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Brutalismo e bolsonaristas
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Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações

Brutalismo e bolsonaristas

Não é distopia e tem a ver, não há como deslembrar, do aluvião de defuntos da covid-19 e o fim dos sonhos de cada um
Tipo Crônica
1409demitri.jpg (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 1409demitri.jpg

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No sonho, geralmente, a gente não corre. Ou voa sem asas ou flutua. Talvez seja a consciência transbordante num ato do indizível. Não seria quimera, possivelmente seja um talante fora do corriqueiro brutal. E podemos estar mortos e também vivos no onírico.

Começo empolado, assim, porque tenho necessidade de caçar sonhos e abstrair o grosseiro encalacrado. Atualmente, a super naturalização da ruindade compartilhada é quase sem fim, online e ao vivo.

É felicidade a sensação de Bolsonaro e seus golpistas serem condenados? Pra mim, não. Mesmo não desejando outra decisão que não fosse a sentença culminante e impeditiva de viver livre.

 

"o capitão reformado do Exército nunca deixou de construir cadafalsos para os outros. E quase sempre o fez rindo"

 

Por causa da avareza que construiu ao redor e a brutalidade de querer golpear a liberdade de um povo, presentemente livre de ditadores e regimes absolutos, gorou-se na própria impiedade Bolsonaro.

Ora, o senso comum e os preconceitos que gestaram e deformaram Bolsonaro, desde quando foi moldado machista ainda menino e piorado aos 70 anos de indelicadezas, o condenou a 27 anos e 3 meses de calabouço.

Foi pouco, não há perseguidores dele e o capitão reformado do Exército nunca deixou de construir cadafalsos para os outros. E quase sempre o fez rindo, rodeado de outros machos e até mulheres para validar a bruteza.

 

"Bergson voltou num baú miúdo de ossos e pó, quase nada "

 

Imagino o que Jana Barroso, Bergson Gurjão, Teodoro de Castro e Custódio Saraiva estejam, desde 11 de setembro de 2025, fabulando hoje. Para apenas recordar dos cearenses que foram sumidos. Sim, a matéria não se desfaz mesmo que os corpos tenham desaparecido, é a tal da ressurgência.

Bergson voltou num baú miúdo de ossos e pó, quase nada. E a mãe, dona Luíza Gurjão, aos 96 anos, acreditou no sonho do retorno do filho passageiro. Recebeu-o, não teve como abraçá-lo, reverenciou a arca e, poucos meses depois, também partiu. Ditadura não traz felicidade.

Tenho quase sonhado com quem teve o corpo apodrecido pela arrogância de quem foi protagonista de uma ditadura civil e de generais de extrema direita. Ditadura nenhuma, nem de esquerda, é prova de amor.

 

"A tentativa de golpe, quase tiveram certeza, iria passar impune"

 

Presos, torturados, estupradas e ocultados por quem não admitia opositores políticos e daí uma guerrilha de carnificina, indo e vindo, como sequela. Quando não se incorpora a tal democracia - mesmo imperfeita - o extremo da brutalidade vai querer arrebentar o outro.

Sessenta e um anos depois de ditadura 1964-1985, um presidente da República (militar reformado do Exército), três generais, uma almirante de esquadra, um tenente-coronel e dois delegados da Polícia Federal, todos golpistas, são condenados por tentarem demolir o exercício da política coletiva.

Não é distopia e tem a ver, não há como deslembrar, do aluvião de defuntos da Covid-19 e o fim dos sonhos de cada um. Mais de 700 mil criaturas retiradas de suas trivialidades e possibilidades, a maioria privadas de uma vacina. Foi medonhez.

 

"Ora, os ditadores no Brasil e seus faccionados foram passando pela história incólumes. Nada de grandes fraturas pra eles"

 

A tentativa de golpe, quase tiveram certeza, iria passar impune. Um cabo e um soldado fechariam o STF. Ora, os ditadores no Brasil e seus faccionados foram passando pela história incólumes. Nada de grandes fraturas pra eles, mas as feridas abertas até aqui para quem pensava divergente.

Pois foi condenada além da política do brutamonismo, o patíbulo racista, o misógino, homofóbico, transfóbico, machista... a aporofobia... e a mentalidade perene contra os povos que estavam aqui no horror das invasões, dos estupros e das escravizações patrocinadas por europeus.

Foram sentenciados os desmatamentos, a grilagem e os incêndios hediondos contra a floresta e quem nela vive.

Não foi um dia feliz o 11 de setembro de 2025 no Brasil, foi necessário e terá de existir para sempre no cotidiano e nos corações.

 

"Até morremos, paramos de funcionar o corpo, mas não deixamos de existir"

 

Democracia e roseiras têm de ser cuidadas, regadas, vigiadas e sempre oferecidas a beija-flores. Nunca brutalizadas pela estupidez e a xucrice dos absolutistas do senso comum.

Uma amiga, a Jerônimo, usou da ilusão de existirem estrelas para lembrar que a matéria não se desfaz. Ali é um pó brilhante, talvez, e sonhamos que têm pontas. Até morremos, paramos de funcionar o corpo, mas não deixamos de existir.

Dedico esta crônica à Jana Barroso, Bergson Gurjão, Teodoro de Castro, Custódio Saraiva, José Guimarães (o ferroviário), Pedro Jerônimo, frei Tito e a quem não aceitou as tentativas totalitárias, os golpes de Estado nem os ditadores e seus arremedos.

 

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