Sucessos e incertezas da COP16 de Desertificação: e o Ceará com isso?
Repórter do O POVO+ especializada em ciência, meio ambiente e clima. Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é premiada a nível regional e nacional com reportagens sobre ciência e meio ambiente. Também já foi finalista do Prêmio Einstein +Admirados da Imprensa de Saúde, Ciência e Bem-Estar na região Nordeste
Sucessos e incertezas da COP16 de Desertificação: e o Ceará com isso?
A COP16 de Desertificação, sediada na Arábia Saudita, conseguiu ser a mais exitosa em termos de adesão da história. Com lançamento de projetos necessários e promessas de financiamento, entenda como foi o evento e o impacto da participação brasileira e cearense
A extenuante sequência de conferências mundiais sobre pautas ambientais chegou ao fim em dezembro, com o encerramento da COP16 de Desertificação. O evento ocorreu em Riade, na Arábia Saudita, e discutiu um assunto caro para os nordestinos: a profunda degradação das terras de climas semiáridos.
A desertificação é um fenômeno de degradação da terra em zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas provocada pelas mudanças climáticas e pela ação humana. No Nordeste, por exemplo, ela está relacionada ao modelo econômico da agropecuária, que explora o solo sem garantir tempo de regeneração.
A crise climática chega para completar a receita do desastre, com as altas temperaturas favorecendo a perda de água do solo para a atmosfera (chamada evapotranspiração).
Essa é uma preocupação mundial de países com características climáticas semelhantes à do Nordeste, razão pela qual a COP da Desertificação existe. Infelizmente, ela tem sido uma das conferências mais escanteadas pela mídia — e mesmo por países do norte global que não enfrentam diretamente as consequências da desertificação.
“A desertificação atinge principalmente o mundo tropical, então de certo modo é uma discussão que não tem o mesmo peso para as grandes nações”, analisa Flávio Nascimento, professor de Geografia na Universidade Federal do Ceará (UFC) e um dos delegados do Brasil na COP16 de Desertificação.
“Mas ela merece a atenção do mundo”, frisa o pesquisador. Primeiro porque 40% das terras do mundo estão caminhando para a desertificação, e há grande impacto na produção de alimentos nesta conta.
Segundo, porque o fenômeno afeta 1,8 bilhão de pessoas que vivem em zonas vulneráveis. O que ocorre quando pessoas vivem em ambientes degradados e não têm segurança alimentar? Desigualdade social e migrações, inclusive para as grandes nações temperadas que não sofrem diretamente com a desertificação.
O Brasil tem muito o que ensinar ao mundo quando o assunto é o combate à desertificação e a convivência com a seca. Não confunda: a seca é um fenômeno climático natural ao qual a natureza está plenamente adaptada. Seca não é o diabo, a desigualdade e o abandono de regiões pelo poder público são.
Assim como nas outras conferências, de Biodiversidade e de Clima, o Brasil é um líder ambiental. Especialmente porque temos o semiárido mais populoso do mundo, representado pela incrível Caatinga e a diversidade de povos sertanejos nos estados — entre os quais o Ceará é, proporcionalmente, o mais seco.
Não à toa, Fortaleza é protagonista da Conferência Internacional sobre Clima, Sustentabilidade e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas (Icid). A Capital sediou todas as duas edições da Icid (1992 e 2010) e receberá a terceira edição em outubro de 2025.
Na COP16 de Desertificação, o Ceará foi representado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação Superior (Secitece) e pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme); a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) esteve presente em nome da sociedade civil.
Essa foi a maior edição da conferência de desertificação da história, com adesão de quase 200 países e cerca de 20 mil pessoas. O Brasil enviou sua maior delegação, com 160 representantes. “Na última COP, foram cinco pessoas”, delimita o pesquisador. Além das plenárias oficiais, ocorreram 600 eventos transversais, entre eles os do Painel Brasil.
As pautas da COP de Desertificação giram em torno da restauração do solo, da resiliência à seca e das políticas nacionais de cooperação. “De modo geral, é uma avaliação positiva”, define Flávio.
Um dos méritos da COP16 de Desertificação foi criar o Observatório Internacional de Resiliência à Seca. Ele consiste em uma plataforma online que reunirá dados para fomentar o diagnóstico mundial e o debate embasado para cooperações internacionais. Parecido com o projeto Redeser e com o Monitor da Seca, do Brasil.
Outra vitória — acompanhando a experiência da COP16 de Biodiversidade — foi o alto grau de recomendação para as delegações dos países terem representantes dos povos indígenas e das comunidades tradicionais.
Também houve tratativas sobre a implementação de um programa específico de captação de recursos junto a entidades privadas. É o Business4Land (B4L), uma iniciativa já existente da Convenção do Combate à Desertificação das Nações Unidas que objetiva restaurar 1,5 bilhão de hectares de terra até 2030.
Por falar em financiamento, chega o momento de tensão enfrentado por todas as conferências deste e dos últimos anos.
Os países saíram com a promessa de levantar 12 bilhões de dólares até a COP17 de Desertificação, que ocorrerá na Mongólia em 2026. “Mas, segundo a COP, o volume necessário até 2030 é de 300 bilhões de dólares”, ressalta Flávio. O montante prometido, portanto, seria de apenas 4% do total.
A captação de recursos tem sido o calcanhar de Aquiles das COPs, independente da abordagem. Ao que tudo indica, os países chegaram em um impasse no qual o sul global demanda por mais dinheiro para investir em adaptação e mitigação, enquanto o norte global nega a necessidade de mais recursos — especialmente se vier deles.
Entre os sucessos e as incertezas, o pesquisador e delegado Flávio Nascimento reforça que a palavra-chave das próximas reuniões é restauração. “Precisamos ver os desdobramentos. Houve financiamento? A aplicação dela foi efetiva? Porque agora não tem jeito: a gente tem que botar a mão na massa.”
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