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PEC da Blindagem: cinco deputados do Ceará poderão ser beneficiados
Reportagem Especial

PEC da Blindagem: cinco deputados do Ceará poderão ser beneficiados

Saiba quem são os deputados que poderão se livrar dos inquéritos; analista explica que entre prerrogativa e impunidade, a autodefesa do Parlamento escancara conflitos de interesse

PEC da Blindagem: cinco deputados do Ceará poderão ser beneficiados

Saiba quem são os deputados que poderão se livrar dos inquéritos; analista explica que entre prerrogativa e impunidade, a autodefesa do Parlamento escancara conflitos de interesse
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Até onde vai a prerrogativa parlamentar e onde começa a impunidade? A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3 de 2021, chamada PEC da Blindagem, reacende um debate antigo no Congresso Nacional. No caso do Ceará, cinco deputados federais podem ser diretamente favorecidos caso a proposta seja promulgada.

São eles: André Fernandes (PL), Eunício Oliveira (MDB), José Guimarães (PT), Júnior Mano (PSB) e Yuri do Paredão (MDB).

Todos têm seus nomes citados em investigações — que vão desde suspeitas de desvio de emendas parlamentares até participação em atos antidemocráticos.

Nenhum deles foi formalmente denunciado até o momento, mas, sob a nova regra, só poderiam se tornar réus com autorização prévia da Câmara ou do Senado.

 

 

A lógica da blindagem

A medida relatada por Cláudio Cajado (PP-BA) pode limitar a atuação da Justiça. Se aprovada, o Supremo Tribunal Federal (STF) só poderia transformar parlamentares em réus com aval das Casas legislativas.

Para críticos, isso equivale a criar um escudo corporativo contra processos criminais, esvaziando investigações em andamento.

O estrategista de comunicação política Amauri Chamorro(Foto: Reprodução / Instagram @amauri.chamorro)
Foto: Reprodução / Instagram @amauri.chamorro O estrategista de comunicação política Amauri Chamorro

Amauri Chamorro, estrategista político e doutor em Filosofia Política pela Universidad Pontificia Bolivariana, avalia essa movimentação como uma resposta do Centrão e da direita às decisões do STF e à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Em entrevista ao O POVO News desta quarta-feira, 17 de setembro, Chamorro classificou a medida como um "retrocesso".

“O povo brasileiro não deveria aceitar esse tipo de medidas de dentro do Congresso para se autoproteger. Ainda mais em um momento em que o Congresso tem sido artífice de um processo de desestabilização do Brasil desde a derrubada de Dilma Rousseff, atuando na vanguarda para atacar a soberania do país e desestabilizar a democracia", argumenta.

No caso cearense, a consequência prática seria clara: parlamentares investigados dependeriam de colegas de bancada para decidir se responderão na Justiça. Em um ambiente de forte solidariedade corporativa, dificilmente a autorização seria concedida.

 

 

PL tem alinhamento total com a PEC, enquanto PT é contra

Na votação da PEC da Blindagem, que restringe o avanço de processos judiciais contra deputados, os maiores partidos da Câmara apresentaram estratégias distintas e mostraram suas posições sobre a proteção parlamentar no segundo turno da votação, que ocorreu na noite de 16 de setembro de 2025.

O PL, principal força bolsonarista e atual maior bancada, mostrou alinhamento quase total à proposta: foram 82 votos a favor e nenhum voto contra. A sigla contou com 6 ausências.

No PT, por sua vez, o posicionamento foi o oposto. Dos 67 parlamentares, 50 votaram contra, apenas 10 apoiaram, além de 7 ausências.

Já o União Brasil apresentou posição predominante a favor, mas com pequena dissidência interna: foram 52 votos favoráveis, 5 contrários e 2 ausências.

 

Como os partidos votaram na PEC da Blindagem

 

A defesa da proposta se apoia no argumento de que parlamentares sofrem perseguições políticas e precisam de garantias para exercer o mandato.

Mas a extensão do foro privilegiado para proteger até mesmo casos de corrupção e crimes contra a democracia coloca em xeque a credibilidade do Legislativo.

Amarui Chamorro destacou que o que está em negociação no Congresso vai muito além do que está “totalmente aparente”.

“O que está em negociação, principalmente agora por parte do governo, é a questão da aprovação da isenção do imposto de renda. Então houve, nos bastidores, uma pressão muito grande para que se pudesse avançar na questão do imposto em renda em troca das medidas de blindagem”, disse.

