Repórter do O POVO+ especializada em ciência, meio ambiente e clima. Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é premiada a nível regional e nacional com reportagens sobre ciência e meio ambiente. Também já foi finalista do Prêmio Einstein +Admirados da Imprensa de Saúde, Ciência e Bem-Estar na região Nordeste
A Colômbia cumpriu um papel especial ao trazer novamente à América do Sul a 16ª Conferência das Partes (COP) de Biodiversidade. Até então, era um evento meio “esquecido”, ofuscado pela grandeza da COP pelo Clima, na 29ª edição este 2024. Mas a Colômbia conseguiu fazer a COP16 de Biodiversidade um grande evento e, com isso, colocar no centro da discussão um tema especialmente caro para o país: a paz.
O lema Paz com a natureza é amplo e pode ter diversas interpretações. Arrisco a dizer que elas variam de acordo com as experiências de cada nação, e que por isso o mote principal colombiano tenha a ver com aquela violência dura que o país latinoamericano enfrenta há séculos.
A guerrilha, os grupos paramilitares e os desaparecidos marcam cada um dos colombianos. Todos conhecem alguém da família que foi deslocado pela guerrilha, ou alguém que segue à espera de notícias de parentes desaparecidos. Meu avô, Norberto Beltran Escobar, morreu uma semana antes da COP16 começar, e dele herdei a memória dos queridos livros queimados na fazenda invadida pela guerrilha.
De minha mãe, Sandra Beltran-Pedreros, a memória das vezes em que enfrentou ataques em Bogotá. Com minha irmã mais velha, Diana Trujillo, o dia de visita ao Museu Claustro San Agustín, localizado na capital colombiana, e a exposição com fotos de desaparecidos.
Apesar dos retalhos de insegurança e violência, a Colômbia resiste. É uma terra berraca (arretada, em bom cearencês), colorida e mágica. Não à toa é um dos berços do realismo mágico protagonizado pelo imortal Gabriel Garcia Marquez. Quando ele recebeu o Nobel de Literatura por Cem Anos de Solidão, ele sintetizou como o realismo latinoamericano é moldado pela violência do abandono:
“Poetas e mendigos, músicos e profetas, guerreiros e canalhas, todas as criaturas desta indomável realidade, temos pedido muito pouco da imaginação, porque nosso problema crucial tem sido a falta de meios concretos para tornar nossas vidas mais reais. Este, meus amigos, é o cerne da nossa solidão.”
Naquela mesma sala de fotos de desaparecidos, estava uma sumaúma feita de folhas de jornal com notícias do conflito armado, narrando ao mesmo tempo a destruição da natureza. Qualquer ambientalista latinoamericano dirá que a preservação da biodiversidade só ocorre com o combate à violência armada — esteja ele no meio da floresta amazônica ou no topo de uma favela.
O cerne de praticamente todos os desafios ambientais está na luta por território. Do contrário, por que o agronegócio e os latifundiários defendem tão veemente o Marco Temporal, contra os direitos constitucionais dos povos indígenas brasileiros? Por que as queimadas e a especulação imobiliária avançam as bordas de unidades de conservação? Por que as usinas de energia renovável (como eólicas e solar) provocam tantos embates socioambientais e são majoritariamente de empresas estrangeiras?
A solidão da América Latina, cujo chão foi manchado pelo colonialismo e extrativismo, precisa ser combatida. A solidão da nossa biodiversidade, caçada, cercada, traficada e morta das piores maneiras, precisa ser sanada.
A América Latina, acompanhando os conhecimentos dos povos tradicionais, clama por uma mudança de perspectiva em que a violência deixe de ser o status quo. Em que as plantas, os bichos e os humanos sejam igualmente respeitados em um pacto de paz, oferecendo finalmente meios concretos para vivermos além da nossa imaginação. E para, enfim, cessar essa solidão de tantos séculos.
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