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Ceará precisa de um plano estadual de internacionalização
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Ceará precisa de um plano estadual de internacionalização

O tarifaço, diz o pesquisador Flávio Ataliba, deve ser encarado como um alerta para ampliar a participação do Estado na balança comercial brasileira e reforçar os negócios locais
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Flávio Ataliba, pesquisador do Ibre/FGV (Foto: Marcelo Freire/FGV)
Foto: Marcelo Freire/FGV Flávio Ataliba, pesquisador do Ibre/FGV

O tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aos produtos brasileiros e que impactou o Ceará de cheio precisa ser encarado como um alerta e motivar a criação de um plano estadual de internacionalização, segundo aponta Flávio Ataliba, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Ele se dedicou ao assunto nos últimos dias, elaborou estudo apontando a fragilidade dos estados do Nordeste e aponta para problemas sociais graves que podem surgir se um socorro imediato não for feito às empresas ao mesmo tempo que sugere ideias para enfrentar a questão de forma mais ampla. Confira a entrevista abaixo.

O POVO - O senhor fez um estudo sobre o impacto do tarifaço imposto pelos Estados Unidos no Norte e Nordeste do País. Qual o grau de vulnerabilidade das empresas localizadas nestas regiões e como isso se explica?

Flávio Ataliba - As bases produtivas nas regiões são distintas. A gente tem um Sul e Sudeste bem mais desenvolvido e diversificado na pauta de produção, mão de obra mais qualificada e uma infraestrutura mais robusta. O Nordeste é, por outro lado, nessa divisão secular da desigualdade regional do Brasil, bem mais dependente, de produtos com baixo valor agregado e mão de obra com baixa qualificação.
Então, relativamente às outras regiões, o Nordeste pode sofrer mais, porque a gente tem uma estrutura bem mais fragilizada em termos de base produtiva. Se houver retração desses mercados por conta do tarifaço, certamente, além de um problema econômico, tem potencialmente um problema social.

OP - Como isso se explica?

Ataliba - Temos três grandes problemas. O primeiro é a baixa representatividade no comércio exterior brasileiro. O Ceará, por exemplo, tem apenas 0,4% e isso mostra que a gente é muito pequeno. Segundo, os produtos exportados são muito concentrados em cinco ou seis produtos que dominam quase 90% da pauta de exportação. E terceiro, as exportações são concentradas em poucos destinos. Cerca de quatro ou cinco países têm 95% do total.

Isso chama atenção por uma característica estrutural da economia cearense e, digo de passagem, não é diferente em outros estados da região do Nordeste, inclusive do Brasil. E por que isso é um problema? Porque, historicamente, desde a origem da humanidade, que o comércio entre nações, entre países é um elemento essencial para desenvolver uma economia e gerar riqueza para as pessoas.

OP - A respeito dos planos do governo de incluir itens das empresas impactadas nas compras públicas, qual a viabilidade disso na prática na sua avaliação? Quais os produtos mais viáveis para redirecionar ao mercado interno e o que precisa ser feito para fazer essa acomodação?

Ataliba - As medidas que o governador Elmano de Freitas lançou são muito importantes. São fundamentais para uma situação emergencial. É como se tivéssemos aprendido com a pandemia a necessidade de acolhimento da população que vai sofrer. Isso dá confiança, mostra que o governo está atento. Mas é preciso deixar claro que são medidas de curto prazo para proteger empregos e gerar liquidez para as empresas.

A preocupação é a pressão fiscal que isso vai gerar, pois esse rebatimento não pode durar muito tempo. A despeito das medidas tomadas pelo governador, eu vejo neste tarifaço uma oportunidade. Isso expõe a dependência do Ceará a essa fragilidade do comércio exterior. Essa é a verdade. E não só o Ceará. Para ser justo, também expõe o Estado brasileiro. Exceto por São Paulo e algumas empresas específicas, como a Embraer, isso pode ser uma quebra de paradigma no sentido de chamar atenção para um problema.

OP - O que mais pode ser feito?

Ataliba - Um plano estadual de internacionalização da economia. O Governo do Estado, que é o ente com condições para tal, precisa lançar um plano estadual de internacionalização da economia.

Há muitos anos o PIB do Ceará gira em torno dos 2% da economia brasileira. Ora mais, ora menos. Não consegue ampliar a participação no PIB nacional. E, decorrente disso, a renda familiar per capita continua muito baixa, sempre entre as mais baixas no País.

Mas o Estado tem um porto pronto, que é o Porto do Pecém. Fortalecido por vários governos. Isso nos faz juntar as peças do quebra-cabeça. Não temos uma renda per capta boa, mas temos um porto bom. Há outros gargalos para fazer essa potencialidade de geração de riqueza funcionar.

Já falei da baixa diversificação da pauta de exportação. Mas há a dependência de produtos de baixo valor agregado. Significa que pouca coisa é retida pelo cearense. A agregação de riqueza é muito pouca. Não adianta você exportar um produto praticamente in natura porque fica pouco aqui. Se conseguir agregar valor de alguma forma a esses produtos, a gente consegue dinamizar a riqueza internamente. Isso foi o que aconteceu no Vietnã, tá acontecendo na Coreia do Sul.

Há ainda a baixa inserção das pequenas e médias empresas ao comércio exterior. Se grande parte da produção e do emprego que a gente sabe na nossa economia são as pequenas e médias empresas, uma solução para ampliar a oferta de emprego para esses segmentos seria colocar mais as pequenas e médias empresas na exportação.

OP - O que é preciso para fazer isso e em quanto tempo?

Ataliba - É fundamental no processo de exportação ter capacitação de profissionais relacionados ao comércio exterior. A etapa de comercialização não é trivial. As pessoas têm que entender como acessar mercados, a dinâmica de determinados mercados, precisa entender que cada mercado tem sua cultura. As universidades precisam estar atentas a isso. Todos os parceiros são relevantes, independente de qualquer condição política que porventura venha ter, seja Estados Unidos ou China. Não interessa isso. Interessa como acessar esses mercados.

O governo do Estado precisa ser o intermediário nessa relação e organizar os elementos iniciais para essa internacionalização. Pode haver a criação de uma agência de comércio exterior no Ceará e não precisa criar uma nova estrutura, basta realocar profissionais e estruturas já existentes e sem aumentar despesas, só realocando.

OP - E como se daria a atuação?

Ataliba - Se eu pudesse dar essa sugestão, eu diria que desenhando as linhas gerais do plano de internacionalização, dando incentivos fiscais para as empresas participantes e tomar decisões junto aos produtores sobre a busca por novos mercados. Isso paralelo ao que vem sendo feito. Mas precisa ser iniciado para que daqui a uns três ou quatro anos, comece a surtir efeito.

No momento que você começa a ter bons resultados, a gerar confiança, isso acaba sendo uma bola de neve de trazer novos produtores para o plano. Outros importadores passam a ver o Estado do Ceará como potencial cliente e isso gera uma relação de confiança muito importante entre a o Ceará e os seus importadores.

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