Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Recebo o telefonema de Mário Mamede, um amigo e uma fonte com quem aprendi bastante sobre direitos dos seres vivos. Temos em comum gavetas cheias de episódios agradáveis e apostemas por causa de perseguições.
Uma das frentes, a oposição e denúncia contra a tortura e o desejo por uma polícia cordial. Ou que um dia, se torne apenas paisagem sutil na Cidade - tamanho o equilíbrio social e a distribuição de direitos. Utopias e desbrutalidades.
Mas o motivo da ligação não eram as lembranças do tempo da militância dele no parlamento e eu na Tribuna do Ceará e, depois, no O POVO. Era uma sugestão gentil de pauta sobre uma senhora - dona Zélia Maria de Carvalho Lima Cordeiro - que chegou aos 100 anos de existência, ontem.
Também retruco que não tenho desejo de ficar por aqui por dez décadas, prescindo desse privilégio
Tenho desvelo por jornadas centenárias e digo que vou encaminhar a sugestão. Fico imaginando o inteiriço da vida de dona Zélia e os vãos de saudades. E brinco ao dizer que está ficando comum a vizinhança chegar aos 100 anos de idade.
Também retruco que não tenho desejo de ficar por aqui por dez décadas, prescindo desse privilégio. Até marquei minha ida, aos 85 anos, se conseguir sobreviver até lá.
Antes de continuar a prosa, gentilmente aviso que aplaudo espécies de seres humanos cheios de vocação para o perenal até mais de 100 anos.
Foi apenas uma metáfora sobre as partidas, as buscas por mares e as garrafas de vidro vagando desassossegos
Caso do doutor Pinho, um farmacêutico que descobriu o calazar no Ceará e o entrevistei aos 103 anos. Há pouco, ele completou 105 e o irmão dele, 103. Lúzios e ditosos. Admiro a coragem de existir.
E há senhoras, caso da amiga Hedelita, ex-Tribuna do Ceará, plena de seus corres, que puxou minha orelha quando disse que aos 85 anos, pularia na Praia de Iracema e nadaria até os corsários e náufragos.
Foi apenas uma metáfora sobre as partidas, as buscas por mares e as garrafas de vidro vagando desassossegos.
É uma prosa poética de meia tigela para dizer que enquanto vibrarmos, ainda seremos algo... uma floresta, um rio
Partir talvez, feito João Bosco, a geleira azul das interrogações e buscar a mão do mar. Arrastar-se até o mar, procurar o mar. Uma imensidão que nem sabemos até onde seremos.
É uma prosa poética de meia tigela para dizer que enquanto vibrarmos, ainda seremos algo... uma floresta, um rio com mais de 1500 anos, um Pajeú. Alguns serão brevíssimos, não adiantam razões. Outros irão até o meio do caminho e haverá toujours os insistentes.
Testemunho isso cada vez que sou levado às exéquias de alguém. Aquele momento em que o mar invade, mesmo, e vai lavando com sal o até ali. Os olhos irão vazar, claro, das saudades.
Ela esqueceu que é católica fervorosa e que não aceitava mandingas
Prometi à mamãe que não a levarei para mergulhar comigo, na Praia de Iracema, um dia depois de meu aniversário de 85 anos. Provavelmente, ela já terá ido e com todas as goiabeiras que plantou e deram mangas.
Ela me pediu e irei cumprir, a levarei a uma cartomante. Ela esqueceu que é católica fervorosa e que não aceitava mandingas.
Levá-la a uma bruxa vidente que tem algo divinatório no corpo e se conecta com o indizível.
Mas não será para expectar o futuro, essa inexistência. Mamãe quer que madame recolha as memórias do passado que foram se desmilinguindo com os vãos dela.
Vocês já existem, lembrou... e esqueceu na sequência o desejo de encontrar a sortista
Pedirá apenas que pule o capítulo quando conheceu meu pai, se puder apague de vez. Ri e disse a ela que corria o risco de nos apagar - os seis filhos - também.
Vocês já existem, lembrou... e esqueceu na sequência o desejo de encontrar a sortista.
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