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Olhar de cronista por Fortaleza
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Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações

Olhar de cronista por Fortaleza

A paixão por uma cidade não nasce súbita nem previsível. Trago nove presentes de aniversário
Tipo Crônica
1304demitri.jpg (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 1304demitri.jpg

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Regina Ribeiro, Ariadne Araújo, Tânia Alves e Marília Lovatel. Tarcísio Matos, Danilo Fontenele, eu, Henrique Araújo e Carlus Campos. A minha tentativa de crônica, hoje, é um pedido para desembrulhar nove presentes preciosos de textos e arte. Fina flor. Bem no dia do níver de Fortaleza.

Oferecer os regalos, me valer da generosidade das leitoras e da gentileza dos leitores para pedir que daqui em diante, por sugestão, percorram a trilha de leitura entre os cronistas do O POVO+ que listei anteriormente.

Os nove cronistas, cutucados pelas jornalistas Fátima Sudário, Catalina Leite e Révinna Nobre, se embrenharam para tentar declamar algum amor por Fortaleza dentro dos anos de vida, de cada um, cartografados nos quebrados 299 anos de "existência" da província metropolizada.

 

"Fortaleza não é uma cidade, é uma conquista"
 

 

Não repetirei o texto dos ensolarados cronistas. Já estão no OP+ e esperam existir assim que houver leitura e experiência (qualquer que seja) com quem dedica parte do viver à leitura de uma crônica pedinte. A recepção é um jeito de gostar.

Pinço algumas frases das narrativas de água e sol dos colegas de jornal. "Fortaleza não é uma cidade, é uma conquista", começa Danilo Fontenelle. "Um lugar onde o sol chega cedo e sem cerimônia" senta praça.

É a síndrome do restaurante novidade, depois o abandono. "Viver em Fortaleza é também contradição", pontua o fortalezense Danilo, que nasceu por aqui e nunca quis arribar. Não é desconversa.

 

"É meio uma agressão comemorar um sobrenome europeu"

 

A cidade que nasceu das invasões, das caravelas violentas, da escravização de indígenas e de negros, ferozmente, também rebentou dos estupros trazidos pelos luso-católicos, ingleses, austríacos, holandeses, espanhóis e franceses. É meio uma agressão comemorar um sobrenome europeu.

Assim, quase sempre transitória, Fortaleza é o "canto do mundo" de Ariadne Araújo. Nômade e inquilina em outras cidades, mas volta ao telhado tomado por dentes de leite. "Lá fora, tão bonito, mas a água do mar é fria e o céu é cinza — de cá, nem o azul, nem a tepidez, nem a luz".

No retorno chega louca para misturar-se de novo, o jeito de falar e andar, de se mangar do sol e de se rezar pela chuva, da paisagem de prédios, seres e praias. Mesmo se os olhos ardem dos contrastes e as mãos se crispam, nas horas tardias, nas ruas. Sente.

 

"Um cronista confesso das saudades do tempo em que, "chovendo, em vez de postar nas redes sociais, corríamos alegres para debaixo da biqueira"

 

Aqui, o vento faz a curva na Praça do Ferreira e se vaia o sol sempre que ele merece. Na quentura extrema ou chuva em demasia. É uma recorrência da "lindamente fuleira, Fortaleza nossa d'Assunção". É Tarcísio Matos na saudação.

Um cronista confesso das saudades do tempo em que, "chovendo, em vez de postar nas redes sociais, corríamos alegres para debaixo da biqueira! A rua, o campo de ação de salutares brincadeiras: gol a gol, patinete de rolamento, carreta de lata de leite ninho, carimba, passar o anel". Não chega de saudade.

Fortaleza chegou de trem para Tânia Alves, uma decendente dos Reriús. De uma das janelas de um vagão do Sonho Azul nasceu outra cidade para amá-la. "Até então a Capital era algo que me aparecia nos livros, na TV, em notícias que chegavam pelo rádio. Aquela Cidade distante de meus olhos era para onde alguns de meus amigos migraram em busca de trabalho ou estudo".

 

"Eles traduzem uma Fortaleza que, se por um lado, não conheci e não vivi, por outro, a conheço e habito pelos instantes enquanto os leio"

 

Regina Ribeiro faz de alguns cronistas seus olhos pela cidade. "São caros". Porque eles traduzem uma Fortaleza que, se por um lado, não conheci e não vivi, por outro, a conheço e habito pelos instantes enquanto os leio. Ela reverencia, gentileza. Raimundo de Menezes, Pedro Salgueiro, Ana Miranda, Tércia Montenegro...

A paixão por Fortaleza não nasceu súbita nem previsível em Marília Lovatel. Ela foi aos poucos e com sutilezas ocupando a alma da cronista. Foram anos para notar o cheiro anoitecido dos jasmineiros e, de um voo noturno, a sensação do abraço no regresso à cidade cintilante. Apesar dos pesares.

É assim também. Aos 299, Fortaleza segue inconclusa e à deriva. Não é ironia de Henrique Araújo, ela nunca está pronta. Tem um charme e uma imperfeição da "quase cidade-canteiro". Pendências. Tem, mas está faltando. "Um aquário, uma ponte, uma reforma de biblioteca, um museu largado à própria sorte, um farol tombando, mas não tombado".

 

"No topo da catedral agora tabepa, vento vindo do mar e anoitecimento, Antônio Conselheiro espreita"

 

Por último e em todas as crônicas, Carlus Campos. Um cronista no traço indizível. Pedi que rascunhasse e ele topou uma imagem que me veio sobre Fortaleza. No topo da catedral agora tabepa, vento vindo do mar e anoitecimento, Antônio Conselheiro espreita, atual, a cidade atlântica. Veio dos assassinados. Não sei se para um juízo final das famílias que enriqueceram, até hoje, porque escravizaram. É outra crônica.

Boa leitura no O POVO+.

 

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