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Jeri não é mais um paraíso sustentável
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Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações

Jeri não é mais um paraíso sustentável

"Vi que as árvores são mais competentes em auroras do que os homens. Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças do que pelos homens", Manoel de Barros
Tipo Crônica
0405demitri.jpg (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 0405demitri.jpg

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Jericoacoara não é um paraíso, já foi. Hoje, é um medonho puxadinho de acochambramentos "ilegais" para justificar as recorrentes agressões à natureza. Nenhum prefeito, até agora, quis ser alfabetizado para o meio ambiente.

O mais tosco são as gestões públicas e boa parte dos empresários não enxergarem o quanto já mataram daquela "galinha dos ovos de ouro". Do ponto de vista apenas do lucro. Jeri já não é mais um destino confiável e sustentável. 

E não estou jogando contra a exuberância ambiental que insiste, mesmo com a caretice e a ganância antrópica de brasileiros e estrangeiros que transformaram a existência ali num caos de insustentabilidade.

 

"Têm a ver com Jeri, com o desaparecimento da natureza em todo o litoral cearense, na serra e no sertão"
 

 

Fora a adjetivação, até exagerada, e os advérbios para ver se consigo ser crônica ou qualquer narrativa  de indignação, vou me apegar a um Projeto de Lei aprovado na última semana na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) e a uma ação penal do Ministério Público Federal (MPF). 

Têm a ver com Jeri, com o desaparecimento da natureza em todo o litoral cearense, na serra e no sertão. O Projeto de Lei, caso vire legislação, é uma tentativa de se antecipar às possibilidades de fraudes na emissão de licenciamento ambiental por parte das prefeituras. Já a ação do MPF conseguiu na Justiça barrar crimes na praia, apesar do dano consumado e da sentença ser pífia.  

Quem concebeu e ofereceu o Projeto de Lei foi o deputado Romeu Aldigueri (PSB), presidente da Alece, gente dos Arruda de Granja e de Caucaia. Até me admiro e aplaudo a guinada positiva do político em relação ao meio ambiente já que vem de uma família acostumada a ser dona de grandes latifúndios da Terra aqui no Ceará.

 

"Não é exagero. Um habitat não se concebe num rompante miraculoso do nada"

 

O Projeto de Lei, se Elmano de Freitas tiver coragem de sancioná-lo, dificultará um pouco a vulnerável municipalização do licenciamento ambiental e de outras tomadas de decisão que podem preservar ou extinguir florestas, rios, praias e espécies no Ceará. 

Não é exagero. Um habitat não se concebe num rompante miraculoso do nada. Na poesia até pode ser, mas no rés da Terra, no mar das águas, no dossel da mata e num ninho há de haver permanência, lua, chuva, sol, tempo, paciência e equilíbrio incondicional.

Se virar lei, apenas os municípios que possuírem um sistema de gestão ambiental estruturado poderão aferir e autorizar um licenciamento ambiental.

 

"A avaliação técnica sobre a aptidão das prefeituras para destruir o meio ambiente, de forma legal, será feita pelo Coema"

 

A história é impedir as atuais gambiarras políticas que estão transformando o órgão ambiental num balcão de negócios para prefeitos e empresários. 

O projeto impõe também que os prefeitos enviem oficialmente uma radiografia do órgão ambiental, com relação de profissionais, qualificação e capacidade para avaliar e autorizar o desaparecimento de algo que levou séculos para vingar e gerar vida. 

A avaliação técnica sobre a aptidão das prefeituras para destruir o meio ambiente, de forma legal (é também uma ironia), será feita pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema). Nem sempre o Coema decide pela floresta intocável, mas pelo menos está mais exposto à pressão popular.

 

"No lugar, hoje, existem três grandes hotéis cujos donos se fizeram de besta e construíram muros de pedra"

 

Em Jeri, volto ao caos da insustentabilidade. A Justiça condenou, oito anos depois de uma denúncia do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), um empreendimento do ramo de "apart hotel" que invadiu e privatizou uma faixa de praia.

No lugar, hoje, existem três grandes hotéis cujos donos se fizeram de besta e construíram muros de pedra impedindo o ir e vir, "plantaram" grama quase até o mar, fixaram placas alertando sobre a "praia particular" e armaram vigilantes com "porretes" para impedir a aproximação de praieiros. 

A construção criminosa na área invadida e privatizada não possuía licenciamento ambiental. Geralmente tem e causa espanto. Mas tem um detalhe, a representante do empreendimento condenado, em 2022, é uma advogada. Uma "doutora" que, por destino, é hoje superintendente da Autarquia de Desenvolvimento do Turismo, Mobilidade e Qualidade de Vida da Prefeitura de Jijoca de Jericoacoara.

 

"Um sursis processual, de 2022, amenizou a condenação e a prisão dos donos dos hotéis e da doutora"

 


A "doutora" foi nomeada pelo prefeito Leandro César de Sousa no dia 1º de janeiro deste ano, portaria nº 0101016/2025.

Um sursis processual, de 2022, amenizou a condenação e a prisão dos donos dos hotéis e da doutora. Os empresários foram instados a derrubar os obstáculos de privatização da praia e destinar R$ 40 mil para um projeto social. Uma brandura para quem destruiu habitat.

Já a doutora foi obrigada a comparecer à Justiça em Sobral durante um ano e não se ausentar da comarca onde mora por um período superior a 60 dias. É isso.

 

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