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Oferecer o que as facções oferecem
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Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações

Oferecer o que as facções oferecem

"Há muitas maneiras de matar. Podem enfiar-te uma faca na barriga, arrancar-te o pão, não te curar de uma enfermidade"
Tipo Crônica
2109demitri.jpg (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 2109demitri.jpg

De uns tempos para cá, mudei meu discurso quando falo e escrevo sobre o combate ostensivo e preventivo contra o crime organizado e, atualmente, o atraso social de se terem facções no cotidiano.

Não é verdade que a Secretaria da Segurança Pública do Ceará não trabalha. Rala, sim e muito. Não é verdade que as polícias - militar e civil - não trabalham. Esforçam-se um bocado.

De 2015 até aqui, principalmente a PM das ruas e a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) se especializaram em correr atrás e investigar a produção dos crimes de faccionados.

 

"Tão ruim a situação no Ceará que Cid, Camilo, Izolda e Elmano construíram mais presídios e, inclusive, um de segurança máxima"

 

A Draco, por sinal, foi inventada em 2016 no aperreio da onda de ataques do "exército" canelau de bandidos que atordoou o governo Camilo Santana (PT) e a rotina comezinha no Ceará.

Os governadores - Cid Gomes (PSB), Camilo, Izolda Cela e Elmano de Freitas (PT) - contrataram mais policiais, investiram em mais inteligência, mais armamentos e mais blindagem de viaturas. Inegavelmente, passaram a prender mais criminosos.

Tão ruim a situação no Ceará que os governadores construíram mais presídios e, inclusive, um de segurança máxima. É desolador acompanhar a gangorra da desproporção na oferta de políticas públicas e a produção do crime como mercadoria trivial do dia a dia.

 

 

O que estaria caduco no modo de refletir e agir no oferecimento de paz coletiva nos territórios cearenses? Se tivéssemos distribuição abundante de cidadania haveria a necessidade de mais cadeias novas?

Não tenho o oportunismo dos políticos de oposição a Elmano nem as certezas dos porta-vozes do petista, mas a impressão é que tudo é velho nas proposições de quem está fora e dentro do governo.

São sempre os mesmos machos de esquerda, direita e extrema-direita prometendo o paraíso da segurança pública e as facções provando que o crime faccionado virou uma das paisagens do Ceará. Um produto que não tem como deixar de consumir no habitual.

 

"E se tem algum plano infalível, já é velho antes de pôr nos territórios..."

 

Lembrei-me de um texto de Bertold Brecht. Há muitas maneiras de matar. Podem enfiar-te uma faca na barriga, arrancar-te o pão, não te curar de uma enfermidade, meter-te numa casa sem condições, torturar-te até a morte por meio de um trabalho, levar-te para a guerra etc. Somente poucas destas coisas estão proibidas na nossa cidade.

A oposição de Elmano não tem projeto para a segurança pública, é o mais do mesmo e discurso para garantir projeto individual de poder. E se tem algum plano infalível, já é velho antes de pôr nos territórios... Mais policiais, mais armamento, mais inteligência, mais atingir "o coração econômico das facções"…

E o governo ou muda radicalmente o modo de pensar e ofertar a paz coletiva e social ou vai continuar igual a oposição e as próprias facções: caduco e bélico.

 

"desconfio que o poder público teria de oferecer o que o crime oferece de sedutor para meninos e meninas "

 

Não sei, mas desconfio que o poder público teria de oferecer o que o crime oferece de sedutor para meninos e meninas que se encantam e se batizam nas facções. Dinheiro, arma, poder, moradia, bens, prosperidade... as metáforas da perspectiva e o governo tem sido paliativo ou insuficiente.

Parece devaneio, mas meninos e meninas faccionados poderiam estar rasgando a camisa para ser parte do poder público, do Estado, do governo. Como? Teríamos de reinventar uma nova mesa de mediações dos territórios para os palácios da governança.

O jeito macho atual de se pensar a segurança pública - oposição e governo - é datado e caduco. A metáfora oferecida pelas facções para meninos e meninos é mais deslumbrante.

Paulo Linhares poderia ser o secretário da segurança pública do Ceará.

Ou uma mulher de pensamento radicalmente às avessas dos machos que se repetem na política e no poder...

 

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