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Terceiro episódio de Guerra Sem Fim retrata a transformação da arte nas periferias
Vida & Arte

Terceiro episódio de Guerra Sem Fim retrata a transformação da arte nas periferias

Série original O POVO, o último episódio de Guerra Sem Fim desta temporada aborda o papel da arte no cotidiano de territórios marcados pela violência em Fortaleza
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Foto: Júlio Caesar e Fco Fontenele "Juventude sobrevivente", terceiro episódio da série "Guerra Sem Fim", revela casos de jovens que conseguem sobreviver em territórios dominados pelo terror por meio da arte.

Ribamar Felipe Souza Miranda nasceu Felipe Rima aos 14 anos. Filho de Dona Luziane e Seu Ribamar, personagem do tráfico na comunidade da Zareia no Papicu, o menino sentiu o peso de uma arma de fogo pela primeira vez aos 8 anos. Na adolescência, queria comandar o tráfico de oito comunidades de Fortaleza — até conhecer a poesia. "Desde criança, sempre tive contato com cultura e gostava de ver, assistir, desenhar, essas coisas que a gente faz na infância. Mas ainda não tinha propósito nessa arte. Aos 14, quando eu sonhava em ser o sucessor do meu pai na hierarquia do crime que a nossa família exercia, conheci um projeto social e recebi uma enxurrada da arte que contempla a cultura hip-hop — como é o caso do grafite, o break, DJ e o rap. A arte que mais me tocou foi a poesia: o primeiro poema que eu li foi do Drummond, 'No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho'. Na minha comunidade, a gente chama o crack de pedra. Meu pai, apesar de ter sido um expoente no crime, estava na dependência química do crack e a gente estava passando um momento muito delicado e devastador na nossa família. Quando eu tive esse primeiro contato com a poesia que dizia que 'tinha uma pedra no meio do caminho', eu interpretei que a pedra que havia no meio do caminho da minha família era o crack. Foi mágico, eu percebi que a arte estava conectada com a minha história".

A importância da arte na vida do poeta, músico, escritor, rapper, empreendedor social e produtor cultural Felipe Rima integra o terceiro episódio da segunda temporada de Guerra Sem Fim. Série original O POVO , a produção aborda o impacto dos grupos organizados nos territórios que controlam. O episódio lançado nesta segunda, 19, também retrata as narrativas do poeta marginal Jardson "Remido", do Grande Jangurussu; e da atriz e professora travesti Jô Costa, do Bom Jardim. O capítulo é costurado ainda por falas da socióloga Camila Holanda; do deputado estadual Renato Roseno, membro do Comitê de Prevenção e combate à violência da Assembleia Legislativa; e do Secretário da Juventude da Prefeitura de Fortaleza Davi Gomes.

Depois de conviver de perto com o crime, Felipe Rima conectou produção artística com trabalho social(Foto: Júlio Caesar e Fco Fontenele)
Foto: Júlio Caesar e Fco Fontenele Depois de conviver de perto com o crime, Felipe Rima conectou produção artística com trabalho social

"A arte tem o poder de conectar as histórias de vidas, as nossas emoções, os nossos percursos, as nossas memórias. A partir daí, eu passei a fazer arte — agora, com o propósito. Primeiro, meu propósito era dialogar comigo mesmo, de expor no papel, na caneta e nos raps os meus sentimentos. Depois, a partir do momento que eu passei a anunciar minha arte, eu percebi que ela também conectava com a vida de outras pessoas como a poesia do Drummond me conectou com a minha história e minha vida. A arte e a cultura representam uma conexão de ser humano para ser humano que visa provocar revolução e transformação na nossa sociedade", defende Felipe Rima.

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A série é dirigida pelos jornalistas Demitri Túlio e Cinthia Medeiros. "Nos episódios anteriores, incluindo a primeira temporada, Guerra Sem Fim se propôs a apresentar como a disputa entre as facções criminosas vem mudando de forma intensa o cotidiano de comunidades inteiras, inclusive delimitando uma nova geografia urbana nas periferias, impondo códigos de conduta para seus moradores e atingindo principalmente uma parcela significativa da população mais jovem, que resulta na morte de milhares de adolescentes ano após ano.Apesar da gravidade do tema e da urgência em dar visibilidade a ele para toda a sociedade, optamos por encerrar essa produção agregando um olhar mais empático à essa mesma juventude trazendo histórias inspiradoras. Em muitas situações, a arte — em suas diferentes linguagens — tem sido o melhor veículo de comunicação com a juventude e o meio pela qual ela melhor expressa seus anseios, seus desejos, suas angústias. Não haveria melhor recorte, então, para ecoarmos essas vozes", pontua Cinthia, editora-executiva de audiovisual do OP.