 

 

Dos 22 deputados cearenses, apenas três votos contrários à PEC

Na bancada cearense da Câmara dos Deputados, a votação da PEC da Blindagem acompanhou a tendência nacional de forte apoio entre partidos, sobretudo do centrão.

O destaque fica para o amplo alinhamento dos parlamentares cearenses em favor da proposta, independentemente das divisões que apareceram no debate nacional.

O União entregou seus quatro votos a favor da PEC. O PDT também apresentou maioria favorável: três votos a favor e apenas uma ausência.

ParaTodosVerem: Fotografia da sede do poder Legislativo do Brasil, com o espelho d'água e a rampa em primeiro plano(Foto: LEONARDO SÁ/SENADO)
Foto: LEONARDO SÁ/SENADO ParaTodosVerem: Fotografia da sede do poder Legislativo do Brasil, com o espelho d'água e a rampa em primeiro plano

O PL, fiel ao perfil nacional, orientou integralmente seus três representantes do Ceará pelo “sim” à PEC. Os dois votos do MDB foram favoráveis, assim como o Podemos, PP e PSB, deram seus únicos votos a favor.

O PSD foi o único com votos cearenses contrários à aprovação da PEC: dois votos contra e uma ausência. Já no PT, os três representantes não participaram da votação, registrando assim três ausências.

 

Como os partidos cearenses votaram na PEC da Blindagem

 

 

O retrato mais amplo

Esse não é, contudo, um movimento restrito ao Ceará. Segundo um levantamento do Congresso em Foco publicado em junho de 2024, mais de cem deputados federais estavam sendo investigados ou já eram réus criminais. O número corresponde a quase um quinto da Câmara dos Deputados.

Esses processos envolvem acusações de corrupção, desvio de emendas, lavagem de dinheiro, improbidade administrativa, violência doméstica e até crimes contra a democracia.

Em outras palavras, não se trata de episódios isolados, mas de um retrato que atravessa partidos, regiões e espectros ideológicos.

ParaTodosVerem: deputados federais no Plenário da Câmara. Visão aérea da sala. Ao meio, na mesa, presidente Hugo Motta (Republicanos-PB)(Foto: Lula Marques/Agência Bras)
Foto: Lula Marques/Agência Bras ParaTodosVerem: deputados federais no Plenário da Câmara. Visão aérea da sala. Ao meio, na mesa, presidente Hugo Motta (Republicanos-PB)

No caso cearense, o levantamento citava quatro nomes: André Fernandes, Júnior Mano, Eduardo Bismarck e Luizianne Lins. Atualizações da Central de Dados O POVO+ confirmaram apenas os dois primeiros.

Eduardo Bismarck foi retirado da lista em outubro de 2024, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou a elegibilidade do seu mandato. Já Luizianne Lins não aparece em inquéritos ou investigações públicas recentes.

Entre os deputados cearenses que podem ser diretamente beneficiados pela PEC da Blindagem, nota-se que a ampla maioria votou a favor da proposta ou não registrou voto, mesmo estando sob investigação ou citados em apurações criminais.

 

 

Como votaram os deputados cearenses que podem se beneficiar?

 

Deputados que votaram a favor

André Fernandes (PL-CE), atualmente alvo de inquéritos no STF por incentivo aos atos golpistas de 8 de janeiro, votou a favor da PEC, alinhando-se à bancada de seu partido, que apoiou em peso a blindagem.

Júnior Mano (PSB-CE), investigado por desvio de emendas parlamentares, também votou sim, demonstrando claramente interesse na aprovação da proposta que pode afetar diretamente a tramitação de seu próprio caso.

Yury do Paredão (MDB-CE), citado em apurações federais envolvendo desvios de recursos de emendas, foi mais um a registrar voto favorável à blindagem dos parlamentares.

Deputados que estavam ausentes

José Guimarães (PT-CE), líder influente e citado em investigações sobre o chamado “orçamento secreto”, estava ausente na votação. Sua ausência impede a avaliação direta de seu posicionamento formal, embora o PT tenha orientado majoritariamente contra a proposta.

Eunício Oliveira (MDB-CE), ex-senador e ex-presidente do Senado, foi citado em inquéritos de desvio de emendas, mas não figura formalmente na lista de votantes nesta legislatura da Câmara — portanto, seu posicionamento registrado não aparece.

