De pele fininha, lisa e com gosto doce, a fruta que Deus teria demorado dois dias para criar possui definição que chega a atarantar a cabeça de pessoas ao redor do mundo. Muitas vezes tido como fruto do cajueiro, o caju é o todo: a soma da castanha com o pedúnculo floral. No Ceará, é responsável por alimentar crianças, adultos e idosos, mas também por sustentá-los com infinidades de atividades, todas elas reunidas em incontáveis histórias transmitidas pelo Museu do Caju, em Caucaia, desde 2007.
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Tamanha diversidade e complexidade podem ser explicadas por motivos divinos, como salienta o poema “Criação do caju”, de 1976, do poeta popular Souto Maior. Segundo a narrativa, na gênese do universo, Deus teria acordado “bem cedo para continuar seu trabalho” de produzir aquilo que ficaria sobre o mundo, ainda em formação.
“Deus pensou em fazer uma fruta que fosse bonita, gostosa e que tivesse até a qualidade para conservar a saúde do homem”, diz o texto, informando que o Criador fez um fruto de duas cores, ficando satisfeito com a beleza da obra – tanto é que adormeceu tranquilo em seguida. Enquanto dormia, porém, refletiu que não havia acrescentado algo essencial para a existência da fruta: a semente!
O pensamento o fez acordar rapidamente e correr em direção ao cajueiro. Mas diante de desmedida beleza, “teve pena de abrir o bichinho para botar a semente dentro”. “Como Deus é grande e muito sabido, achou um jeito: botou a semente do lado de fora, com o nome de castanha. E o caju ficou mais bonito ainda”, finaliza Souto Maior.
Para o educador Gerson Linhares, as definições dadas pelo poeta o emocionaram tanto que lhe fizeram cogitar: “Seria muito importante ter um espaço cultural dedicado à cajucultura aqui no Ceará”. Com as reflexões levadas a cabo, fundou o Museu do Caju.
Em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, o equipamento cultural ostenta o título de “primeiro e único dedicado à essa fruta tipicamente brasileira, nordestina e cearense”. Também curador da exposição Meu Caju Cajueiro, Gerson se diz e se mostra amante do fruto e de tudo aquilo que lhe rodeia e deriva. Por isso, atua como mediador entre famílias que vivenciam a cultura do caju pelo interior cearense, trazendo aquilo produzido para a instituição, com intuito de celebrar e valorizar cada rebento do trabalho.
Segundo calcula, hoje o museu trabalha em parceria com 60 famílias espalhadas entre 20 municípios cearenses. Suas atividades, no entanto, não ficam restritas ao período de maior safra, que corresponde setembro a dezembro. No restante do ano, diz Gerson, as famílias são estimuladas a transformar o trabalho de plantação e colheita em ofício mais refinado. “Quando não tem o caju no pé, a gente incentiva a produção de arte, artesanato, produtos de reciclagem. Tudo com a temática do caju”, menciona.
“É importante que criem o sentimento de pertencimento com a fruta, marcadamente cearense”, sucede. “O Estado é o maior produtor de castanha de caju do País, e um dos maiores do mundo, mas não pode se limitar apenas a castanha em si. Tem de haver valorização do pseudofruto, que também gera empregabilidade, porque tem vários derivados, como o doce, a cajuína, o mel, o melaço e assim por diante”, enumera. Assim, “cada família produtora passa a ser de poetas populares, artesãos, artistas plásticos, designers”.
Parte daquilo elaborado por essas famílias é levado para o museu, ou para ficar como acervo, ou para ser vendido. Dos tapetes aos panos de prato, dos ornamentos de casa às eiras e beiras, o prédio é todo envolvido e constituído pela cultura do fruto. De acordo com Gerson Linhares, alegria e gratidão são dois dos principais sentimentos proporcionados pela atuação da instituição tocada por ele.
“Mas quando as famílias vêm para cá e presenciam a maneira como a gente trata bem o que elas fizeram com muito carinho, é o que é mais maravilhoso ainda”, declara. “Essa é a nossa proposta, que é do humano, de valorizar as coisas simples. ‘Ah, tem o doce em calda da dona Raimunda de Pacajus, que só ela praticamente sabe fazer porque é tradição de família’. Isso a gente traz para cá e dá o devido tratamento e valorização”, discorre.
Durante a visita, é possível passear por entre cajueiros em uma chácara de 5 mil metros², no bairro Parque Guadalajara, em Caucaia. Cada pessoa pode adquirir, experimentar e vivenciar produtos preparados por cearenses que buscam contribuir para o engrandecimento da cajucultura cotidianamente, como doces, redes, tapetes, toalhas e uma infinidade de outros itens. O Museu do Caju conta com três espaços de imersão e dois carros personalizados, conhecidos como “Fuscaju”.
Conforme revela Gerson, o equipamento tem essa composição mas a pretensão é “ousar”. Ele conta de planos para a construção de novo prédio no local em formato de caju deitado, onde o visitante deve entrar pelo lado que representa a castanha, saindo pelo pedúnculo. “E a gente está alçando mais voos. Quem sabe em 2021 teremos o caju como tema de uma escola de samba na Sapucaí, no Rio de Janeiro?! Há essas negociações, pois a gente espera ter o caju projetado na esfera nacional e internacional”, ambiciona.
Onde: Rua San Diego, 332, Parque Guadalajara, Jurema, em Caucaia.
Quando: Checar disponibilidade
Contato: (85) 3237 2687
Entrada: R$ 5
Local é acessível para quem tem dificuldades de locomoção ou visão
Concepção: Fred Souza