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Brasil precisa começar 2026 com os dois pés contra o crime organizado
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Brasil precisa começar 2026 com os dois pés contra o crime organizado

Não basta apenas elaborar mapas da atuação de facções sobre os territórios, é preciso atingir o nervo central desse sistema
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CANINDEZINHO e entorno são disputados pelo TCP e o CV (Foto: Reprodução/Redes Sociais)
Foto: Reprodução/Redes Sociais CANINDEZINHO e entorno são disputados pelo TCP e o CV

A sociedade brasileira chegou a um ponto de inflexão em que precisa dar uma resposta ao crime organizado a partir das estruturas que o fundamentam e dão suporte aos atos criminosos do dia a dia, indo além da necessária repressão sobre furtos, roubos e homicídios. Não basta apenas elaborar mapas da atuação de facções sobre os territórios, é preciso atingir o nervo central desse sistema.

O ano de 2025 consolidou uma mudança de estratégia no combate ao crime organizado no Brasil, focando na asfixia financeira e na infiltração das facções em setores econômicos e políticos. O Ministério Público Federal (MPF) pediu o bloqueio de mais de R$ 28 bilhões em bens de criminosos, por meio dos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos). Foram mais de 60 operações, 126 prisões e cerca de 400 investigações em andamento, com foco em tráfico de drogas, crimes ambientais, lavagem de dinheiro e corrupção.

Essa mudança na estratégia foi pauta da mensagem de fim de ano do presidente Lula que mencionou as facções e o combate ao crime organizado. “Neste ano, a Polícia Federal comandou a maior operação já feita contra o crime organizado. O combate às facções criminosas chegou pela primeira vez ao andar de cima, e nenhum dinheiro ou influência vai impedir a Polícia Federal de ir adiante", disse.

Há no Congresso duas propostas que podem fazer com que a ação governamental seja ainda mais eficaz contra as organizações criminosas. O Projeto de Lei Antifacção tem como objetivo central tipificar o crime de domínio territorial, punindo severamente grupos que exerçam controle social, econômico ou político sobre determinadas comunidades por meio da força ou intimidação. A legislação busca asfixiar financeiramente as facções, facilitando o confisco imediato de bens e criminalizando a utilização de empresas de fachada em setores estratégicos, como transporte público e coleta de lixo.

A PEC da Segurança Pública, por sua vez, confere status constitucional ao Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), transformando-o em um modelo de cooperação obrigatória semelhante ao SUS na saúde. A União passaria a ter competência para estabelecer diretrizes nacionais e padronizar protocolos (como boletins de ocorrência e mandados de prisão) em todo o país, além de atualizar as atribuições das forças federais.

As duas iniciativas, contudo, esbarram justamente no pantanal da política partidária, cujo lodo de interesses impede o país de avançar de forma estratégica. Por causa disso, tivemos um ano em que os parlamentares se esforçaram mais para diminuir penas do que efetivamente criar mecanismos que possam inibir e desmantelar o crime organizado. Os eleitores precisam ter isso em mente quando forem votar.
E aqui não se está privilegiando partido X ou Y. Há toda uma bancada pluripartidária que se nutre de dinheiro público, da impunidade e de emendas que não possuem transparência alguma. Os casos de promiscuidade entre gestores e membros do tráfico são numerosos e ambidestros, tanto pendem para a direita quanto para a esquerda.

As relações perigosas entre economia e o crime organizado foram tema desta coluna desde o início do ano, quando abordei o conceito de governança criminal. O termo foi cunhado por Benjamin Lessing, professor de Ciência Política da Universidade de Chicago (EUA), e pode ser definido como "a imposição de regras ou restrições ao comportamento por parte de uma organização criminosa, incluindo governança sobre membros, atores criminosos não-membros e civis não-criminosos".

Nas comunidades que vivem sob as ordens das facções, a governança criminal constitui-se como um "duopólio de violência" em que os moradores têm de lidar com figuras de autoridade estatais e criminais. Fortaleza se tornou um tabuleiro macabro de WAR para as organizações criminosas do Rio de Janeiro. E esse mapa está em constante modificação.

2025 foi também o ano em que a facção Guardiões do Estado (GDE) chegou ao fim, sendo assimilada pelo Terceiro Comando Puro do Ceará (TCP-CE). A GDE completaria 10 anos mês que vem. Enquanto escrevo, helicópteros sobrevoam os céus da periferia tentando debelar mais um ataque predatório do Comando Vermelho (CV) ao que restou desse espólio.

Tudo isso é governança criminal. Não se trata, contudo, de retomar a ideia de um "estado paralelo", haja vista os grupos criminosos não terem a pretensão de derrubar o Estado. Pelo contrário, lucram (e muito) com a presença cada vez maior de seus integrantes na máquina estatal. Se o país não tiver força para enfrentar esses grupos, realizar prisões de lideranças e financiadores, bem como asfixiar os caixas das redes criminais compostas por políticos, empresários, agentes públicos e traficantes, nunca sairemos da condição de reféns.

Escrevi uma vez e repito: quando se trata de crime organizado, o buraco é mais em cima e 2025 demonstrou de forma bastante evidente a extensão dessas teias de relações. Pergunte ao seu candidato o que ele pensa sobre isso. Se ele negar esses indícios está sendo, no mínimo, conivente. Concluo me valendo de uma expressão bem regional: Que o Brasil possa começar o ano de 2026 com os dois pés nos peitos do crime organizado!


 

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