Segundo a diretora-executiva de Jornalismo Ana Naddaf, esta segunda temporada do "Guerra Sem Fim" é um importante exemplo do investimento em novas narrativas audiovisuais do O POVO. "Sua importância jornalística está em tornar-se uma crônica visual com um olhar corajoso e crítico, mas ao mesmo tempo respeitoso e delicado, que narra a partir dos que sobrevivem à desigualdade social, ao medo e ao invisível na Cidade. O que muitas vezes não pode estar dito e computado através da estatística, do simples relatar os números da segurança pública".

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Intitulado "Juventude sobrevivente", o episódio borda em imagens a promessa da escritora mineira Conceição Evaristo: "A gente combinamos de não morrer". Para Demitri Túlio, o audiovisual saiu para se encontrar com a Cidade "reterritorializada" pela violência das facções. "Diria também pela estética dessa nova forma da violência se manifestar no cotidiano. No miolo mais assistido da Cidade pelo poder público e, principalmente, na periferia onde há um código escrito por esses grupos armados. A câmera, a luz, a forma de ouvir e expor a narrativa vêm puxadas pela arte olhando para as ruas 'proibidas' e as casas sem 'famílias' porque foram expulsas. É medo de morrer na mão dos bandos faccionados", compartilha o jornalista.

"Juventude sobrevivente", terceiro episódio da série "Guerra Sem Fim", revela casos de jovens que conseguem sobreviver em territórios dominados pelo terror por meio da arte.  (Foto: Júlio Caesar e Fco Fontenele)
Foto: Júlio Caesar e Fco Fontenele "Juventude sobrevivente", terceiro episódio da série "Guerra Sem Fim", revela casos de jovens que conseguem sobreviver em territórios dominados pelo terror por meio da arte.

"A arte vai olhando, quase um grua na periferia da Cidade, para tentar entrar no universo paralelo que não interessa à Aldeota nem a quem mora nas zonas mais privilegiadas. O problema não está distante. O documentário lembra que o problema é parte da segregação social, da concentração de renda, da falta de prioridade para os assentamentos precários. Então, a arte vai andando, olhando e ouvindo. A série não traz nenhuma resposta, são muitas interrogações. Ao mesmo tempo, no último episódio, a série vais se encontrar com a arte de quem cria espaços de sobrevivência. Muitas vezes na marra, em coletivos, e nos equipamentos públicos que deveriam ser mais abundantes. São necessários para amplificação do lugar de escuta de meninos e meninas que não querem mais perder a vida. Que não querem mais chegar somente ao 17, 18, 20 anos de idade e perderem suas vidas interrompidas pela bala da facção ou pela violência da falta de Estado", finaliza Demitri.

Guerra Sem Fim

O POVO Mais lança a segunda temporada de Guerra Sem Fim, série original que mergulha no universo das facções no Ceará.

O segundo episódio mostrou os bastidores da disputa interna no PCC que levou ao surgimento da GDEGDE: como nasce uma facção

O primeiro episódio desta temporada mostrou a realidade das famílias expulsas de casa pelas facçõesRefugiados Urbanos

Nesta segunda-feira, 19, foi lançado o terceiro episódio da nova temporada: “Juventude sobrevivente” revela casos de jovens que conseguem sobreviver nesses territórios dominados pelo terror por meio da arte. Você confere aqui

Assista à primeira temporada 

1ª temporada, episódio 1: A onda de violência

Em janeiro de 2019, as facções criminosas no Ceará se uniram contra as ações rígidas dentro das penitenciárias, gerando a maior onda de violência do Estado. Como isso aconteceu?

Assista aqui

1ª temporada, episódio 2: Tribunais do Crime

O funcionamento interno das facções criminosas no Ceará: como punem seus próprios integrantes?

Assista aqui

1ª temporada, episódio 3: Caminhos do Crime

A entrada em organizações como as facções é um dos caminhos trilhados pelo crime. O que influencia esse cenário? Como é possível fugir do crime?

Assista aqui

 

"Juventude sobrevivente"

O quê: Terceiro episódio da série Guerra Sem Fim
Lançamento: segunda, 19
Onde: mais.opovo.com.br

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