Para o eleitor, resta a pergunta: até que ponto o foro privilegiado, criado como garantia institucional, virou um salvo-conduto político?

 

 

Veja como votaram todos os deputados cearenses

Votaram SIM

AJ Albuquerque (PP)

André Fernandes (PL)

André Figueiredo (PDT)

Danilo Forte (União Brasil)

Dayany Bittencourt (União Brasil)

Dr. Jaziel (PL)

Enfermeira Ana Paula (Podemos)

Fernanda Pessoa (União Brasil)

Júnior Mano (PSB)

Matheus Noronha (PL)

Mauro Filho (PDT)

Moses Rodrigues (União Brasil)

Nelinho Freitas (MDB)

Robério Monteiro (PDT)

Yury do Paredão (MDB)

Votaram NÃO

Célio Studart (PSD)

Luiz Gastão (PSD)

Ausentes

Domingos Neto (PSD)

José Airton (PT)

José Guimarães (PT) [votou apenas no primeiro turno]

Leônidas Cristino (PDT)

Luizianne Lins (PT) [votou apenas no primeiro turno]

 

 

Metodologia

Para chegar à lista de deputados federais que têm seus nomes ligados em algum grau a inquéritos ou investigações, a Central de Dados O POVO+ realizou uma pesquisa profunda em sites de notícias ou de órgãos públicos utilizando a ferramenta de inteligência artificial e buscas profundas Perplexity.

A busca foi feita a partir da lista dos 22 deputados cearenses em Brasília, buscando relações dos nomes dos parlamentares com investigações ou operações. Quando identificadas as relações, checagens manuais eram realizadas para confirmar a relação do político com o acontecimento investigativo.

Com isso, chegamos ao nome dos cinco deputados abaixo, com suas respectivas investigações:

Junior Mano (PSB-CE) é investigado por desvio de recursos das emendas parlamentares, com buscas autorizadas pelo STF.

G1: Desvios, emendas, fraudes: o que se sabe sobre a investigação da PF contra o deputado Júnior Mano do Ceará 

O POVO: Jr Mano enviou R$ 69,4 milhões em emendas desde 2023; R$ 12,5 mi foram para cidades investigadas

José Guimarães (PT-CE) também figura em apurações sobre a manipulação de emendas do relator, no esquema conhecido como "orçamento secreto", onde há suspeitas de distribuição irregular de recursos.

InfoMoney: STF investiga líder do governo na Câmara por suposta ligação com desvios em emendas

O Tempo: Investigação no STF mira líder do governo Lula na Câmara

O POVO: Júnior Mano: Gilmar abre nova investigação por citações a Guimarães, Eunício e Yuri

Revista Piauí: “No máximo, 12%” - nomes de deputados apadrinhando emendas em Choró-CE, incluindo Guimarães

Eunício Oliveira (MDB-CE) foi citado em inquéritos relacionados a possíveis irregularidades nos repasses de emendas, embora seu envolvimento direto não tenha sido claramente evidenciado.

InfoMoney: STF investiga líder do governo na Câmara por suposta ligação com desvios em emendas

G1: Líder do governo na Câmara e ex-presidente do Senado são citados em investigação de desvio de emendas

Diário do Nordeste: Eunício sobre investigação de desvio de emendas: “Quanto mais o MP for atrás, mais feliz vou ficar”

Yury do Paredão (MDB-CE), também investigado pelo STF, é citado em apuração sobre desvio de recursos de emendas parlamentares.

UOL: Gilmar, do STF, aponta indício de atuação de deputado no desvio de emendas

InfoMoney: PF investiga “pedágio” de até 12% em emendas no CE e cita líder do governo Lula

G1: Líder do governo na Câmara e ex-presidente do Senado são citados em investigação de desvio de emendas

André Fernandes (PL-CE) é alvo de inquéritos no STF por sua participação na incitação aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, sendo acusado de usar suas redes sociais para convocar manifestações que resultaram na depredação dos prédios dos Três Poderes.

G1: STF abre inquérito para investigar envolvimento de André Fernandes nos atos golpistas do dia 8 de janeiro

PT.org: Suspeitos do 8 de janeiro: André Fernandes, o incitador

O POVO: Ação contra André Fernandes sobre postagens do 8/1 aguarda decisão de Moraes desde 2023

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