O desafio de "humanizar sem redimir" em "7 Prisioneiros"
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
Em evento promovido pela Netflix para divulgação do longa “7 Prisioneiros”, o diretor e roteirista Alexandre Moratto compartilhou que buscava, com a produção, apresentar uma trama complexa que pudesse apontar as origens dos esquemas de trabalho análogo à escravidão que ainda ocorrem na atualidade. A partir desta grandiosa intenção, o intrincado tema se desenrola acompanhando a história de jovens pobres do interior que são atraídos para São Paulo na promessa de um bom emprego, mas acabam subjugados a um esquema violento e opressor. Variando entre carregadas tintas maniqueístas e uma arriscada busca por tridimensionalidade, “7 Prisioneiros” – já disponível na plataforma – apresenta um retrato irregular e cru que se impõe pela “boa intenção” temática.
O protagonismo da produção vai para Mateus (Christian Malheiros, protagonista do longa anterior de Moratto, “Sócrates”, estreia de ambos no cinema), que parte para a capital na busca por melhores condições para a mãe e as irmãs. Com ele, jovens da mesma comunidade vão atrás do mesmo sonho.
Chegando no ferro velho que os empregaria, comandado pelo "patrão" Luca (Rodrigo Santoro), percebem que o espaço não tem condições salubres e que o método para “manter a linha” é a violência. O grupo ainda tenta deixar o local, se negando a permanecer ali, mas recebem ameaças não somente a si próprios, mas às famílias.
É este o cenário do qual parte a trama de “7 Prisioneiros”, marcada de partida por sequências de violência que buscam chocar e causar revolta. De forma contraditória, porém, o filme empreende esse movimento de forma opaca. Tentando construir uma abordagem realista, a obra entrega sequências marcadas por artificialidade, desequilibrando a intenção - isso para não questionar a decisão, em si, de criar empatia pelo choque.
Esse desequilíbrio se mantém até o filme, corajosamente, apostar numa virada de trama e, felizmente, também de tom. Na coletiva, diretor, produtor e atores reforçaram, nas respostas, o interesse por complexificar as relações mostradas até ali. Uma fala de Rodrigo Santoro demarca o gesto: “Como é que a gente humaniza sem tentar redimir o personagem?”. É um desafio grande, decerto, ainda mais se tratando de um esquema criminoso real, que atinge milhões de pessoas no mundo.
O caminho que o filme opta traçar para “humanizar” as personagens é, ao mesmo tempo, um passo arriscado, passível de questionamentos e o que faz a obra melhorar. Dos tons mais maniqueístas da primeira metade, ele entra em novas e complexas cores.
Da apresentação da família do antagonista à assimilação de pequenos poderes do protagonista, “7 Prisioneiros” faz os personagens deixarem de serem arquétipos e adiciona neles maior tridimensionalidade. É arriscado, reitera-se, mas pauta-se em uma discussão relevante e humana: a busca pela sobrevivência. "É eles ou nós", diz um personagem a determinada altura.
A tal crueza realista intentada no início, que àquela altura não funciona, ganha corpo e profundidade a partir deste movimento, no qual não há espaço para redenção ou esperança. Como os riscos da escolha dramatúrgica, os objetivos dela - expor as “origens” da escravidão contemporânea, lembre-se - também são grandes demais. “7 Prisioneiros”, enquanto filme, esbarra em si mesmo. Enquanto intenção, esbarra na realidade.
Confira o trailer:
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