Repórter do O POVO+ especializada em ciência, meio ambiente e clima. Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é premiada a nível regional e nacional com reportagens sobre ciência e meio ambiente. Também já foi finalista do Prêmio Einstein +Admirados da Imprensa de Saúde, Ciência e Bem-Estar na região Nordeste
“A doença da Terra é a humanidade”, manchetou o climatologista Carlos Nobre em entrevista à Rádio MEC, da Agência Brasil. O cientista é um dos principais nomes da climatologia mundial, expert em mudanças climáticas, e co-presidente do Painel Científico para a Amazônia (SAP, em inglês). O objetivo de Nobre com a fala é ressaltar o efeito da exploração humana no aquecimento hiper acelerado do planeta Terra, mas eu discordo quando ele centraliza a “culpa” na humanidade.
A humanidade existe no planeta Terra há milhares de anos, mas foi principalmente após a Revolução Industrial que os picos de emissão de gás carbônico (CO2) passaram a ocorrer. Antes disso, os crescentes genocídios de povos nativos e a exploração também davam pistas de que o futuro estava oscilando. No entanto, foi realmente a troca do trabalho artesanal pelo maquinário à carvão que transformou o mundo.
Todos nós sabemos o que ocorreu a partir de então: a automatização acelerou cada vez mais a produção, o que possibilitou o aumento de capital. Fala-se muito sobre como a revolução influenciou positivamente no padrão de vida do mundo ocidental, mas isso é verdade apenas para o norte global. Os países latinoamericanos, africanos e asiáticos, já afetados pela colonização, continuaram sofrendo com o extrativismo tecnológico.
Dessas movimentações de exploração da terra e da força de trabalho humana, por meio da violência e da manutenção de desigualdades, é que se deu a crise climática.
Por mais confortável que seja imaginar as nações como entes unidos e igualitários atualmente, nós seguimos exatamente da mesma maneira desde o século XIV, com os países do sul global sofrendo mais intensamente os efeitos do aquecimento global iniciado e intensificado principalmente pelo norte global.
Perceba, esse modelo não é inerente à humanidade. Os povos indígenas e tradicionais de cada um dos continentes estão há séculos construindo estilos de vida sustentáveis guiados pelos fluxos dos ecossistemas nos quais estão inseridos.
A Amazônia, por exemplo, é uma gigantesca agrofloresta criada por indígenas. No Brasil, a demarcação de terras indígenas já se mostrou uma das mais eficazes formas de preservação, assim como todos os países latinoamericanos reconhecem nos saberes tradicionais as vias de solução para mitigar as emissões de CO2.
Colocar a humanidade como a doença é retirar dela a habilidade de reverter o status-quo e reconstruir sistemas econômicos não-exploratórios.
O que eu quero dizer é o seguinte: a doença da Terra é o capitalismo. É a lógica extrativista, colonialista, acumuladora e liberalista que subjugou todos os seres terrestres a viver em desigualdade e em desequilíbrio com o planeta. A humanidade também é vítima, porque é extirpada de tudo que a faz humana e é forçada a agir como uma máquina sem identidade, sem cultura e sem natureza.
É por isso que a crise climática nunca poderá ser resolvida nos moldes capitalistas. Há um sério problema de coesão entre os objetivos “salvar o mundo” e “almejar o lucro e acumular riquezas”.
É óbvio que o professor Carlos Nobre entende tudo isso e que a frase é uma estratégia discursiva para apontar que a crise climática não é natural, mas provocada por humanos. Reafirmo isso, pois esse artigo nem é uma crítica a ele. É mais um alerta, como comunicadora, de que a escolha de palavras têm impacto e podem invisibilizar contextos histórico-sociais que nos colocaram neste cenário.
Quem vai salvar o mundo é a humanidade, derrubando justamente quem o destrói: o capitalista.
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