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Crise financeira em facção seria estopim da nova série de ataques criminosos no Ceará
Reportagem Especial

Crise financeira em facção seria estopim da nova série de ataques criminosos no Ceará

Desarticulada, segundo fontes da inteligência policial, facção local estaria sendo afetada por transferência de chefes e por ter menos dinheiro em caixa para abastecer estoque de droga comercializada. Os ataques seriam represália ao momento de crise

Crise financeira em facção seria estopim da nova série de ataques criminosos no Ceará

Desarticulada, segundo fontes da inteligência policial, facção local estaria sendo afetada por transferência de chefes e por ter menos dinheiro em caixa para abastecer estoque de droga comercializada. Os ataques seriam represália ao momento de crise
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"Alguns órgãos, nós mesmos, ainda estamos para entender o que de fato está causando isso aí, esses ataques", revela uma fonte muito bem informada sobre a rotina das facções que atuam no Ceará. Ele é um dos que buscam decifrar o que tem motivado a onda mais recente de atentados na Capital e Interior. Pede para evitar sua identificação e continua: "Alguns acham que é o enfraquecimento dessa facção. Eles estão desesperados. Principalmente na questão financeira da organização. A falta de comunicação com os chefes, transferidos, isolados, repercute no negócio deles. Isso enfraqueceu as bases. Estão sem drogas, estão sem comércio".

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A fala mira o momento da facção Guardiões do Estado (GDE), que fraqueja numa crise - ainda com sinais de temporária, mas significativa. Além de desarticulada por transferências de seus cabeças, sente um golpe direto em suas finanças. A situação teria sido um baque nos negócios da organização. A facção vem sendo responsabilizada pelas ações incendiárias disparadas desde o dia 20 de setembro. Seria a represália. Já passam de 100 os registros de atentados contra prédios públicos, privados, veículos oficiais ou de particulares, indistintamente. O ciclo anterior havia sido entre janeiro e fevereiro deste ano - a 16ª onda desde fevereiro de 2014.

Em janeiro de 2019, quando os ataques da época completavam uma semana, 36 chefes de facções foram transferidos do Ceará para penitenciárias federais. Deles, 15 eram da GDE. Nesta segunda-feira, até o início da tarde, a Justiça Estadual, nas Varas de Execuções Penais, de Delitos de Organização Criminosa e de Tóxicos, ainda analisavam, juntas, mais 12 pedidos de transferências feitos pelo Ministério Público Estadual, municiado por relatórios técnicos emitidos pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). A cúpula ainda mais afetada.

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"Isso tem saído bastante caro para a GDE. Os chefes estão longe, presos em outros Estados, em outras cadeias. Isso gera mais despesa para eles", descreve um investigador, que também não quer ter o nome revelado. "Eles radicalizaram nos atentados porque estão enfraquecidos". No início do ano, a motivação principal teria sido a mudança nas regras de convívio dentro dos presídios. Nos primeiros dias de ataque desta série atual, mais de 500 presos foram remanejados entre cadeias do sistema estadual. A medida embaralhou a rotina dos faccionados.

Pichação é principal marca da territorialização das facções. Na imagem, sigla encobriu muro de escola em Horizonte. (MATEUS DANTAS, EM 25/4/2017)
Pichação é principal marca da territorialização das facções. Na imagem, sigla encobriu muro de escola em Horizonte. (MATEUS DANTAS, EM 25/4/2017)

Parceria com PCC garante fornecimento de drogas

Na Capital, a GDE rivaliza com o Comando Vermelho, originada no Rio de Janeiro, e mantém parcerias com o Primeiro Comando da Capital (PCC), nascida nas cadeias paulistas. O acerto principal com o PCC é na aquisição das drogas comercializadas - a maior fonte de arrecadação. É o PCC que vende toda a cocaína e a maconha da GDE. É assim que o PCC, com o contingente menor, se mantém fortalecido.

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A conta é simples: com o dinheiro entrando menos, estão comprando menos droga, é menos volume no caixa da organização. As substâncias chegam ao Ceará pela chamada Rota Caipira: atravessam a fronteira Paraguai-Mato Grosso do Sul e vêm por estradas até o território cearense. Os inimigos do CV recebem a coca da Rota do Solimões, que sai da Colômbia e Venezuela e entra no Brasil por Manaus e Belém, depois cruzando o norte em caminhões até o Nordeste.

O rigor disciplinar dentro das prisões estaduais, estabelecido no início de janeiro sob ordem do secretário Mauro Albuquerque, da SAP, também teria cortado o dinheiro do comércio ilegal que funcionava dentro das unidades. "Foi cortada a venda de alimentos, de cigarro, de celular, de drogas. Isso causou uma revolta muito grande neles". Um ventilador na cela gerava R$ 50 para a facção ou a fidelidade do integrante. As famílias pagavam outras despesas pela garantia da proteção nas alas do sistema.

Criminosos voltaram a comandar ações criminosas contra o Estado em 2019
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