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Moda para pertencer, politizar e fazer história
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jornalista, com pós-graduação em Propaganda e Marketing (Uni7) e em Moda e Comunicação (Universidade de Fortaleza). Já atuou como assessora de comunicação, repórter do Núcleo de Revistas do O POVO, jornalista na área de branding e design, e produtora de conteúdo no Penteadeira Amarela, um dos primeiros blogs de comportamento do Ceará. A ligação com a moda surgiu ainda na faculdade, quando teve contato com os bastidores da moda, passando a vê-la como forma de expressão individual, de manifestação cultural e de reflexão social. Atualmente, é editora-adjunta de projetos do O POVO.

Larissa Viegas arte e cultura

Moda para pertencer, politizar e fazer história

Da periferia de Fortaleza para o mundo: nesta edição da coluna, a criadora Nair Beatriz assume a palavra para falar sobre sua marca, a Mancuda
Tipo Notícia
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Camiseta da linha Santo Forte, da marca cearense Mancuda. A coleção nasceu a partir da conexão com o sagrado e com a espiritualidade. Cada peça foi desenvolvida de forma autoral e independente, explorando as múltiplas possibilidades de contar histórias por meio da roupa. (Foto: @mateuxtx/reprodução @mancudaoficial)
Foto: @mateuxtx/reprodução @mancudaoficial Camiseta da linha Santo Forte, da marca cearense Mancuda. A coleção nasceu a partir da conexão com o sagrado e com a espiritualidade. Cada peça foi desenvolvida de forma autoral e independente, explorando as múltiplas possibilidades de contar histórias por meio da roupa.

Assim como muitos negócios, a Mancuda nasceu na pandemia, no final de 2020, como uma tentativa de Nair Beatriz, 26 anos, e Carll Souza, 27, de ganhar dinheiro durante o período.

Sem conceito definido, a intenção então era vender para pessoas "parecidas com eles", por acharem que "a moda não era um lugar acessível pra gente", conforme descreve Nair. Era um mix de atender às próprias necessidades e suprir desejos de outros jovens da comunidade.

Conheça agora, pela própria Nair, a história da Mancuda, uma marca que, sem querer, percebeu o seu papel social, político, econômico e histórico - na moda e na comunidade.

Os idealizadores da Mancuda, Carll e Nair.(Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Os idealizadores da Mancuda, Carll e Nair.

Moda real

"Com o passar do tempo, a gente foi começando a entender que a moda estava, na verdade, em um lugar político, de memória, de história. E aí a gente começou a entender que o que a gente queria produzir era moda de favela. E quando a gente fala moda de favela, a gente vai englobando vários estilos: o streetwear, o surf wear, porque existem muitos estilos dentro das comunidades no Brasil. Essa moda se inspira nos movimentos culturais que acontecem nas comunidades".

Contando histórias

"A moda é uma contadora de histórias, e todas as nossas peças passam por um processo de pesquisa que começa na nossa família, nos álbuns de fotos, para entender as primeiras referências de moda e o que está por trás das peças queestavam vestindo.

Depois a gente traz esse olhar para o hoje, fazendo pesquisa com os amigos, nas festas das comunidades da Cidade, nos lugares que a gente se faz presente".

Marca cearense Mancuda é pensada na favela e hoje percebe sua importância política e social(Foto: Mancuda/Divulgação)
Foto: Mancuda/Divulgação Marca cearense Mancuda é pensada na favela e hoje percebe sua importância política e social

Fashion films

Neles, a gente conta histórias, como a gente se inspirou para produzir aquela roupa. A roupa faz parte do nosso cotidiano, todo dia a gente tem que se vestir, todo dia a gente vive uma história, vestido!

Os fashion films também dão sentido às peças e visam atingir os sentimentos das pessoas. Quando a gente faz uma peça do reggae, que foi quando começamos os vídeos, foi muito inspirado nessa saudade, no meio da pandemia, quando ninguém podia curtir um reggae.

Tendência x estilo de vida

"Existe um efeito que se chama Bubble Up e aborda essa questão da moda, de como as grandes marcas se apropriam dos movimentos culturais de massa, dos estilos. Foi o que aconteceu agora, a partir de 2022, mais ou menos.

