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Uma revoada de pássaros-livros
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Uma revoada de pássaros-livros

Do pouco que eu tentava compreender, queria saber mais sobre o sentimento IRA dos padres irlandeses
Tipo Crônica
1509demitri.jpg (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 1509demitri.jpg

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Cá com os meus diálogos vãos, estava ruminando por que mentimos tanto às crianças para que gostem da escola formal. Falo da rede entranhada no sistema capitalista (ou outra porcaria semelhante) sem rotas alternativas nem becos de chances.

E terminamos adulterando a maioria dos pequenos seres vivos humanos e os empurrando para um infinito de reproduções cartesianas, formando mulheres e homens do senso comum. A maioria de nós.

É ruim para a convivência e uma atrofia na perspectiva por uma Terra menos violenta. São "fábricas" de gerações e gerações de pais e filhos desertificados.

 

Na verdade, me apetecia uma trinca de padres irlandeses, alguns professores e pouquíssimos amigos e amigas

 

Levei anos para admitir que não gostava da minha escola, o colégio Redentorista. Na verdade, me apetecia uma trinca de padres irlandeses, alguns professores e pouquíssimos amigos e amigas feitos no planeta escolar.

Talvez a rudeza dos bullyings, o retrato e a reprodução do ambiente hostil e preconceituoso levado da família para a sala de aula, para hora do recreio e para os espaços estimulados de disputas escrotas.

Nunca entendi por que tínhamos de disputar quase tudo e, consequentemente, amargamos frustrações evitáveis.

Mesmo assim, não poderia desestimular nenhum de meus filhos. Quando descobriram que a escola era uma esteira de enquadrar gente, eu inventava as melhores mentiras para estimulá-los.

 

Sim, claro, eu sei! Não é fácil fazer "escola"

 

Dizia que gostava tanto da escola que, quando chegavam as férias, eu chorava para não deixar de ir para o colégio todos os dias. Sustentava que levava minha rede e atava-a na sala de aula, tamanha saudade em mim...

Sim, claro, eu sei! Não é fácil fazer "escola". Reunir ali, os mais diversos comportamentos, as autoestimas variáveis e as cópias do pai, da mãe, do avô e da avó. A começar por essa citação hétero normativa de família.

Um desses encontros de turma de terceiro ano, tive a certeza de que não queria reviver algumas manifestações de repulsa a comportamentos que se agravaram com a maturidade alheia.

 

Tinham outras escolas subjetivas dentro do Redentorista que me fascinavam

 

Uma decepção, pois o natural é que o conhecimento e a experiência de vida desconstruam ruínas parvas.

Infelizmente, vi gente mais machista ainda. Homofóbicas ao extremo e misóginas em disfarce mal camuflado. E o pior, contaminados por um conservadorismo bolsonarista e euro-cristão.

Tinham outras escolas subjetivas dentro do Redentorista que me fascinavam. Mais do que a formal que me levava a sentir menos em relação à menina ou ao menino do dez em matemática, em física, em trigonometria.

 

Queria saber mais sobre o sentimento IRA deles do que da "tradição" de Elizabeth II

 

A escola das análises e das manifestações de padre Dermival ou de religiosos que, nas décadas da ditadura militar (1964-1985), estavam nas Comunidades Eclesiais de Base e no Araguaia... Estas me interessavam.

Do pouco que eu tentava compreender, queria saber mais sobre o sentimento IRA deles do que da "tradição" onerosa de Elizabeth II. Se bem que viraram uma Disneylândia, um atrativo turístico. Pelo menos!

Escrevi no começo que nunca gostei da escola, mas me projetava em professores que resistiam no sistema e não se prendiam na homogeneização de meninas e meninos. Um punhado de grandes conversadores sobre a vida.

 

Por agora, ando investigando conceber, com a comunidade escolar, a gestação de uma "sala permanente de conversa"

 

Fabuladores de outros mundos possíveis além do sucesso dos primeiros lugares no "vestibular". Insurgentes por saídas coletivas e solidárias para a existência mundana, incluindo bicho, floresta, gente, rio e mar.

Por agora, ando investigando conceber, com a comunidade escolar, a gestação de uma "sala permanente de conversa" para se antecipar ao bullying, à morte na escola e em casa, ao dano na autoestima e ao suicídio.

Não é simplório, mas vivo sonhando com bandos de pássaros-livros sobrevoando as árvores na escola (e nas casas). Ah, não existem árvores em sua escola? Pois ainda é tempo de plantar oxigênio e rebrotar.


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