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De que anistia estamos falando?
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Paula Vieira, socióloga e cientista política. Professora. Pesquisadora do Laboratório de estudos sobre política, eleições e mídia (Lepem-UFC)

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De que anistia estamos falando?

A ideia que envolve a anistia nos dias de hoje vai na contramão da ideia que fundamentou, veja só, a Comissão de Anistia de outrora
Esta vista aérea mostra pessoas carregando uma enorme bandeira brasileira com os dizeres "Sem anistia" durante um protesto contra uma emenda constitucional conhecida como Projeto Blindagem, que exige que o Congresso autorize qualquer acusação criminal contra deputados e senadores por meio de votação secreta, em São Paulo, Brasil, em 21 de setembro de 2025 (Foto: Nelson ALMEIDA / AFP)
Foto: Nelson ALMEIDA / AFP Esta vista aérea mostra pessoas carregando uma enorme bandeira brasileira com os dizeres "Sem anistia" durante um protesto contra uma emenda constitucional conhecida como Projeto Blindagem, que exige que o Congresso autorize qualquer acusação criminal contra deputados e senadores por meio de votação secreta, em São Paulo, Brasil, em 21 de setembro de 2025

No cenário de efervescência do País, o julgamento da tentativa de golpe que culminou com os atos do dia 8 de janeiro de 2023 extrapolou o Judiciário e foi levado para o Congresso. A intenção foi evidente: uma alternativa para impedir as condenações.

Acontece que ali, no Legislativo, o espaço que a direita e a extrema direita possuem é muito favorável à movimentar as peças ao seu favor.

O projeto que defende a tal anistia chegou sem forma, não temos nem mesmo um texto sobre o qual falar. Sabemos, contudo, o que os mais radicais querem: que ela seja geral e irrestrita. O seu relator na Câmara tende para uma leitura de projeto que esteja mais direcionada para dosimetria da pena.

Nesse embaralho, a direita bolsonarista puxa para si o discurso de “perseguição política” e, por isso, justificam o pedido de “anistia” via projeto no Legislativo.

A anistia consiste em extinguir as punições atribuídas a indivíduos que cometeram crimes. Conhecemos a palavra ao acompanhar o desfecho histórico da Ditadura Militar decorrente do golpe de 1964.

O Estado foi o agente responsável pelas prisões e torturas de pessoas que contestavam as decisões do regime militar em um contexto de cerceamento de críticas aos representantes que, no período, eram eleitos de maneira indireta.

No período, as manifestações contrárias ao regime estavam contestando a legitimidade de decisões tomadas em instâncias de representação política que, lembremos, não tinham sido fruto de escolha direta da população.

Após a reabertura, os presos e exilados receberam a anistia por terem sido integrantes dos movimentos contra um Estado, militar e sem escolha direta da população, que cerceava as liberdades de manifestação política.

A ideia que envolve a anistia nos dias de hoje vai na contramão da ideia que fundamentou, veja só, a Comissão de Anistia de outrora. Os enunciadores e defensores do discurso de anistia ao 8 de janeiro capturaram o sentido presente no imaginário brasileiro. Nesse processo, o conteúdo perde a forma.

No cenário de hoje, embora tenham engajado a parcela militante fiel do bolsonarismo, o discurso da perseguição política está sem força para expandir o seu alcance à população. A aprovação na Câmara dos Deputados da PEC da Blindagem parece ter um efeito inverso ao do reforço à anistia.

As manifestações de 21 de setembro de 2025 reagiram ao absurdo da tentativa de atribuir impunidade aos parlamentares e reuniu um número expressivo de pessoas.

Até então, a capacidade de mobilização estava potencialmente entre os grupos bolsonaristas que, inclusive, estavam no domingo anterior reunidos em capitais. E termos os dois grupos em espaço de livre manifestação faz cair por terra o argumento de pretensa perseguição e autoritarismo.

Ao aprovar a PEC da Blindagem, a Câmara dos Deputados chamou atenção para os intentos de proteção individuais dos parlamentares que se distanciam da sua função de representação política da população. A PEC chamou atenção para o fato de que a anistia seria, então, mais um modo de defesa para políticos que buscam fazer com que seus cargos sejam escudos para investigações.

Em claro contraste com a bandeira norte-americana dos movimentos da direita, a bandeira do Brasil foi erguida nas manifestações contra a PEC da Blindagem e contra a anistia aos condenados do 8 de janeiro.

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Assistir anistiados como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil participando ativamente contra a Blindagem foi um movimento de retomada do léxico que compõe a defesa da democracia.

Retoma-se o sentido das palavras do hino nacional, das cores da bandeira, da nossa história - símbolos que sustentam a ideia de nação. Os discursos e os símbolos continuam em disputa. O que é seguro afirmar é que ainda estamos aqui.

Protestos contra PEC da Blindagem tomam ruas de todas as capitais do Brasil | O POVO News

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