso de Filosofia.

Como professor, Ivânio avalia que “a ideia é muito boa, é unir a natureza do ICA para movimentar a PI do ponto de vista artístico e cultural. Mas depende muito das condições, porque se não existirem, é melhor continuar onde nós estamos”.

Azevedo vê o contexto de forma otimista e defende que uma grande vantagem seria “conseguir crescer, abrir mais vagas para cursos como Produção Cultural, Linguagens Visuais. Além disso, levar uma unidade com mais ou menos 2,5 mil estudantes para uma parte da Cidade que está abandonada é uma forma de revitalizar aquele espaço e os do entorno”.

“É um processo difícil, mas uma vez superadas as dificuldades, eu vejo como um impacto positivo para o entorno e para a comunidade. A Universidade garante uma certa estabilidade para o território ocupado pelas comunidades do Poço da Draga e da Vila dos Almirantes. O campus Iracema deve ser construído num diálogo permanente, porque não podemos ocupar um território de costas para as pessoas que estão lá há tantos anos. Também queremos levar os estudantes até esses lugares para aprofundar o debate de como seria bom. É necessário incluir essas pessoas desde o começo, como está acontecendo”, finaliza.

"Oie :) Aqui é Karyne Lane, repórter do OP+. Te convido a deixar sua opinião sobre esse conteúdo lá embaixo, nos comentários. Até a próxima!"

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