Jornalista, professora e consultora. Mestre em Políticas Públicas, especialista em Responsabilidade Social e Psicologia Positiva. Foi diretora de Redação do O POVO, coordenadora do Unicef, secretária adjunta da Cultura e assesora Institucional do Cuca. É autora do livro De esfulepante a felicitante, uma questão de gentileza
Foto: alpay tonga na Unsplash
Etarismo, preconcieto etário
.
Muitos temas merecem bis, vários bis até. Nos conduzem a novos olhares, argumentos, palavras que se somam. O etarismo é um deles. Precisa ser absorvido por muitas vozes para que alcance o patamar do incômodo que gera mudanças. No dicionário online da Academia Brasileira de Letras, a palavra significa “discriminação e preconceito baseados na idade, geralmente das gerações mais novas em relação às mais velhas; idadismo”.
O preconceito contra a idade mais avançada é tão comum nas rotinas de conversas e decisões, que parece “normalizado”. E este é o perigo: o que parece encrustado, grudado na pele, pode ser justo a manta que veste de invisibilidade o preconceito.
Neste mesmo espaço, na quinzena passada, trouxe dois casos: um dos concursos literários que levanta o muro dos 35 anos de idade para barrar escritores que têm mais do que este limite; e três universitárias de Bauru (SP) que discriminaram, em vídeo nas redes sociais, uma colega por ela ter mais de 40 anos. Os temas repercutiram em muitos grupos de WhatsApp e nas redes sociais. Sandra de Lima, pernambucana, colega do Coletivo Escreviventes, de escritoras, avançou. Ela conseguiu da poeta ganhadora do Jabuti e vereadora, Cida Pedrosa (PCdoB), de Recife-PE), o retorno de que já estava elaborando um projeto de lei sobre o assunto.
É necessário insistir o dedo nesta tecla. Precisamos focar no que falamos no dia a dia, sem que sequer se perceba que se está engrossando o caldo do etarismo. Vou trazer exemplos da semana passada, só para evidenciar como são constantes. Para não constranger, que não é meu intuito, não vou identificar pessoas nem lugares.
"É muito comum ouvir de pais, por exemplo, que os filhos não têm paciência para orientar sobre dúvidas em tecnologia. Esquecem de toda a paciência que os pais tiveram (ou deviam ter tido) para ancorar seus aprendizados"
Caso real 1 – Eu estava em uma reunião com formadores de opinião e uma pessoa entre os participantes disse uma frase que já virou jargão: “a equipe é jovem, dá conta”. Vamos lá. Só os jovens dão conta? A experiência profissional, de vida, e a vontade de seguir aprendendo não valem entre os atributos para que se dê cabo de uma atividade em que, para além da idade, é a mente que vai atuar?
Caso real 2 – Como escritora, posto praticamente todos os dias algo nas redes sociais, principalmente no Instagram. Uma pessoa, nos seus 70 anos, mais ou menos, ainda não havia entrado em contato com o “carrossel”, um mecanismo daquela rede social que permite que se coloque até 10 imagens (fotos e/ou vídeos). Ela mandou mensagem no privado perguntando como ter acesso. Orientei que passasse o dedo na tela da direta para a esquerda. Rapidinho fez e agradeceu. Aprendeu e agora seguirá vendo todos os carrosséis que queira. Ensinará outros.
Fiquei refletindo sobre estes dois momentos. O ser humano, ao nascer, precisa ser cuidado para continuar a viver. Para aprender a falar, é estimulado. Para enfrentar as quedas inerentes a se pôr em pé, necessita de uma mão que o apoie. Ser alfabetizado é mais do que olhar para letras, é ter quem ajude a decifrar a montagem das palavras, sons e sentidos. Alguém, geralmente (há exceções) com mais idade do que quem aprende, repassa conhecimentos.
Se um adulto for preconceituoso com quem está aprendendo e impaciente com suas dúvidas, vai estar negando o aprendizado. Se um jovem for preconceituoso com quem quer continuar a aprender, vai estar barrando um direito de quem quer e pode seguir aprendendo e compartilhando seus saberes. É muito comum ouvir de pais, por exemplo, que os filhos não têm paciência para orientar sobre dúvidas em tecnologia. Esquecem de toda a paciência que os pais tiveram (ou deviam ter tido) para ancorar seus aprendizados.
Repito o que disse em artigo da quinzena passada: em um país em que pessoas com mais de 30 anos passaram a representar 56,1% dos 212,7 milhões de cidadãos brasileiros, não abrir os olhos para este tipo de preconceito é dar as costas à continuidade da evolução, para mais da metade da sua população.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.