O 'Brasil Core' começou a ter uma relevância mundial e as grandes marcas começaram a migrar para as comunidades e se apropriar desse estilo dito brasileiro, que provém das favelas de todo País.
É bem complexo.

Em contrapartida, já existia o movimento de moda nas comunidades, que vem se construindo no Brasil inteiro. E a galera da periferia começou a se colocar nessa posição de criadores de tendência, de intelectuais, de produtores também, de conhecimento, de arte.

É muito importante que esteja sendo criada essa rede e que a própria galera esteja começando a ter essa consciência (pelo menos a galera de dentro das comunidades), de que é importante valorizar essa produção, de consumir marcas de periferia. E começar a entender que isso também é político. E a gente começa a ver também algumas marcas em ascensão, como objetos de desejo.

Vestindo do PP ao XGG, a marca já possui alguns ícones como as camisas gola pólo(Foto: FOTOS Mancuda/Divulgação )
Foto: FOTOS Mancuda/Divulgação Vestindo do PP ao XGG, a marca já possui alguns ícones como as camisas gola pólo

Então é tanto uma exploração de referências estéticas que estão dentro da favela, mas é também um estilo de vida. É como as pessoas se portam, se apresentam e se identificam. E quando falo 'as pessoas', estou incluindo eu e o Carll. Faz parte delas desde sempre, do convívio, da história".

Inegociáveis

"Tudo o que fizemos até agora é muito essencial pra gente. E a gente não abre mão de algumas coisas. Uma é o recorte. As coleções também partem do ponto do que fazer com sobras de tecido. Então, sempre saem recortes novos dentro da coleção que foram resquícios de tecidos de outras peças que já foram produzidas.

Outra é a modelagem autoral. Primeiro a gente constrói, depois a gente vai aprimorando. A gente foge da ABNT de modelagem, por não ser tão acessível nem tão assertiva.

Como a gente trabalha com peças para diversos tamanhos de corpos, do 36 ao 56, do PP ao EGG, é muito importante fazer pesquisa nos próprios corpos, para que essas pessoas se sintam confortáveis com as peças e consigam se enxergar nelas.

E temos dois principais produtos da marca, que são carro-chefe, o veludo e a camisa gola pólo".

Não é só sonho

A gente quer 'abrir portas', mostrar outra perspectiva para pessoas parecidas com a gente. Eu acho que pra gente (da favela) falta muito a perspectiva do sonho e de achar que pode alcançá-lo.

E eu não digo que eu e o Cal conseguimos alcançar o ponto alto do nosso sonho, mas a Mancuda é a realização de um sonho. E era algo que, da criação da marca e até o que ela se tornou hoje, a gente achava que não era capaz, que não era uma possibilidade pra gente".

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Projeto Moda de Favela

"Eu e o Call não aprendemos moda na academia. A gente não fez curso nem universidade de moda. Foi tudo de maneira muito autoral e muito ancestral, com a nossa família. Somos filhos de costureiras, o irmão do Carll que fez o curso técnico de modelagem no ensino médio e ensinou a gente.

E fomos fazendo outros cursos, buscando mais conhecimento. Mas a gente sabe que não é algo tão acessível, foram muitos sacrifícios pra gente fazê-los. Agora que a gente detém certo conhecimento, com o Moda de Favela (@modadifavela) a proposta é ofertar minicursos gratuitos dentro de vários âmbitos da moda, com o objetivo de repassar esse conhecimento e mostrar outras perspectivas".

E vai ter loja, sim!

Enquanto marca, queremos crescer bem mais comercialmente. A gente já conseguiu chegar a outros estados, mas queremos estar no Brasil todo. E, finalmente, conseguimos ter um lugar, um ponto no nosso nome, construir um lugar físico, a loja Mancuda, para 2026. Vamos ter o ateliê e a loja física da Mancuda, mas por hora a gente vende de maneira virtual e se faz em muitas feinhas da Cidade.

Foto do Larissa Viegas

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